Inseminação artificial: "Não há um momento certo, há vontade"
Ana vem a correr lá de dentro em direção ao sofá da sala. Segreda ao ouvido da mãe. "Não podes beber leite com chocolate agora. Estamos quase na hora de jantar", diz-lhe Cristina Nunes. Regressa ao quarto pouco convencida, para voltar em menos de dois minutos. Um riso, daqueles de ar quase de gozo, e um abraço apertado na mãe. São muito cúmplices? "Não sei se é cumplicidade, se é o matching perfeito. Eu gosto de dar mimos e ela de ser mimada. Há lá coisa melhor na vida?"
Para Cristina, 38 anos, ser mãe era projeto pessoal que nunca se dispôs a desistir. Aos 12 anos já sabia o nome que queria dar aos filhos: Ana e João. A menina já está. Tem quatro anos e meio. A paixão entre as duas é visível. Cristina diz que não há um tempo certo para ser mãe. Ou há vontade ou não. E ela tinha. Nada lhe importou que a lei do seu país não quisesse saber da sua vontade. Por não ter uma relação heterossexual e problemas de fertilidade, Cristina não tem direito a recorrer às técnicas de procriação medicamente assistidas (PMA). Espanha deu o que Portugal nega. Cristina escolheu uma clínica em Vigo. O processo incluiu ecografias, consultas de avaliação, inseminação e três consultas de seguimento. Só o tratamento e a inseminação artificial de sémen de dador foram 1550 euros.
"Fui muito bem atendida lá. Não tive o preconceito que se calhar aqui teria, pelo facto de ser solteira, homossexual e de dar estar a fazer tudo sozinha. Lá parece fazer parte do quotidiano." A mãe de Cristina foi a parte mais difícil. "O meu pai perguntou-me se eu sabia se era rapaz ou rapariga e a minha mãe como é que tinha sido capaz. Só conheceu a neta quando Ana já tinha quatro meses. Depois, entre as duas, "foi amor à primeira vista".
Quem tem direito a dizer não?
A proposta de alteração da lei para que todas as mulheres tenham acesso às técnicas de PMA já leva mais de três anos. Para a frente e para trás no Parlamento. Talvez seja agora. Está outra vez a ser discutida na Comissão de Saúde, num grupo criado para o efeito que desde o início do ano fez dez audições. A expectativa é grande. Um governo de esquerda e quatro projetos-lei com esta alteração.
"Não há razão cientifica, moral ou qualquer outra para esta situação. Tenho pena das mulheres que não podem ir ao estrangeiro. É incrível que 230 pessoas achem que têm o direito de negar a maternidade seja a quem for. É uma maldade como alguém pode negar esta alegria a outra pessoa que possa e queira ser mãe", afirma Cristina.
Ana ainda não fez perguntas. Talvez já não falte muito. "Estou à espera que me pergunte que é o pai. Vou tentar explicar que não tem um pai, que a mãe queria um bebé e que foi ao médico que pôs uma semente na barriga e ela nasceu." Teve todas as dúvidas que as mães têm, os medos, certezas. "Será que fiz a coisa certa? Ao olhar para ela vê-la tão em paz e feliz, tenho a certeza que sim", diz.
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