Integração

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A Semana Mundial da Harmonia Inter-religiosa, organizada pelas Nações Unidas, teve um objectivo que partiu do risco enunciado por Malraux para o século XXI. O método visa em primeiro lugar um conhecimento e um respeito recíprocos, orientados pela descoberta e aceitação de valores comuns como alicerce da paz. Por isso o fundamentalismo é reprovado como inimigo dos bons resultados, e com provas dadas num passado que guardou ramificações para o presente conflituoso em que vivemos. O tema do encontro das civilizações, devendo sublinhar-se sempre que hoje falando cada uma em liberdade, um problema que a ONU também assumiu com dedicação e intensidade de esforços, não pode deixar de ser relacionado com a questão das religiões que a reunião teve em vista. Mas seguramente não será descabido insistir em que o fundamentalismo laico é igualmente um risco com provas dadas, e resultados preocupantes também na área da paz, o que tudo agrava a conjuntura do encontro das áreas culturais, designadamente quando as sociedades crescem em multiculturalismos causados pelas migrações descontroladas, uma circunstância agravada pela tremenda desordem do cordão muçulmano, da qual já foi dito que ameaça transformar o Mediterrâneo num cemitério. Não havendo qualquer razão para diminuir o sentimento de risco que cresce nas sociedades que, designadamente, se encontram multiculturais e multiétnicas sem projecto e sem previsão governamental, talvez a integração seja uma das questões exigentes da circunstância em que vivemos, particularmente no Norte do globo. A situação traduzida na coexistência de grupos que vivem sob a mesma jurisdição política, reconhecendo que os direitos, ainda que formalmente definidos como iguais, são impedidos por uma barreira de desigualdades e privilégios, sabemos, da longa experiência, que suscita fundamentalismos de todas as espécies. Todos fomentadores de violências ofensivas e defensivas, sempre com deterioração da validade dos conceitos legais das sociedades civis. E com a consequência inerente de fortalecer o integrismo, o assustador vocábulo cuja criação é atribuída a Charles Maurras, e que atinge atitudes que se afirmam legitimadas quer por valores religiosos, quer por valores étnicos, quer por valores nacionalistas. Os totalitarismos políticos do século passado, de sinais identificadores profundamente diferenciados, demonstraram as consequências dessa atitude em sociedades não integradas, quer na vida interna dos Estados em que tais sociedades se encontram, quer no confronto internacional de cada uma das soberanias que titulavam as respectivas ideologias integristas. Quando Julien Benda apareceu com o seu protesto contra a traição dos intelectuais (La trahison des clercs - 1972), tinha em vista responder também a essa pregação integrista, que não tem boa resposta na tolerância, que precisa de aceitar o respeito que as diferenças mereçam. Um dever que se tornou mais exigente, seguramente a recomendar prudência ao uso da suposta capacidade soberana de fixar as regras de governar qualquer sociedade multicultural. A desordem mundial aconselha a medir a capacidade da soberania. Talvez não se encontre melhor ou mais apropriado conceito de orientação da resposta do que o de sociedade civil, entendida como comunidade em que a solidariedade, inspirada pela igual dignidade humana, inclui o direito igual à diferença, não com tolerância mas com respeito devido. O encontro das culturas, finalmente em liberdade, incluindo a abusiva de recorrer à violência, não consente excluir o pluralismo pacífico dos objectivos que a ONU procura realizar e os tempos exigem. O grave é serem tempos de penúria de recursos, de egoísmos impiedosos movidos pelos interesses próprios em risco, mas sobretudo propiciadores da indiferença. No breve período da abundância, que o Norte viveu sem contenção, a indiferença violava a ética, mas nesta data ameaça a paz.

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