Incêndios: Vagos e Mira regressam à normalidade com "o luto feito"
"Sem o esforço de todos e o apoio das autoridades locais e nacionais não teria sido possível retomar o caminho, depois do terrível golpe que sofremos no dia 15 de outubro [de 2017]", frisa o presidente da Câmara de Mira, Raul Almeida, cujo concelho, no distrito de Coimbra, teve prejuízos, por causa dos incêndios, superiores a 30 milhões de euros.
O incêndio não provocou vítimas mortais, mas deixou desalojadas dezenas de pessoas, consumiu 60 por cento da mancha florestal do concelho e praticamente reduziu a cinzas a zona industrial.
Mais a norte, no concelho vizinho de Vagos (mas já no distrito de Aveiro), a situação foi semelhante. O fogo percorreu todo o concelho, destruiu mais de 50 habitações de primeira residência e de férias, e atingiu uma dezena de empresas. Tal como em Mira, não há a registar vítimas mortais.
Em ambos os concelhos, as populações tiveram de se organizar desde o primeiro minuto. As corporações de Bombeiros dos dois concelhos dispersaram-se no combate a dezenas de focos de incêndios e coube aos habitantes de muitas aldeias o combate às chamas com o recurso a maquinaria agrícola e água dos poços.
Esse espírito de solidariedade perdurou e tem servido de inspiração. Desde os incêndios realizaram-se nos dois concelhos eventos solidários de arrecadação de fundos para os Bombeiros locais. A Igreja Católica tem mantido no terreno voluntários que apoiam psicologicamente os mais afetados pela tragédia, um exemplo seguido pelas autarquias, que criaram equipas de suporte com psicólogos.
A Caritas Diocesana, tal como tem feito noutros concelhos do Centro do país, tem apoiado com recursos a reconstrução de habitações. Em Mira, fez donativos a pequenos agricultores, havendo casos em que financiou a substituição de alfaias agrícolas e tratores.
"Já se fez o luto, agora a aposta passa por retomar a normalidade", avança Silvério Regalado, presidente do município de Vagos.
Nos dois concelhos foram criados gabinetes de apoio aos cidadãos que, numa primeira fase, fizeram o levantamento dos estragos. Numa segunda fase ajudaram a preparar candidaturas aos fundos de apoio disponibilizados pelo Governo, sobretudo na área agrícola. Neste setor, foram já despachados dezenas de processos de indemnizações de prejuízos até cinco mil euros.
Mas é precisamente no setor agrícola que existem, nos dois concelhos, mais queixas. Não só sobre o processo burocrático, mas sobretudo sobre o valor das indemnizações, que são mais baixas do que para a reconstrução de casas ou de empresas.
Silvério Regalado junta-se ao coro de protestos que se tem feito ouvir no Centro, nomeadamente através da Associação de Vítimas do Maior Incêndio de Sempre em Portugal. "Não se percebem as razões que levam a que os empresários do setor agrícola tenham o apoio a fundo perdido limitado a 50 por cento do valor dos estragos que sejam superiores a 50 mil euros, mas inferiores a 400 mil euros, ao contrário do que se passa na indústria", refere, pedindo ao Governo que corrija rapidamente a situação.
É precisamente no setor industrial que os efeitos da recuperação são mais visíveis. Mira, sobretudo, foi muito afetado neste setor, mas a tenacidade dos empresários surpreendeu até o Presidente da República, que durante uma visita às zonas industriais manifestou surpresa e agrado pela recuperação.
Nos dois concelhos, os responsáveis autárquicos concordaram em agilizar os processos de reconstrução e relocalização de algumas empresas, tendo sido feitas alterações pontuais nos respetivos Planos Diretores Municipais. A Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC) "tem sido incansável", segundo os autarcas, na elaboração das candidaturas a fundos de apoio.
O objetivo, frisam, é criar rapidamente condições para manter todos os postos de trabalho nas empresas afetadas pelos incêndios.
Esse objetivo terá sido, até agora, alcançado, mas, como frisa um empresário de Mira que prefere não ser identificado, "todo esse esforço pode ir água abaixo" se houver demoras na entrega dos apoios financeiros e nas indemnizações dos seguros.
"Não podemos ser derrotados pela burocracia", frisa.