Indústrias preparadas para ano recorde nas exportações, mas 2023 é motivo de preocupação

Metalurgia, têxteis e calçado ajudaram a reforçar o peso das exportações no produto interno bruto nacional, que deverá aumentar para 49% este ano. Setor do metal vai bater a barreira dos 20 mil milhões de vendas ao exterior.
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O governo estima que as exportações nacionais possam valer já 49% da riqueza gerada no país no final deste ano, quando, no início do milénio, não chegavam sequer a 30% da riqueza nacional. Em 2012 valiam já 38,2% e, no ano passado, chegaram já aos 41,6%. A meta do governo é que, em 2030, as vendas ao exterior gerem 53% da riqueza nacional. "A economia portuguesa não é só turismo", assegurou o ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva, recentemente no Parlamento. Mas como contribuíram os setores industriais para este crescimento? De forma diversa, mas com crescimento consistente. Metalurgia, têxteis e vestuário e calçado são apenas alguns dos exemplos de indústrias que deverão bater, em 2022, os seus melhores resultados de sempre, mas que se mostram preocupadas com os efeitos da recessão no próximo ano.

Não é à toa que o setor metalúrgico e metalomecânico se intitula o campeão das exportações. Há dez anos, o Metal Portugal exportou 12 704 milhões de euros, o que representou 30% das exportações totais da indústria. No ano passado, as exportações desta indústria foram já de 19 885 milhões de euros, o maior valor de sempre, que corresponde a 34% da indústria transformadora.

Neste período, não só o setor cresceu 56,5%, como conseguiu reforçar o seu peso no total das exportações nacionais, passando de 28,1% em 2012 para 31,3% em 2021. E se é verdade que o número de trabalhadores só cresceu 18%, no mesmo período, para aproximadamente 236 mil pessoas, há que ter em conta que "o crescimento dos recursos humanos foi acompanhado da digitalização de muitas funções e de substituição de postos de trabalho de menor densidade tecnológica por perfis profissionais de maior valor acrescentado", diz o vice-presidente executivo da Associação dos Industriais Metalomecânicos, Metalúrgicos e Afins de Portugal (AIMMAP). Rafael Campos Pereira destaca ainda a "grande perseverança" das empresas na prospeção de mercados e a "forte aposta" na internacionalização como fatores "determinantes" para o sucesso além fronteiras.

E se a longo prazo as perspetivas são de "aumentar, cada vez mais, as exportações para os mercados mais sofisticados", como a Alemanha, França e Espanha, mas também os EUA, que têm vindo a crescer de forma significativa, assegurando, em simultâneo, a transição digital e energética das empresas, que "estão a investir muito" na descarbonização e no autoconsumo, mas também na indústria 4.0, no curto prazo os industriais estão preocupados.

"Tivemos o melhor primeiro semestre de sempre, de longe, tanto em volume como em margens. Julho e agosto foram positivos, mas antevemos que os números, no último trimestre, possam ser substancialmente inferiores em muitos subsetores", refere este responsável. Os produtos metálicos, como a cutelaria, a loiça metálica e outros artigos para casa, bem como os produtos para a construção são áreas que estão já a sentir quebras de encomendas fruto da retração dos consumidores.
E os aumentos "brutais" dos custos de produção, designadamente energéticos, fazem com que "muitas fundições" - empresas de consumo energético mais intensivo - "estejam a passar algumas dificuldades". Apesar de tudo, e dado que o Metal Portugal registou um crescimento acumulado, nos primeiros oito meses do ano, de 15,8%, mesmo com o esperado abrandamento no último trimestre, é certo que o setor irá fechar o ano a bater a barreira dos 20 mil milhões de euros de vendas ao exterior. A única incógnita é se será muito ou pouco acima desse valor nunca antes alcançado.

Outro setor com grande tradição em Portugal é a fileira têxtil e do vestuário, cujas exportações cresceram 31,2% na última década, passando de 4127 milhões para 5413 milhões de euros. Representam quase 10% das vendas ao exterior da indústria transformadora e 8,5% das exportações totais nacionais. Este ano está a crescer 16,7%, no acumulado de janeiro a agosto, o que permite antecipar novo ano recorde.
Espanha, que é o principal mercado de destino dos têxteis portugueses está a perder peso, "mas tudo o resto cresce", com especial destaque para os EUA, Itália e França, refere o presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, para quem a nova diretiva europeia sobre a etiquetagem dos produtos e que vai obrigar cada artigo a ser acompanhado por um certificado digital com informações sobre a sustentabilidade, ambiental e social, nas várias fases do processo de fabrico, constitui uma "enorme oportunidade", na medida em que "a procura por produtos europeus vai aumentar".

Sendo que, já no imediato, garante Mário Jorge Machado, a procura de fábricas portuguesas por marcas internacionais que pretendem deslocalizar a sua produção da Ásia para a Europa "está em níveis como não se via desde os anos 80". Mário Jorge Machado dá conta de um estudo realizado pelo instituto francês da moda que perguntou a várias marcas europeias se tinham intenção de aumentar a sua produção em proximidade, recebendo resposta positiva da maioria. Mais, quando solicitada a indicação dos países em avaliação, Portugal aparecia sempre no top das preferências. "Nós vimos exatamente o movimento inverso ao longo da primeira década deste século", lembra este responsável.

Mário Jorge Machado acredita que esta procura acrescida pelo made in Portugal é estrutural, e não meramente conjuntural, não só porque a Ásia, enquanto bloco geopolítico, "tem revelado grandes fragilidades", mas também porque na Europa a indústria "deixou de ser vista como um incómodo, e passou a ser encarado como um setor importante para o crescimento".

Também o calçado deverá fechar 2022 a bater o seu melhor ano de sempre nos mercados externos, ultrapassando pela primeira vez a mítica barreira dos dois mil milhões de euros. Há dez anos exportava 1600 milhões. É um setor mais pequeno, vale apenas cerca de 3% das exportações totais nacionais, mas que tem vindo a reforçar a sua presença internacional. Não só "descobriu" novos mercados, aumentando para 172 os países de destino dos sapatos portugueses, como "passou a figurar como o país que apresenta o segundo maior preço médio de exportação entre os principais produtores mundiais de calçado", lembra o diretor de comunicação da APICCAPS. Paulo Gonçalves explica: "Investimos, como nunca, nos mercados extracomunitários, que já representam 19% das exportações, contra 7% há uma década, e queremos ser a grande referência internacional no domínio da sustentabilidade e, por isso, temos em curso o maior investimento de sempre na área, no valor de 140 milhões".

ílidia.pinto@dinheirovivo.pt

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