Inteligência artificial segue em frente entre o medo e a esperança
George Clooney pode ter ajudado a Nestlé a vender milhões de cápsulas Nespresso, mas no Japão a estrela do café é um robô humanoide chamado Pepper. Desenvolvido pela Softbank Robotics, tem uma "cara" familiar, curvas delicadas no corpo de plástico branco e consegue entender 80% das conversas. Começou a ser usado pela marca no verão do ano passado.
É o primeiro "robô emocional", diz a Softbank, que há três semanas demonstrou em Las Vegas, durante a feira CES 2016, quão arrepiante o Pepper pode ser. A sua capacidade de conversação é um cartão-de-visita da inteligência artificial (IA) que o alimenta. O presidente da Softbank Robotics, Kenichi Yoshida, acredita que a tecnologia está pronta e chegou o momento da sua massificação. A resposta dos clientes japoneses é um bom indício: todos os meses, são postos mais mil exemplares do Pepper à venda que esgotam em pouco tempo.
A Softbank está também a instalar o robô numa dezena de clientes, incluindo sucursais bancárias e cafetarias para substituir empregados. E aqui reside o primeiro embate entre ficção científica e realidade: robôs como o Pepper terão a capacidade de substituir pessoas, pondo em causa postos de trabalho. A IA faz parte da quarta revolução industrial, que trará consigo possibilidades tecnológicas excitantes mas também um grande choque civilizacional.
Foi o que ficou patente na cimeira de Davos que terminou nesta sexta-feira, marcada pela divulgação do estudo "O Futuro dos Empregos", em que se prevê a destruição de cinco milhões de postos de trabalho até 2020 devido a estas novas tecnologias.
São vários os avisos de cautela feitos nos últimos anos. Elon Musk, o carismático CEO da Tesla e da SpaceX, disse em 2014 que a IA pode vir a ser mais perigosa do que bombas atómicas; no ano passado, foi um dos cossignatários de uma carta aberta urgindo à comunidade científica que determine prioridades de pesquisa para que a IA seja benéfica e não destrutiva. Outro signatário famoso desta carta foi o cientista Stephen Hawking, que não tem moderado o seu discurso: o físico britânico acredita que a IA pode conduzir à destruição da humanidade e voltou a falar da responsabilidade dos cientistas nesta semana, numa iniciativa do BBC.
"Não vamos parar de fazer progressos, por isso temos de reconhecer os perigos e controlá-los", afirmou, ressalvando que apesar de tudo é "um otimista". A mesma mensagem está patente na carta aberta, assinada por personalidades da comunidade científica e empresarial de todo o mundo: "Recomendamos uma expansão da investigação com o objetivo de assegurar que os cada vez mais capazes sistemas de IA são robustos e benéficos: os nossos sistemas de IA têm de fazer o que queremos que eles façam." Este é um dos maiores receios - que um dia eles tenham a capacidade de raciocinar sozinhos e se virem contra nós.
"Haverá muitos benefícios para a sociedade a partir da inteligência artificial, mas como estamos a entrar em território desconhecido é bom pensar em potenciais problemas", explica ao DN/Dinheiro Vivo o cientista Jim Glass, que lidera o Grupo de Sistemas de Linguagem Falada do Laboratório de Ciência da Computação e Inteligência Artificial do MIT. "Poderá haver consequências imprevistas e não intencionais, como já vimos noutras indústrias. No entanto, diria que ainda temos um longo caminho a percorrer para criar robôs totalmente autónomos capazes de interagir connosco no quotidiano."
Pedro Figueiredo, diretor de inteligência da start-up portuguesa Muzzley, diz que os receios se centram no aparecimento de um programa de computador que ganha consciência da sua própria existência e é capaz das mesmas atrocidades dos humanos. Todavia, o especialista sublinha que tal se relaciona com a nossa essência: "A violência faz parte dos animais e da forma como construímos a nossa visão do mundo. Uma consciência digital aparece num contexto totalmente distinto e não tem de se comportar desta forma."
Mas o que acontece se tal poder cair nas mãos humanas erradas? "É impossível de evitar. A realidade é que a inovação vem do espírito livre, de as pessoas quererem fazer mais, e para isto tem de haver liberdade de ação."