Uma força inglesa composta por 3 000 homens e que transporta 20 000 toneladas de equipamento, apresenta-se na baía de Angra do Heroísmo, ilha Terceira, Açores, na madrugada de oito de outubro de 1943 - há oitenta anos -, seguindo-se o desembarque pacífico poucas horas depois, após tratados os formalismos com as autoridades locais e contando-se ainda um tempo de espera para permitir que o mar, então revolto, acalmasse. O desembarque resultava de um pedido inglês apresentado a Portugal a 18 de junho desse ano, ao abrigo da velha aliança do século XIV (1373) e aceite pouco dias depois por Salazar. As forças inglesas permaneceram nos arredores de Angra do Heroísmo antes de estarem criadas as condições para, pouco tempo depois, se instalaram no campo das Lajes (Base das Lajes), onde permaneceram até ao fim da II Guerra Mundial (a presença prolonga-se até 1946)..As razões da instalação inglesa na ilha Terceira vão sendo questionadas à medida que a investigação académica recolhe novos documentos e estabelece as interpretações possíveis. No atual estado do conhecimento, parece ser possível interpretar que os ingleses são empurrados para os Açores pela vontade dos norte-americanos de acederem a bases nas ilhas e por informações de má qualidade transmitidas na conferência aliada de Trident (maio de 1943), que estão atrasadas em relação ao decorrer da Batalha do Atlântico. Por altura da conferência, a derrota dos submarinos da Alemanha no Atlântico era já evidente, só que essa informação, por alguma razão ainda por perceber, não tinha chegado aos altos comandos. Com as informações disponíveis, ficou decidido que a ocupação dos Açores era determinante para a Batalha do Atlântico e que as ilhas ficariam à disposição das Nações Unidos, ou seja, na prática, à disposição tanto de ingleses como de norte-americanos..A vontade norte-americana de ocupar posições dos Açores, a bem ou à força, pode ser sinalizada, no âmbito da II Guerra Mundial, desde maio de 1941, quando a Inglaterra está a perder a Batalha do Atlântico. É preparada pelos EUA a Operação Gray para tomar as ilhas de assalto se fosse necessário. Porém, os EUA percebem pouco dias antes da data marcada para a operação que é urgente proteger bases no Brasil e nas Caraíbas. Essa necessidade e compromissos com a Inglaterra para colocar forças em outras zonas tornaram os Açores numa prioridade de segundo plano. Entretanto, os serviços secretos norte-americanos terão percebido com antecedência que a Alemanha se viraria para a URSS e não para ocidente (Operação Barbarossa, Junho de 1941), o que voltou a aliviar a pressão sobre os Açores, que regressam ao topo das prioridades norte-americanas com a consolidação das posições no norte de África e as necessidades de reabastecimento que se colocam. De igual modo, a projeção de poder dos EUA também para a Europa exige a presença nos Açores para evitar custos no transporte, com rotas longas, que começam a ser considerados insuportáveis. É neste contexto, com forte pressão norte- americana - e novas de ameaças de uma invasão, possivelmente apenas através da demonstração de força, ou seja, sem necessidade de combate -, que a Inglaterra se compromete a abrir as portas dos Açores para as Nações Unidas negociando com Salazar ao abrigo do entendimento ancestral entre os dois países. Após forte pressão dos Negócios Estrangeiros ingleses, porém, Churchill não consegue cumprir a promessa de ocupação conjunta dos Açores, propondo a Lisboa ocupação de bases apenas pelos ingleses. Os EUA sentem-se traídos, avançam de imediato para as Lajes - ameaçando mesmo e mais uma vez, com o uso da força - e negoceiam Santa Maria, o que significa que as portas dos Açores são agora abertas por iniciativa direta dos EUA..A outra razão para a Inglaterra se instalar nos Açores, a Batalha do Atlântico, já não tinha justificação em maio de 1943, quando decorria o encontro Trident. Nesse mês de maio ocorre um autêntico massacre de submarinos da Alemanha no Atlântico. Os nazis perdem o equivalente a um quarto da frota e perdem drasticamente eficácia no ataque aos comboios de navios. Novas cargas submarinas, novos radares, a descodificação das cifras de comunicação alemãs e sobretudo uma quantidade significativa de porta-aviões norte-americanos altamente eficazes, são as armas que levam à derrota dos submarinos. Em setembro de 1943 boa parte da frota de submarinos da Alemanha estava destruída e os submergíveis que restavam retiram da zona dos Açores e do Atlântico central. Assim, quando os ingleses chegam à ilha Terceira a Batalha do Atlântico está ganha, restando submarinos residuais na zona, que está controlada por meios navais e sem necessidade de apoios em terra..Tudo leva, portanto, a concluir que os ingleses são utilizados pelos norte-americanos com instrumento para abrir as portas dos Açores a bases dos EUA, não só a pensar nos esforços de guerra - sobretudo projeção de poder por rotas eficazes, sem os custos acrescidos de outras rota mais longas -, mas também tendo em atenção o mundo pós-II Guerra Mundial, que já era antevisto pelo pensamento estratégicos dos EUA ainda antes de os EUA entrarem na guerra e sobretudo no decurso do conflito, apontando para uma rivalidade ideológica com a URSS-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas que poderia levar à guerra, não "fria", mas "quente", sendo que a análise é particularmente clarividente por parte da US Navy. Sentindo-se traídos pelos ingleses, que não terão cumprido a decisão da conferência de Trident de propôr a Portugal a instalação conjunta nos Açores, os norte-americanos - que se sabe terem chegado à Terceira com os ingleses, embora não identificados como norte-americanos - acabaram por se instalar nas Lajes sem qualquer autorização portuguesa, que só veio no final de 1943, já com os aviões norte-americanos em operação através de um acordo Inglaterra-EUA sem conhecimento aparente de Lisboa, e avançaram para negociações diretas com Portugal para a criação da Base de Santa Maria (1944-1946). Com o final da II Guerra Mundial os ingleses regressaram a casa e os norte-americanos permaneceram na Base das Lajes até hoje, abandonando Santa Maria. Os ingleses foram, assim, poder-se-á concluir, apenas um pretexto para abrir as portas dos Açores à nova potência dominante, os EUA. Também se concluirá com razoável certeza que sem os ingleses os Açores seriam tomados de assalto pelos EUA, possivelmente apenas através de uma demonstração de força dissuasora, não sendo necessário abrir fogo, como previa o presidente.Roosevelt. A outra opção seria Portugal ceder aos interesses norte-americanos com a Inglaterra fora de jogo, percebendo a diplomacia de Lisboa que não teria outra opção, embora não podendo amaciar a sua posição perante o Eixo invocando que ceder posições a Inglaterra no âmbito da velha aliança seria manter a neutralidade, embora num modelo colaborante.Jornalista da RTP-Açores. Doutorado em História, Defesa e Relações Internacionais