Há quem pague couro e cabelo por uma vista de hotel tão salutar. Paisagem altaneira, de mar espraiado de uma assentada por encostas e ribanceiras verdejantes, do maciço de Montejunto até aos confins do horizonte oceânico. Quando inaugurar a ala 5, em Setembro, pagarei uns modestos 47 euros (quarto duplo) para repousar ali, na varanda do quarto 503. Preçário proletário e aprazível como manda hoje e sempre a cartilha do Instituto Nacional de Aproveitamento dos Tempos Livres (INATEL), nascido para exortar a alegria no trabalho. Um dos poucos organismos ditos de interesse público que desde a sua fundação permite experiências (turísticas, culturais, desportivas…) a modestos assalariados de orçamentos medíocres, mas onde não faltam assíduos da alta finança ou da política, como os indefectíveis da Foz do Arelho Narana Coissoró, Mário Soares, Manuel Alegre ou Manuela Ferreira Leite..O primeiro copo irá ao alto em nome do mecenas Francisco Grandela, o industrial que há cem anos teve olho de lince para erguer tão vistoso palácio neste promontório raro. O seguinte bebê-lo-ei em tributo destes senhores de largo sentido cívico que souberam continuar a obra de mão feliz, em particular o seu mais recente líder, o visionário socialista Vítor Ramalho. Recordo as primeiras palavras avisadas do presidente (ler entrevista adiante) de que «a maioria dos portugueses não sabe o que é o INATEL. Desconhecem o seu potencial turístico e cultural que cobre todo o território e o seu importante papel emissor de turistas a preços justos». Imaginam-no (mal) uma colecção de velhas hospedarias e colónias balneares a cheirarem a terebintina e ao mofo dos reposteiros. Não precisaríamos de ir muito longe nas rondas da reportagem para ver quanto tudo isto é errado, cruel e datado..Devo dizer que de todos os velhos que ouvi, todos me deram o bigode nos meneios da língua e na pedalada de mostrar as belezas dos lugares. Verdadeiros cicerones disponíveis e insuspeitos. Foram eles que me asseguraram que muita da clientela do INATEL é «upa, upa… políticos, juízes e assim, até gente das revistas de social», segundo palavras de António Duarte, um assíduo da unidade do Arelho, embora muitos desses ilustres, por pudor ou política de sigilo com o valor do seu achado prefiram silenciar essa afinidade. Ou como me diria o barman Jacinto Ruas, 32 anos, empregado da casa, «melhor do que o INATEL, nem na América»..Os paradigmas da modernidade são os centros de férias da Foz do Arelho e Linhares da Beira, ainda a cheirar à tinta do restauro, juntamente com as novas unidades dos Açores, nas ilhas das Flores e Graciosa. A recuperação do património e a aposta num turismo social «de grande nível» – das unidades balneares às termais – são dois dos mais fortes pilares do consulado de Vítor Ramalho..As obras em curso (Vila Nova de Cerveira, Entre-os-Rios, Manteigas, Oeiras, Albufeira, etc.) representam cerca de 15 milhões de euros de novos investimentos para o médio prazo, cinco destes milhões só para requalificação. Um investimento que não prevê, como se chegou a aventar, a alienação de património, mas sim a aquisição de activos e a aposta, pela primeira vez, em parcerias com entidades privadas..Dotado de um orçamento anual de 75 milhões de euros – uma parte proveniente da Segurança Social e outra do Euromilhões –, a restante verba provém de actividades da própria Fundação, que tem 18 unidades de férias, além de três parques de campismo, duas casas de Turismo Rural e dois balneários termais que representam uma oferta global de 4200 camas, além de um Teatro (da Trindade) e dois Parques Desportivos (1.° de Maio, em Lisboa, e Ramalde, no Porto). «A tendência será a receita do turismo significar mais da receita total e aplicar-se um modelo de gestão compatível com o de uma grande empresa», disse o presidente à NS’..Quando Vítor Ramalho chegou, há um ano, o INATEL era um instituto público com demasiado peso estatal e numa espécie de limbo de grandeza. «As anteriores direcções não se ocuparam da necessidade de requalificar algumas unidades para se responder às preocupações competitivas. Este será o nosso objectivo de fundo. Esse e a missão pioneira do lazer dos trabalhadores, bem como a renovação do turismo social, área onde o INATEL sempre foi forte e a promoção, pela primeira vez, do turismo juvenil (para jovens entre os 8 e os 17 anos, com inscrições abertas através dos pais ou avós, e actividades que vão da escrita de guiões ao contacto directo com treinadores e futebolistas de primeira linha)», decreta Ramalho..Segundo o presidente, a partir de Outubro próximo começará a notar-se o aprofundamento das relações bilaterais com instituições congéneres e sindicatos de grande peso, nomeadamente alemães e nórdicos, bem como de relações privilegiadas com o Brasil e com fundações idênticas nos países africanos. Outra preocupação é a criação de uma direcção de intervenção social para o chamado turismo sénior, actividade que mobiliza cerca de setenta mil pessoas por ano. Ou seja, uma forma de proporcionar viagens de natureza histórica, gastronómica, cultural e com preocupações desportivas. Não espanta, pois, que nas encostas, águas e areais da Foz do Arelho se vejam avós gozosos e fagueiros à mistura com netos livres de enfado e moléstia. Ora a descobrirem no restaurante gourmet os pitéus de Teresina Gonçalves, ora a lerem nos sofás de chintz As Praias de Portugal, de Ramalho Ortigão e saberem das vantagens dos banhos de mar..Outra ideia falsa é de que só tem acesso ao INATEL a grande família dos associados, 250 mil em números redondos – entre um universo de frequentadores da ordem dos três milhões. «Qualquer pessoa pode passar férias nas unidades, embora os 18 euros da anuidade se recuperem ao fim de três dias de estada», assevera Vítor Ramalho. No caso da Foz do Arelho, um quarto duplo poderá ficar a partir de 25 euros (29 para não sócios). O quarto 503, por exemplo, é daqueles exemplares talhados a preceito para gáudio das revistas de viagens, sem serem necessárias manobras de prestidigitação fotográfica..Depois da visita aos novos quartos, inspirados nos confortos e décors da melhor hotelaria mundial, fazemos o tour do renovado salão nobre e das suas preciosidades vintage, algumas relíquias art déco do tempo do magnânimo Grandela. «Disto só vi em grandes hotéis, mas a razão por que venho para cá há anos, desde cachopa, é para fugir do calor», conta Genoveva Palma, 67 anos, professora aposentada e assídua do INATEL. Genoveva faz parte do afamado «grupo de velhotes» que dá nome inglório à Fundação. «Por um lado, ainda bem que pensam que isto é só para velhos. Estamos mais à larga», diz satisfeita..Nesta última semana de Agosto esteve ao alcance dos jovens um programa de sete dias, com seis refeições diárias, deslocações, baptismo de voo em Hércules C130 e actividades radicais ao preço de 200 e 300 euros, consoante o rendimento das famílias. Para Vítor Ramalho, «há que rebater a ideia de que o INATEL é uma instituição apenas para os velhotes, quando é para todas as idades e também para as famílias e as empresas»..As empresas estão, de resto, na mira do INATEL, ao nível do patrocínio das actividades. A Fundação Delta, a título de exemplo, inscreveu no INATEL um grupo de filhos de trabalhadores da empresa. Fala-se ainda na criação de um cartão com que as empresas financeiras, bancárias, da energia e outras possam conceder regalias aos trabalhadores e seus familiares. O futuro cartão INATEL terá serviços agregados, incluindo a função de débito bancário..Em termos desportivos, um dos orgulhos da Fundação INATEL, continuam em funcionamento o parque 1.° de Maio, em Lisboa, e o estádio do Ramalde, no Porto, a par de um conjunto de polidesportivos dispersos pelo país. Também nestes decorre um projecto de requalificação e foi estabelecido um acordo com o Sporting Clube de Portugal que será extensível a breve trecho a outros clubes. Pelo acordo, os atletas de alta competição do Sporting serão treinados no parque de jogos 1.° de Maio pelo professor Moniz Pereira. Além da cedência de instalações foi criada a Escola Moniz Pereira, que se destina aos jovens, filhos dos beneficiários com idades entre os nove e os 14 anos..Entrevista.Vítor Ramalho.«A nossa preocupação é o turismo social».Um ano depois de assumir funções como presidente da Fundação INATEL, Vítor Ramalho é um homem satisfeito com o silencioso «processo revolucionário» em curso na instituição. Às apostas tradicionais no desporto vieram juntar-se a renovação de unidades históricas como a Foz do Arelho e o rejuvenescimento do turismo (extensível a não filiados), além do reforço da ligação ao mundo lusófono através da cultura..Ainda persiste a ideia de que o INATEL – Instituto Nacional de Aproveitamento dos Tempos Livres – é uma instituição para seniores?O público português não tem a mínima noção do que é o INATEL. Não só não é uma entidade para «velhos» como os seus 250 mil membros representam um dos maiores índices de adesão a uma entidade não clubística do país. É de resto o terceiro maior grupo empresarial português no domínio da hotelaria. Serve um milhão de refeições por ano. Temos 18 unidades hoteleiras. Acabámos de inaugurar a 18.ª na ilha das Flores, uma das ilhas mais bonitas do mundo, num lugar privilegiadíssimo. Podemos falar de outras unidades de rara beleza e casos únicos, como as do Piódão ou Fornos de Algodres, casas de xisto reconstruídas ao milímetro, ou a recém-aberta unidade de um esplêndido solar em Linhares da Beira, isto para além das unidades termais que são líderes no seu segmento, caso de São Pedro do Sul, que tem recebido os maiores elogios da imprensa nacional e estrangeira. Temos ainda casas de Turismo Rural de excelência como Montalegre ou Gavião. Digo isto com realismo para as pessoas terem a noção do que é esta instituição..Os ideais que vos norteiam vão muito para lá do turismo?Sim, podemos falar ainda do forte empenho na cultura ou no desporto mas sem dissociar a vertente de lazer, neste último caso com espaços de referência na vida das pessoas como o Estádio 1.° Maio, que tem uma frequência diária de 1500 pessoas. Relançámos este projecto com a abertura, por exemplo, de uma escola de futebol só para jovens liderada pelo Hélder e pelo Dimas. Temos ainda uma escola de atletismo para crianças até aos 14 anos dirigida pelo professor Moniz Pereira. Acreditamos que dentro de dez a 15 anos vamos ter atletas de primeira linha que nasceram no INATEL. Temos em projecto a criação de uma escola de râguebi. Há uma grande preocupação de instigar valores à juventude que vai para lá do desporto. Por exemplo, haverá este mês um programa pedagógico e cultural virado sobretudo para as artes do palco que ensinará a fazer guiões, textos dramatúrgicos, movimentações de cena, etc. De resto, há iniciativas constantes e que estão acessíveis a todos com custos estabelecidos consoante os rendimentos do agregado familiar. Somos uma instituição que pode, felizmente, responder às preocupações sociais e servir de porto de abrigo no período de férias dos jovens..Escreveu que a alteração da natureza jurídica para Fundação em nada belisca o seu historial. Acha que se libertaram da colagem ao peso das palavras «alegria no trabalho», da antiga FNAT?A instituição começou por chamar-se Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho e foi bem conseguida, no sentido de proporcionar uma relação saudável com o mundo do trabalho. As associações de trabalhadores juntavam-se voluntariamente à FNAT e proporcionavam aos seus associados uma série de actividades por um preço justo e diminuto. Com o 25 de Abril, a FNAT deu lugar a um instituto que, embora designado de forma diferente, persistiu numa administração de cariz politizado e muito dependente do Estado. Agora é uma instituição privada de utilidade pública e a ligação que mantém ao Estado passa apenas pela nomeação dos seus administradores pelo Ministério do Trabalho. Temos uma crescente autonomia e auto-sustentabilidade que passará pelo alargamento do número de associados e uma agilização deste trinómio Desporto, Cultura e Turismo, juntamente com a Intervenção Social..O INATEL continua a ser visto como um grande empregador, um mecenas?Temos novecentas pessoas no quadro. Podemos dizer, sem egocentrismo, que somos uma instituição a quem o país muito deve. Por exemplo, há bandas que têm mantido a sua existência mercê do INATEL, pela ligação aos centros de cultura e desporto que perfazem cerca de quatro mil associados. Procurámos arejar a casa com a admissão de pessoas com uma ligação profunda à sociedade, caso do director cultural, o arquitecto Carlos Mendes, mais conhecido pelo cantor Carlos Mendes. Quem dirige o emblemático Teatro da Trindade é a grande actriz Cucha Carvalheiro. Aproveito para dizer que a programação do teatro vai passar a ter uma nova lógica a partir de Outubro com uma peça musical de qualidade excepcional. Em Novembro vamos ter a participação de um grupo musical brasileiro chamado Solo Brasil que divulga o melhor da música brasileira e andará em itinerância patrocinado pelo INATEL, em articulação com várias câmaras. Tenho um velho sonho que é criar, através desta instituição e de outras congéneres, uma ligação muito sólida de todos os países de expressão portuguesa. O meu sonho passa por recuperar o reencontro único no mundo da História dos povos e países através da obra das suas grandes personalidades. Somos o único país europeu que agrega instituições pela língua e pela cultura. A Commonwealth britânica não persegue esse fim e a Espanha fá-lo na base Ibero-Americana..No campo das viagens, nacionais e internacionais, assumem-se como um concorrente de peso dos operadores tradicionais?A nossa preocupação é o turismo social. Para se ter uma ideia, mobilizamos por ano cerca de cem mil pessoas. E os nossos programas têm sempre por objectivo não só a viagem de lazer como também os seus aspectos culturais, que podem ir da aprendizagem de uma língua à gastronomia. Procuramos ter sempre monitores especializados e não apenas guias acompanhantes. Um estudo recente diz que o nosso turismo é dos mais relevantes para as economias regionais. Somos também um operador turístico tradicional que privilegia os seus associados. Quem adere ao INATEL percebe rapidamente que as suas regalias não se limitarão à hotelaria ou ao turismo. Há um profundo sentido de família na instituição..Um jurista com experiência na área do Trabalho .Vítor Ramalho, 61 anos, é jurista e foi secretário de Estado do Trabalho (1984-1985) e secretário de Estado Adjunto do ministro da Economia (1999-2000). Foi ainda consultor do Presidente da República Mário Soares entre 1986 e 1996 e consultor do primeiro-ministro António Guterres entre 1996 e 1997. Como deputado, presidiu à comissão parlamentar do Trabalho, Segurança Social e Administração Pública. É presidente da Federação de Setúbal do PS..250 mil sócios .Fundada em 1935 como Fundação Nacional para Alegria no Trabalho (FNAT), a actual Fundação INATEL, hoje tutelada pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, afirma-se como uma Fundação prestadora de serviços sociais nas áreas do turismo social e sénior, do termalismo social e sénior, da organização dos tempos livres, da cultura e do desporto populares, com profundas preocupações de humanismo e de qualidade. Está presente em todo o Continente e Regiões Autónomas com uma rede de 22 agências. A obra da Fundação INATEL abrange uma massa associativa que ronda hoje os 250 mil associados individuais e os 3500 associados colectivos..Tem uma rede de hotelaria social com 16 unidades hoteleiras, três parques de campismo, duas casas de Turismo Rural e dois balneários termais – representando uma oferta global de 4200 camas – e uma estrutura permanente de turismo social e sénior e de organização das férias dos beneficiários e suas famílias.A Fundação é proprietária de um teatro – o Teatro da Trindade, em Lisboa, e de dois parques desportivos – o Estádio 1.º de Maio, em Lisboa, e o Parque de Ramalde, no Porto, além de estruturas de apoio à cultura popular e ao desporto amador que promovem a assistência técnica e financeira do movimento associativo, cultural, desportivo, etnográfico, folclórico ou recreativo, de base empresarial ou local, no continente e nas Regiões Autónomas..Turismo de excelência .O investimento que está já a ser feito – com a renovação de unidades como a da Foz do Arelho e a abertura de novas unidades hoteleiras nos Açores de qualidade superior – é uma antecipação do cenário que Vítor Ramalho classifica de «turismo de excelência». Um exemplo: o quarto 503 da unidade da Foz do Arelho, uma suite de antologia com vista panorâmica sobre o oceano, com uma diária a pouco mais de 50 euros (pequeno almoço incluído). À partida, e citando só o exemplo da unidade da Foz do Arelho, só o preconceito ou a ignorância poderão afastar uma clientela mais hip.