Inflação traz risco de nova escalada nos preços das casas

Não há sinais de que o custo da habitação em Portugal vá abrandar nos próximos tempos. Entre 2014 e 2019 preços subiram 6%, revela estudo promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.
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A taxa de inflação em Portugal atingiu 5,3% em março, um valor que já não fazia parte da memória dos portugueses há quase três décadas. Esta escalada irá repercutir-se a médio prazo nos preços das casas que desde a saída da troika do país não param de subir. Só no ano passado, a habitação encareceu 9,4%. No setor da construção, a sombra da inflação tem-se sentido particularmente na energia e nas matérias-primas, a que acrescem as dificuldades na contratação de mão-de-obra. Este contexto, que se agudizou com a guerra na Ucrânia, traduz-se "no aumento acentuado dos preços de construção", levando a que a indústria "possa abrandar" a atividade, "diminuindo a oferta a médio prazo e contribuindo para uma nova subida dos preços do parque habitacional existente", diz o economista Pedro Brinca.

A subida da inflação traz outros riscos ao mercado imobiliário e à economia portuguesa. O aumento generalizado do custo de vida deverá ser acompanhado pela subida dos custos do crédito à habitação. E neste capítulo as famílias portuguesas estão muito mais expostas a crises inflacionistas. O património dos portugueses está muito assente na casa própria. Em 2017, o peso da habitação no total da riqueza das famílias era de 80,8%. O estudo "O Mercado Imobiliário de Portugal", promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, aponta que a habitação "é um ativo com grandes custos de transação e com pouca liquidez", o que significa que os proprietários "estão mais vulneráveis a choques" por terem bens difíceis de usar "para evitar quedas acentuadas de bem-estar".

Como adianta Pedro Brinca, um dos autores do estudo, cuja coordenação esteve a cargo do economista Paulo M.M. Rodrigues, estima-se que em Portugal o número de famílias "com níveis substanciais de ativos, mas que são todos dificilmente mobilizáveis no curto prazo, é cerca do dobro do da zona euro". Ora, "isto significa que existe uma volatilidade muito maior da economia", já que há uma menor capacidade de recorrer a esses bens para amortecer crises, provocando uma quebra de bem-estar e um abrandamento da economia. Por arrasto, verifica-se uma forte oscilação dos preços do imobiliário em Portugal.

Preços das casas sobem após saída da troika

Como observa o estudo, a evolução do custo da habitação no país tem-se apresentado muito diferenciada. Na última crise económico-financeira (2008-13), verificou-se uma diminuição de 4%, mas logo que se iniciou o ciclo da recuperação arrancou uma trajetória ascendente. Entre 2014 e 2019, os preços das casas aceleraram mais de 6%. A principal causa para este fenómeno prendeu-se com o aumento do rendimento disponível per capita, a que se acrescenta a disponibilidade de crédito para financiar a compra de habitação, a redução do desemprego e ainda as taxas de juro aplicadas aos investidores imobiliários. Contudo, a estes fatores deverá ainda somar-se o crescente investimento para fins turísticos e o fluxo de capital estrangeiro que nos últimos anos foi aplicado no imobiliário português.

Em síntese, o aumento do rendimento disponível e um menor desemprego contribuíram para a recuperação do mercado imobiliário, após o período da troika, conclui o estudo da FFMS. Mas agora, com a mudança de política do BCE - esperam-se subidas nas taxas de juro -, o valor dos empréstimos das hipotecas deverá aumentar, pressionando as famílias já a braços com a inflação. O relatório lembra que neste contexto as aplicações em depósitos ficam "mais atrativas, o que poderá contribuir para uma menor procura e redução dos preços da habitação".

Efeitos do AL

O estudo, que faz um retrato do mercado imobiliário até ao início de 2020 nas vertentes da habitação, alojamento local (AL) e arrendamento, avança que o número de imóveis registados para efeitos turísticos de curta estadia aumentou de 12 mil em 2013 para mais de 94 mil em 2019, com Lisboa a concentrar mais de 20% desta oferta. Este boom, que acompanhou o elevado crescimento do turismo no país, teve efeitos imediatos no preço dos imóveis. "Entre 2016 e 2019, o preço médio de venda por metro quadrado, em Lisboa e Porto, aumentou 68,2% e 61,9%, respetivamente", avança o documento.

O anúncio da política de contenção de novos registos de AL em Lisboa também não tardou a manifestar consequências. Uma das quais foi logo um aumento de 30,9% de inscrições nas zonas que iriam ser afetadas quando comparadas com as adjacentes. Esta corrida foi essencialmente impulsionada pelos proprietários nacionais, "o que é consistente com a ideia de que estes terão um acesso mais facilitado a notícias sobre as mudanças de legislação", aponta o relatório.

Já o outro resultado impacta negativamente no mercado imobiliário: verificou-se uma redução de cerca de 20% no número de transações de casas nessas áreas e, ao mesmo tempo, os preços diminuíram 9%. Em conclusão, "a proibição de novos registos não é suficiente para reverter o aumento de preços dos anos do boom turístico".

jornalista do Dinheiro Vivo

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