Índia: perseguição aos portugueses?

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"Índia revoga mais de 70 passaportes indianos de cidadãos portugueses", eis o título de uma notícia que parece indiciar uma perseguição do governo da Índia aos portugueses.

Mas será mesmo assim?

A exemplo de outros países, como o Japão e a China (na Ásia), a Índia não permite a dupla nacionalidade. Quem adquirir outra nacionalidade, seja ela qual for, perde automaticamente a nacionalidade indiana, devendo proceder voluntariamente à devolução do passaporte indiano.

De facto, o artigo 9.º da Constituição da República da Índia estatui:

" As pessoas que voluntariamente adquiriram outra nacionalidade deixam de ser cidadãos da Índia."

Portugal atribuiu a nacionalidade portuguesa aos nascidos no então Estado da Índia, antes de 19/12/1961, data da perda da soberania lusa na sequência da entrada das tropas indianas, "libertação" (para a Índia) ou "invasão" (para Portugal). Para efetivarem esse direito, os goeses (e também os naturais de Damão e Diu) necessitam apenas de inscrever o seu nascimento no registo civil português. O benefício é estendido aos descendentes que, por essa via, são portugueses.

A inscrição no registo civil português traduz um ato de vontade expressa na aquisição da nacionalidade. A obtenção de documentos de identificação, como o cartão de cidadão e o passaporte, são uma consequência e não uma fonte de aquisição da nacionalidade. Aliás, o passaporte é opcional, ninguém é obrigado a ser titular desse documento de viagem.

A maioria dos goeses residentes em Goa que obtém a nacionalidade portuguesa tem apenas um fito: emigrar, buscar uma vida melhor, possibilitada pela entrada na União Europeia.

Ao saírem da Índia, não têm qualquer reserva em proceder à devolução do passaporte indiano, pois este não lhe dará benefícios no novo país. Se pretenderem passar férias na Índia, país de origem, poderão pedir um visto ou a emissão de um documento, denominado OCI (Overseas Citizen of India). António Costa recebeu o OCI das mãos de Modi, Primeiro-Ministro da Índia.

Porém, há os que obtêm a nacionalidade portuguesa apenas para permitir que os filhos consigam inscrever o seu nascimento no registo civil português. Estes sim, vão emigrar, enquanto os pais continuam em Goa, onde têm os seus bens, desenvolvem a sua atividade ou aí trabalham.

Os que ficam em Goa, não têm qualquer interesse em declarar às autoridades indianas que adquiriram a nacionalidade portuguesa e perderam a indiana, já que ficarão com menos direitos cívicos. Por isso, utilizam um subterfúgio: defendem que a aquisição da nacionalidade portuguesa se opera apenas com a obtenção do passaporte portuguesa e que não o possuem (por não terem requerido). Trata-se, obviamente, de uma falácia, pois a nacionalidade obtém-se pelo simples ato de registo na Conservatória.

Um exemplo conhecido foi dado por Isidore Fernandes, conhecido político de Goa, pai do malogrado Jesus Fernandes (que deu o nome ao restaurante "Jesus é goes"). Isidore sofreu um processo de impugnação da sua eleição como MLA (membro do parlamento local), por ser português. Invocou, em sua defesa, que tinha o seu nascimento registado na Conservatória dos Registos Centrais, mas não era português, pois não tinha obtido o passaporte português.

Mas a lei indiana é clara, como vimos. Quem adquire outra nacionalidade, perde a indiana e não pode insurgir-se. Daí que as autoridades indianas se limitem a cumprir a Constituição, quando apreendem o passaporte indiano a pessoas que, para todos os efeitos, se tornaram estrangeiros.

Outra questão, bem distinta, é pugnar pela alteração da Constituição indiana, de modo a que este grande país se junte à grande maioria dos que aceitam a dupla nacionalidade...

Advogado

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