Integração Brasil Europa
No final da década de 90 ouvi muitas vezes António Guterres, primeiro-ministro do governo de então (que tive a honra de integrar), responder à pergunta sobre as prioridades de Portugal em matéria de Política Externa e de internacionalização das empresas portuguesas: Brasil, Brasil, Brasil.
Essa perspetiva não variou nos governos que se seguiram, formatando uma política de Estado consistente e duradoura. Grandes empresas portuguesas das comunicações, da energia, da construção, do turismo e de outros setores instalaram-se no Brasil. No sentido inverso, algumas empresas brasileiras investiram em Portugal, sobretudo no setor de comércio. A convicção generalizada dos empresários é que esse movimento cruzado resultou tanto em bons sucessos, como em razoáveis fracassos. Por outro lado, as relações comerciais entre os dois países não evoluíram de forma significativa, salvo em circunstâncias conjunturais como a que se vive atualmente, como efeito colateral da guerra da Ucrânia.
A questão que se coloca é se esses são os critérios fundamentais de medição da qualidade das relações entre os dois países. Será que o que conta é exclusivamente saber se a política definida pelo Estado resultou ou se Portugal vende mais ou menos máquinas ao Brasil, por exemplo? Na maior parte dos casos, de facto, o sucesso mede-se pelas relações políticas e económicas promovidas ativamente pelos governos - como no caso dos EUA, da China ou da Índia. Na minha opinião, o Brasil foge a essa regra.
As relações entre brasileiros e portugueses configuram um raro caso de "política" da sociedade civil independente da política do Estado. É a "política" em modo automático, que se estrutura pelas relações diretas entre as sociedades civis, cidadãos e empresas, qualquer que sejam as prioridades momentâneas dos Estados. A "política" que decorre da língua comum, do futebol, das telenovelas, da música e cultura, dos intercâmbios de professores, investigadores e estudantes e, fenómeno crescente, das comunidades brasileiras que escolhem cada vez mais Portugal para viver, e das portuguesas que vivem no Brasil. Isto decorre da História partilhada, que tantas vezes coincidiu, mesmo quando não se deu por isso. Ao nível do já citado investimento empresarial e das relações externas comerciais continua a haver muito que fazer. Isso não obsta a que a relação entre as sociedades civis portuguesa e brasileira esteja cada vez mais forte.
O Fórum de Integração Brasil-Europa (FIBE), associação cultural criada em outubro de 2021, é produto desse crescimento. Em Portugal, a comunidade brasileira agiganta-se e já não é só feita de trabalhadores que vêm procurar melhor vida. É feita de figuras das artes e cultura, do ensino e investigação, do setor financeiro ou, simplesmente, reformados, que escolhem Portugal por aquilo que oferece em hospitalidade, conforto e segurança, mas também porque é uma boa ponte para a Europa. Muitos deles - e muitos no Brasil e na Europa - pensam que é necessário fazer mais para projetar a pujante sociedade civil brasileira no continente europeu.
É uma coincidência que o FIBE esteja a ganhar velocidade de cruzeiro, já com algumas grandes realizações a seu crédito, justamente no ano em que se comemoram os 200 Anos da Independência do Brasil. Trata-se, porém, de uma coincidência feliz, porque nenhuma outra temática poderia casar-se melhor com aquilo que o FIBE representa. Como todos os eventos históricos de rutura e transformação, uma independência gera sentimentos e interpretações contraditórias. A do Brasil não escapa a esse destino. Todavia, há uma coisa que é diferente nela: a circunstância de ser assinalada e tranquilamente celebrada por ex-colonizador e colonizado, em alguns casos em eventos conjuntos de grande relevo político e institucional. Brasileiros e portugueses partilham o orgulho por aquilo que o Brasil foi, é e será.
CitaçãocitacaoAs relações entre brasileiros e portugueses configuram um raro caso de "política" da sociedade civil independente da do Estado. É a "política" em modo automático, que se estrutura pelas relações diretas entre as sociedades civis, cidadãos e empresas, , qualquer que sejam as prioridades momentâneas dos Estadosesquerda
O lema do programa que o FIBE promove de 4 a 9 de setembro, em Lisboa, Porto, Coimbra e Cascais, Independência com Integração, expressa justamente isso: olha-se para o trajeto, faz-se o balanço do que existe e projeta-se o futuro. No caso do Brasil, o passado teve altos e baixos, sob vários pontos de vista; o presente encerra desafios cruciais - como o da preservação da Amazónia onde, soubemo-lo nos últimos dias, a área ardida este ano é a maior dos últimos doze; mas o futuro será inevitavelmente brilhante.
Há algo incontornável: o Brasil é a principal potência do hemisfério sul, tem recursos incomensuráveis, está na vanguarda tecnológica em muitos setores e perfilha inegavelmente os valores de promoção do desenvolvimento da pessoa humana e da liberdade que são o melhor caminho para uma sociedade feliz e de progresso, como está inscrito na sua bandeira.
O FIBE cumprirá o seu papel modesto: criar pretextos para que setores da sociedade civil brasileira, em Portugal, no Brasil ou noutros locais, projetem a imagem do país positivo e otimista que é. Independente, mas integrado num teatro global.
Presidente do Fórum de Integração Brasil-Europa