Inquérito/Energia: Miguel Barreto diz que foi "mero figurante no filme" da extensão do domínio hídrico

O antigo diretor-geral de Energia Miguel Barreto disse que a sua intervenção foi "de mero figurante no filme" da extensão das concessões das barragens à EDP, explicando que interveio devido a um "erro técnico" da REN nos cálculos.
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Miguel Barreto esteve na quarta-feira a ser ouvido na comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas na energia durante cerca de cinco horas, tendo sido questionado por diversas vezes sobre o seu papel na extensão dos contratos de 27 barragens à EDP, decididos em 2007, quando Manuel Pinho era ministro da Economia.

"Eu não fui um ator deste filme, eu participei como figurante numa parte do filme", resumiu o entãi diretor-geral de Energia.

Na semana passada, na mesma comissão de inquérito, o antigo administrador da REN Vítor Batista revelou que "havia bastante pressa do Governo" nos cálculos do valor a pagar pela EDP na extensão das concessões das barragens, que ficou abaixo do apurado pela gestora da rede elétrica, tendo então envolvido o nome de Miguel Barreto neste processo.

"A minha participação nesse processo terminou na segunda semana de janeiro [de 2007] quando entreguei uma tabela que me foi enviada pela REN que comparava os vários cenários para decisão do Governo. Essa tabela foi-me solicitada a sua preparação, portanto não foi por iniciativa da Direção-Geral de Energia e Geologia [DGEG]", explicou.

Miguel Barreto clarificou que a participação da DGEG "se deveu a um problema prévio à discussão entre a REN e a EDP se o valor residual devia ou não ser atualizado a 4%".

"A minha participação deve-se a um, a meu ver, erro técnico do ponto de vista da REN que decidiu descontar 'cash flows' [fluxos de caixa] futuros não a uma taxa de juro, mas a duas taxas de juro ao mesmo tempo", relatou.

O antigo diretor-geral recordou que teve "várias discussões com a REN" e que "nos primeiros elementos" voltou a ser enviada "a nota com a mesma abordagem errada tecnicamente".

"E só finalmente em janeiro, depois de insistir, é que 30 dias depois do meu pedido original, que apenas bastava trocar uma taxa de juro numa folha de cálculo, é que me foi enviado", lamentou.

A pressa, continuou Miguel Barreto, "era enorme porque os consumidores portugueses iam levar com um aumento de [tarifa] de 15,7%" e, por isso, "não era possível ficar à espera que a REN acabasse as suas celebrações de Natal".

"Não compreendo como é que se pode dizer que eu tinha pressa. Só lamento que tenha tido que insistir tantas vezes", relatou.

No final da segunda semana de janeiro de 2007, lembrou Miguel Barreto, "a REN finalmente enviou as folhas corretas".

"As folhas comparavam a posição da EDP e da REN de forma correta, para várias taxas de desconto. Eu enviei essa tabela ao doutor Rui Cartaxo e, a partir daí, nada mais tive a ver com este processo. Não vi avaliações bancárias, não participei em qualquer decisão, não tomei qualquer posição", assegurou.

O Governo acabou por optar pelas avaliações do Caixa BI e do Crédit Suisse à extensão da concessão das barragens à EDP, no valor de 704 milhões de euros, acima do valor proposto pela elétrica, mas menos de metade do apurado pela REN.

Sobre o erro técnico da REN, o antigo diretor-geral de Energia detalhou que um fluxo de caixa tem "normalmente associado um determinado risco, que representa o seu custo de oportunidade".

"Esse risco reflete a taxa de juro a que esse 'cash flow' deve ser descontado", defendeu.

Miguel Barreto garante que "não é prática, de forma alguma, comum na área financeira que o mesmo 'cash flow', o mesmo acontecimento, o mesmo quilowatt/hora, o mesmo eletrão possa ter dois riscos diferentes".

"É como se fosse bipolar. É como se esse eletrão um dia fosse muito arriscado e no outro dia não tivesse risco nenhum", comparou.

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