Instituições forçadas a escolher entre resistir ao dinheiro chinês ou acatar censura de Pequim
Na semana passada, a editora Cambridge University Press (CUP) cumpriu com um pedido da Administração Estatal da Rádio, Cinema e Televisão da China e bloqueou 300 artigos da versão eletrónica da publicação The China Quarterly no país.
Os artigos censurados abordam assuntos sensíveis para o regime chinês, como o massacre na praça Tiananmen, em 1989, a Revolução Cultural (1966-76) e a questão do Tibete.
Para justificar a decisão, a CUP citou o receio partilhado por muitas empresas: ver o seu acesso ao vasto mercado chinês ser fechado, a menos que cumprisse com as exigências do regime.
Não seria uma novidade. O motor de busca Google, por exemplo, está bloqueado na China desde 2010, quando acusou Pequim de espiar o correio eletrónico no Gmail de dissidentes e rejeitou compactuar com a censura do regime.
Um dos casos mais badalados dos últimos anos envolvendo a censura chinesa além-fronteiras ocorreu em Portugal, durante uma conferência que reuniu centenas de sinólogos na Universidade do Minho.
Páginas do programa contendo informação sobre a Fundação Chiang Ching-kuo, uma organização académica de Taiwan que promove o estudo do chinês, foram arrancadas, a mando da diretora-geral do Instituto Confúcio, organismo patrocinado por Pequim para assegurar o ensino da língua chinesa.
Taiwan, a ilha onde se refugiou o antigo governo chinês depois de o Partido Comunista (PCC) tomar o poder no continente, em 1949, assume-se como República da China, mas Pequim considera-a uma província chinesa e ameaça usar a força caso declare independência.
O episódio passou-se em Braga, mas as autoridades chinesas justificaram a sua atitude com a necessidade de cumprir com as "regulações chinesas".
O ato foi publicamente condenado pela Associação Europeia de Estudos Chineses, como uma "interferência totalmente inaceitável". O Wall Street Journal descreveu-o como "violência contra a liberdade académica".
No caso que envolveu o China Quarterly, a publicação voltou a colocar os artigos 'online' esta semana, face aos protestos de vários académicos.
Mas Jonathan Sullivan, um dos membros do comité executivo da publicação e autor de um dos artigos censurados, afirmou que o incidente deve servir de alerta.
"Temos prestado pouca atenção à forma como devemos lidar com esta nova tentativa [da China] de importar as normas da cultura política chinesa para salas de aulas ocidentais cheias de alunos chineses, ou como manter os valores académicos face a tentativas de censurar o nosso trabalho", escreveu Sullivan.
Na Feira Internacional do Livro de Pequim, cuja edição deste ano decorre esta semana, a autocensura há muito que é prática corrente.
Citado pela agência France-Presse, o diretor da Mosaic8, uma editora de livros para ensino, lembra que cabe ao Governo autorizar a venda dos livros na China.
"Por isso, é do interesse das editoras não publicar nada que irrite as autoridades", afirmou Lowe.
Em editorial, um jornal do PCC colocou a questão da seguinte forma: "Se as instituições ocidentais pensam que o mercado da Internet chinesa é tão importante que não o podem perder, têm de respeitar a lei chinesa e adaptar-se aos costumes locais".
No caso da CUP, "não é verdade que 'qualquer pessoa pode ter a sua opinião', lembrou o Global Times, jornal de língua inglesa do grupo do Diário do Povo, o órgão central do PCC. "Trata-se de um jogo de poder. Só o tempo dirá quem está certo", acrescentou.