Iniciativa Liberal leva a votos fim do dia de reflexão antes das eleições

IL entregou um projeto que acaba com o sábado de reflexão anterior a qualquer ato eleitoral. Adiamento das eleições autárquicas por 60 dias, proposto pelo PSD, foi chumbado.
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"Uma figura "completamente obsoleta". É assim que a Iniciativa Liberal qualifica o chamado dia de reflexão, que o partido quer ver eliminado do quadro jurídico português. É o que propõe um projeto de lei entregue por João Cotrim Figueiredo no parlamento, um documento que defende também a possibilidade de as eleições se poderem desdobrar por dois dias.

Em defesa da extinção do dia de reflexão - que impede referências públicas à campanha eleitoral e atividade partidária no dia anterior às eleições - a IL argumenta que vários países não têm esta figura legal, casos de Bélgica, República Checa, Áustria e Holanda, onde este é só "mais um dia de campanha". "Para além do paternalismo estatal que fundamenta este conceito, e de não haver evidência científica de que contribui de facto para uma escolha mais refletida e racional", também a estabilidade do sistema democrático, as novas tecnologias e as redes sociais, e agora até o voto em mobilidade, "tornam esta figura legal do dia de reflexão completamente obsoleta", escreve a IL. O partido liderado por João Cotrim Figueiredo recorre também à posição já expressa pelo constitucionalista Jorge Miranda, que já defendeu que "o mais simples era acabar com o dia de reflexão".

Já quanto à possibilidade de o voto se estender por dois dias, o partido sustenta que esta alteração se justifica "não só pelo contexto pandémico, mas sobretudo como forma de promover a participação eleitoral". "É sensato deixar inscrito na legislação a possibilidade de a eleição decorrer num só dia ou em dois dias consecutivos, recaindo sempre um dos dias de eleição a um domingo ou feriado, permitindo assim uma maior liberdade de escolha aos decisores políticos para que possam adaptar o processo eleitoral às circunstâncias específicas da eleição", refere o projeto.

A proposta da IL foi entregue no mesmo dia em que o Parlamento debateu e votou a proposta, apresentada pelo PSD, de adiar por 60 dias as próximas eleições autárquicas. O projeto ficou pelo caminho, com a rejeição quase unânime dos restantes partidos. Só o CDS, parceiro de coligação dos sociais-democratas em muitas autarquias, se absteve, e não sem acompanhar aquele que foi o principal argumento de todas as bancadas parlamentares para a rejeição da proposta. "Não dispondo nós de uma bola de cristal epidemiológica", sublinhou Telmo Correia, líder parlamentar dos centristas, nada garante que "a situação em dezembro será melhor que em outubro". O histórico de 2020 até diz o contrário, alertaram vários deputados. Pelo caminho, o Bloco de Esquerda acusou o PSD de ter como "verdadeiro objetivo" o de fazer coincidir as eleições autárquicas com o calendário de aprovação do Orçamento do Estado.

Já os sociais-democratas defenderam que as eleições têm de ser planeadas agora, e não em vésperas do ato eleitoral, defendendo que o adiamento se justifica face à previsão de que, com a vacinação, Portugal atingirá a imunidade de grupo no final do verão. Outro argumento contrariado pelos restantes partidos, que alegaram a imprevisibilidade dessa meta. O que levou o deputado e secretário-geral do PSD, José Silvano, a concluir: "Somos os únicos que acreditamos nas palavras do primeiro-ministro de que no final do verão há imunidade de grupo."

DestaquedestaquePSD ficou sozinho a defender o adiamento das eleições autárquicas, com os restantes partidos a argumentarem que nada garante que a situação da pandemia esteja melhor em dezembro do que em finais do mês de setembro.

Pelo caminho ficaram também as propostas do PAN, apesar de uma delas ter recolhido o apoio de várias bancadas - e constar agora do projeto apresentado pela IL. Além da Iniciativa Liberal, também Chega, CDS e Bloco de Esquerda mostraram abertura à realização das eleições em dois dias de um mesmo fim de semana, uma ideia que mereceu reservas ao PCP e nenhum comentário do PS. Pelos comunistas, o deputado António Filipe lembrou que os boletins teriam de ficar guardados de um dia para o outro, o que poderia obrigar à mobilização de 25 mil efetivos das forças de segurança para guardar as cerca de 12 mil assembleias de voto. Este é, portanto, um cenário "irrealista", concluiu. E se o PS nada disse ontem sobre esta questão, o primeiro-ministro já recusou a ideia de as eleições poderem ser desdobradas em mais que um dia. Uma afirmação feita por António Costa numa reunião da Comissão Nacional do PS, já depois de o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, ter sugerido a realização das eleições em dois fins de semana - uma contradição que foi ontem largamente evocada durante o debate parlamentar.

A proposta do PAN previa ainda dois outros cenários que também não mereceram acolhimento: o alargamento do voto em mobilidade e a repetição da recolha de voto ao domicílio, feita nas presidenciais, mas desta vez alargada aos eleitores inseridos em grupos de risco e com deficiência ou incapacidade. Soluções que trariam "mais problemas do que aqueles que pretende resolver", apontou a socialista Isabel Oneto. António Filipe, do PCP, também recusou este cenário, com um exemplo mais prático: "Pessoas com mais de 70 anos, estamos a falar de 1,7 milhões de cidadãos. Passa pela cabeça de alguém que seja possível ir recolher o voto a casa de 1,7 milhões de cidadãos?" Também um projeto de resolução do Chega que defendia a atualização dos cadernos eleitorais foi rejeitado, com o argumento de que o recenseamento já é atualizado com o cartão do cidadão.

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