Insegurança

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Os exercícios da Coreia do Norte, assim como a persistência do Irão no sentido de levar até ao fim o programa nuclear nacional, acentuam os sinais, entre muitos outros, de que continuamos a defrontar-nos com obstáculos até hoje intransponíveis. Entre eles, a impossibilidade de tornar efectiva a proibição da guerra; outro, a impossibilidade de eliminar o comércio das armas, cujos fornecedores se encontram nos países mais desenvolvidos.

A fragilidade da paz, já assim ameaçada por uma polemologia de previsão insegura, vê-se agravada pela urgência de insistir na meditação das lições com que a domesticação da energia atómica logo nos advertiu, usando a demonstração de Hiroxima com a morte de duzentas mil pessoas com uma única bomba. A evidência de que o nosso planeta pode desaparecer andava anunciada em textos bíblicos, mas saber que, entre os habitantes do planeta, um deles poderia assumir o poder de o destruir, sacrificando todas as formas de vida, não foi previsão que despertasse grande meditação, pelo menos até que em 1939 Einstein escreveu a sua famosa carta de advertência, dirigida a Franklin Roosevelt. Estava alarmado pelas informações, a que tivera acesso, sobre os progressos da técnica alemã no sentido de dividir o átomo de urânio. A advertência inspirou talvez o início de um programa destinado a obter a supremacia que levou os EUA e seus aliados a proclamarem ter ganho a guerra, mas também a instalar definitivamente a insegurança que orienta para admitir que o feito conseguido foi apenas o de não a terem perdido. A proliferação das armas de destruição maciça, não apenas as atómicas, também as biológicas e químicas, tornou-se no aviso mais crítico do risco instalado. A situação é definida com simplicidade pelo anúncio de que os arsenais do mundo guardam armas suficientes para aniquilarem todos os seres vivos, resultado que em teoria poderia ser repetido dez vezes. Não é apenas teoria a probabilidade de que a guerra nuclear poderá ser desencadeada, e que essas armas podem ser acessíveis aos poderes atípicos que, designadamente, exercem o terrorismo global. Esta evidência levou a uma política persistente no sentido de garantir um monopólio restrito dessas armas consideradas absolutas, invocando a necessidade de estarem apenas nas mãos dos governos de idoneidade reciprocamente reconhecida. Esta exigência supunha fiável uma partilha da confiança entre governos que ao mesmo tempo não controlavam o complexo militar-industrial, nem o comércio legal ou clandestino dos saberes e das técnicas de produção, nem as traições bivalentes, nem a corrupção dos quadros. A teimosa programação do acesso a tais armas, por soberanias nascidas naquilo que os ocidentais chamaram o resto do mundo, suscitou, até agora, ineficaz intervenção no sentido de garantir a ambicionada e mal limitada posse restrita, incluindo a legitimação da guerra preventiva. São muitas as contradições que podem ser apontadas a tal política, designadamente a de querer proclamar as independências restringindo o acesso a todos os atributos da soberania, em que esses novos Estados incluem o direito igual de fazer a guerra, frequentemente sem igual veneração pela paz. Esta circunstância, largamente condicionante de uma política em grande parte animada de retaliação pelo passado de submissão aos ocidentais, tem-se mostrado resistente às políticas de restrição. Por seu lado, a falta de êxito dessas políticas restringe a adesão a políticas de desarmamento controlado dos que primeiro chegaram à posse desse poder, que nem sequer tiveram discernimento e capacidade de o preservar, e agora participam realmente na ameaça global a que estão submetidos todos os países da terra, os que se consideram confiáveis, os que lutam pela igualdade, os que são apenas vítimas inevitáveis de qualquer subida aos extremos. Todos vivem na insegurança sabendo que esta apenas seria eliminada pelo desarmamento total, sem excepção, uma política que a global falta de confiança não torna previsível. O paradigma da conjuntura é o de viver perigosamente.

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