Índia versus China

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É um facto que a pandemia do Covid 19 tem mostrado claramente as deficiências estruturais de muitos países, tanto do mundo desenvolvido como dos países em desenvolvimento. Ficou bem demonstrado que o país mais rico do mundo, os Estados Unidos da América, não tem um sistema económico e social que defenda as populações numa situação de pandemia que se expanda incontroladamente. A economia, muito eficaz e atraente para alguns, funciona à base de emprego precário, o que significa que quem não trabalha não ganha, e não havendo fundo de desemprego essas pessoas ficam entregues à sua sorte e às investidas da pandemia, pois que, como é sabido, os cuidados médicos são muito caros e cerca de 50 milhões não têm assistência médica nem seguro.

Rapidamente, os Estados Unidos tornaram-se no país com mais pessoas infectadas e o maior número de mortos, actualmente a caminho dos 600 mil. E, com um presidente como Trump, uma desgraça nunca vem só. Teria ele sido reconduzido à presidência e o país estaria neste momento numa situação deplorável, depois da declarada guerra comercial contra a China, que afectou mais as empresas americanas que as chinesas.

No Brasil, actualmente com um governo absolutamente incapaz e incompetente, que tentou copiar o de Trump, as populações sofrem muito mais ainda porque apenas uma reduzida faixa das classes médias e alta tem acesso a cuidados de saúde. E é confrangedor ver aqueles buracos de terra vermelha onde milhares de pessoas são sepultadas todos os dias à boa maneira cristã.

Em Março de 2000, visitei uma boa parte da China, de norte a sul. E em Março de 2018, estive na Índia, passando por Nova Dehli, Jaipur e Agra, no norte, Bombaim, actual Mumbai, e Goa, no centro.

Nas últimas décadas, a China fez progressos imensos em todos os domínios, passando da fábrica do mundo de há 20 anos, para uma sociedade altamente desenvolvida no domínio tecnológico, que rivaliza com os Estados Unidos e os mais desenvolvidos países europeus.

Pela Índia tinha uma atração mais forte, diferente do sentimento estranho de que a China está no fim do mundo. Não tenho laços familiares com a Índia, mas desde sempre me questionarem se era indiano e, mais tarde, se originário de um país do Médio-Oriente, como aconteceu na China. Sabia que ia encontrar muita miséria, pois tinha lido em Amartya Sen que mais de metade dos indianos vivem em zonas rurais, sem acesso a instalações sanitárias, o que acontece também nas grandes cidades. Mas é a isto que chamam no Ocidente "a maior democracia do mundo" e à China, que tirou nos últimos 40 anos perto de um bilião de pessoas da pobreza, uma ditadura. Claro que hoje, se eu fosse à China, não iria gostar dos esplendorosos arranha-céus de Xangai, que foram feitos talvez no intuito de rivalizarem com os da América, o que é um grave erro.

Mas na Índia, o atraso de muitos anos em relação à China é notório, mesmo em relação ao país que conheci em 2000, para não falar no actual, que sigo através dos artigos e das imagens do South China Morning Post, que recebo diariamente.

Estes dois grandes países, como é sabido, produziam mais de metade do PIB mundial, pelo menos até ao desencadear da Revolução Industrial no Ocidente, no princípio do século XIX. Uma aceleração desenvolvimentista, que caracterizou o capitalismo industrial, mas que não se produziu numa grande parte da Ásia, em África, nem na América do Sul, devido ao sistema colonial implantado pelas potências ocidentais naqueles territórios.

Mas na China actual, um sistema misto de revolução industrial e socialismo possibilitou um desenvolvimento enorme em todos os sectores da economia, num curto espaço de tempo.

A Índia, muito mais conservadora, foi submetida a uma exploração colonial intensa pela maior potência da época, a Inglaterra industrial, a partir do final do século XVIII, que soube introduzir-se no sistema político e territorial extremamente dividido, onde imperavam cerca de 600 Marajás num imenso território. Por meio de alianças, divisões e conquistas, soube extrair as matérias-primas e riquezas do país, de que necessitava para o seu projecto industrial, reduzindo-o a uma pobreza extrema de que está ainda longe de recuperar. Depois de avanços recentes em alguns sectores industriais e de tecnologia avançada, nomeadamente no dos medicamentos e da informática, o país continua com um défice muito grande em infraestruturas, num imenso território onde milhares de camiões ocupam as degradadas estradas entre as principais cidades, no transporte de mercadorias e pessoas, ao contrário da China onde o transporte aéreo e ferroviário de alta velocidade se encontra extremamente desenvolvido. E o contraste da resposta à pandemia nos dois países é bem esclarecedor.

Não esqueci mais, num dos últimos congressos em que participei da IPSA, International Political Science Association, em 2014, na cidade de Montréal, Canadá, o desalento de um congressista indiano, num painel em que participavam também alguns chineses, sobre a incapacidade da Índia se desenvolver devido à divisão provocada pelos inúmeros poderes ainda existentes de Marajás, religiões, línguas e crenças diferentes, fomentada pelos ingleses durante os 200 anos em que estiveram no país. Seguindo-se uma congressista chinesa a expor como o sistema chinês funcionava plenamente através de uma democracia popular, em que a maior parte da população participa, e tem o seu apogeu na Assembleia Nacional Popular, que se realiza todos os anos em meados de Março, com a participação de milhares de delegados de todos os pontos do país, coincidindo com a minha passagem por Pequim no ano 2000, acabara Macau de ser integrado na República Popular da China. Assembleia onde se tomam as principais decisões políticas do país, a curto e longo prazo, como foi o caso desta última em que foi aprovado o novo estatuto político de Hong-Kong para estancar o terrorismo desencadeado durante 2019, com a destruição de milhares de edifícios, hotéis, estações de metro, de comboio e aeroportos, numa situação inimaginável no Ocidente, mas que o governo da China deixou o mundo ver como actuava o terrorismo apoiado e financiado pelas potências ocidentais, em que foram encontrados milhares de explosivos em várias universidades, prontos a ser detonados. Que coincidiu com a guerra comercial desencadeada pelo governo de Trump e o aparecimento do Covid 19 no final do ano, que o adjunto de Trump, Mike Pompeu, afirmou ser "um exercício live". A que o Presidente replicou "devia ter-nos avisado".

Investigador em Relações Internacionais, antigo funcionário da Comissão Europeia

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