Indígenas miskitos à procura da independência

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Segundo um pequeno dicionário online da língua dos miskitos, "problema" diz-se "problema". Isto porque este povo indígena que vive na costa atlântica da Nicarágua nunca teve necessidade de expressar esta ideia a não ser quando entrou em contacto com os conquistadores, em finais do século XVIII. Agora, é outra a palavra que repetem até à exaustão: "Independência."

Os miskitos, uma comunidade com cerca de 500 mil membros, exigem a independência de Manágua de forma a poder gerir os seus próprios recursos. "Desde 1894, o Estado da Nicarágua violou os nossos direitos históricos e humanos, impondo-nos o sistema de partido político, violando todos os nossos tratados e negando-nos o direito do controlo dos nossos recursos naturais, a base do nosso poder político, económico e social", referia a carta enviada ao Presidente Daniel Ortega, exigindo a independência.

O novo estado cobriria 45% do território da Nicarágua, sendo que os miskitos são uma das seis minorias étnicas que vivem na região conhecida como "costa dos mosquitos". Segundo reza a história, houve um motim num navio por- tuguês com escravos oriundos da Guiné e estes acabaram por chegar à costa da Nicarágua. Os negros foram aceites pelos miskitos, daí que muitos apresentem traços africanos.

A principal actividade económica deste povo é a pesca da lagosta - e dos eventuais fardos de droga que vão dar à costa, muito utilizada pelos narcotraficantes. Hoje, são os mergulhadores os mais descontentes. Tudo porque ganham metade do que ganhavam há uns anos e enfrentam condições desgastantes a trabalhar para as grandes empresas estrangeiras. A região é uma das mais pobres do país, sendo várias vezes atingida por furacões.

"Nós somos miskitos e não ni- caraguenses, a nossa decisão do restauro do nosso Governo sustenta-se na declaração das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas, que no seu artigo 5 reconhece o nosso direito de conservar e reforçar as nossas próprias instituições", disse à EFE o advogado da comunidade, Oscar Hodgson. Os mis-kitos têm um wihta tara, um rei, seguindo-se na hierarquia o ninka, uma espécie de líder do Governo. Cabe depois aos whita, uma espé-cie de juízes, a aplicação da lei.

A região habitada pelos miskitos (não só a costa da Nicarágua, mas também parte das Honduras) foi um protectorado britânico no início do séc. XIX. Foi também nessa altura que missionários protestantes da Igreja Morávia (que nasceu na actual República Checa) começaram o seu trabalho junto dos indígenas.

Em 1894, na chamada Convenção da Moskitia, esta região das Caraíbas foi anexada à Nicarágua. "Mas nós nunca fizemos parte da Nicarágua, eles impuseram-nos as nossas leis", disse Hodgson, lembrando que o acordo de autonomia negociado em 1987 nunca resultou. Manágua está a 565 km e a viagem de autocarro por zonas de selva quase inacessíveis demora 20 horas. Os miskitos vivem longe da área de influência governamental.

"Estão a invadir o nosso território, nós não queremos a violência, mas decidimos defender os nossos direitos e integridade territorial", acrescentou Hodgson, dizendo que têm actualmente um exército com duas mil pessoas. A declaração de independência surgiu em Abril, mas foi dado ao Governo um prazo até à última segunda-feira para se pronunciar. Não houve resposta e os miskitos entraram em acção.

Um indígena de 78 anos morreu de ataque cardíaco durante a manifestação, em que a polícia usou gás lacrimogéneo, tendo outras duas pessoas ficado feridas. Os indígenas tentavam invadir a Casa do Governo em Puerto Cabezas (Bilwi, na língua local), após terminar o prazo dado a Ortega. Os miskitos voltaram a dizer que querem apenas dialogar, tendo em vista a independência. Afinal, preferem ter painiki, isto é, amigos, do que wehili, inimigos.

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