In Eye, a pérola que substitui as gotas para os olhos

No futuro pode bastar um pequeno dispositivo, guardado sob a pálpebra inferior, para dosear e distribuir medicamentos pelo organismo.
Publicado a
Atualizado a

A solução está na ponta dos dedos. É milimétrica, do tamanho e do aspeto de uma pérola. O In Eye, dispositivo que está a ser desenvolvido no departamento de Engenharia Química da Universidade de Coimbra, promete substituir a aplicação diária de gotas para olhos, por exemplo, em doentes com glaucoma ou em recuperação de cirurgias às cataratas: em vez disso, bastará colocar o pequeno inserto junto ao olho, na pálpebra inferior, para dosear e distribuir o medicamento pelo organismo, por um longo período de tempo.

Em causa, está uma tecnologia inovadora, que os investigadores Marcos Mariz e Paula Ferreira tentam transformar numa ideia de negócio com pernas para andar. "Podemos imobilizar no In Eye até três ou quatro fármacos diferentes em simultâneo", explica Marcos, que faz deste projeto a sua tese de doutoramento, há muito adiada (sob orientação de Helena Gil e Joaquim Murta, professores catedráticos das faculdades de Ciências e Tecnologia e de Medicina da Universidade de Coimbra, respetivamente).

Assim, "em situações de pós-operatório, em que é complicado aos doentes seguir a terapêutica (de vários medicamentos em simultâneo", ou em casos como os de glaucoma, "que afeta pessoas de idade, que têm dificuldade em pôr as gotas ou em lembrar-se se já as colocaram", pode-se "facilitar-lhes muito a vida, garantindo um tratamento contínuo".

O In Eye é "suficientemente flexível para ter libertações [de fármacos ao longo] de sete dias ou de 300 dias", esclarece ainda Marcos Mariz. Ou seja, depois da sua aplicação - "é ainda mais fácil uma pessoa habituar-se do que a uma lente de contacto, porque este nem entra no olho, vai ali para baixo e ao fim de pouco tempo deixa-se de ter noção que lá está", nota Paula Ferreira -, deverá bastar mantê-lo para continuar com o tratamento médico sem preocupações. "Esperamos que a qualidade do tratamento seja ainda superior, porque não há períodos noturnos sem aplicação de gotas, um sistema destes funciona dia e noite", acrescenta a investigadora.

Falta seduzir a indústria

À partida, o dispositivo poderá transportar qualquer tipo de fármaco mas ainda não foi testado com moléculas de maiores dimensões. Em fase de testes está um inserto de 90 miligramas - 60mg de polímero (material) com 30mg de fármaco. "A quantidade de fármaco será sempre adaptada à patologia que estivermos a trabalhar. Se falarmos de glaucoma, em que queremos libertações de seis meses, a quantidade de fármaco terá de ser superior, se for pós-operatório, para tratamentos entre sete e 30 dias, não precisaremos de tanta quantidade de fármacos", esclarece Paula Ferreira.

"A ideia é, no fundo, melhorar a qualidade de vida dos doentes", enfatiza Marcos Mariz. Contudo, por agora, a prioridade dos investigadores não é seduzir doentes, mas sim a indústria farmacêutica. "Este projeto, sendo um medicamento, vai precisar de passar por muitas etapas até à submissão final e entrada no mercado. A nossa ideia é desenvolver e patentear a tecnologia, para depois a licenciar a uma empresa farmacêutica grande, uma multinacional, que dê os passos mais caros, os ensaios clínicos, a submissão nos diferentes mercados e tudo isso", explica. E, para as big pharma"s, os argumentos também são claros: "esta é uma mais-valia face às outras que estão no mercado, porque é uma nova tecnologia; tem a vantagem de usar menos fármaco e permitir poupar na produção; e eliminam-se os efeitos sistémicos [efeitos secundários]", que mais facilmente podem surgir se as gotas não são absorvidas da forma correta.

Percurso longo até ao mercado

Todavia, o percurso, até à eventual chegada do In Eye ao mercado, ainda é longo e sinuoso. "Diria que pode levar nunca menos de cinco anos", revela o investigador e doutorando de Engenharia Química, lembrando os prazos de aprovação pelas autoridades, tendo em conta que é objetivo é patentear e legalizar o inserto a nível mundial. Aliás, a ambição é mesmo que o dispositivo chegue aos cinco continentes. "Por isso é que o nome é em inglês", salienta Marcos Mariz, destacando que o produto pode mesmo "ser uma mais-valia para a indústria farmacêutica, em países com dificuldades de armazenamento, com acontece em África". "Muitas gotas exigem refrigeração e só têm validade um mês depois de abertas. Com o In Eye, o doente tem garantida a estabilidade do produto, fica servido por um ano e não precisa de frigorífico", frisa.

No entanto, por agora, o objetivo é avançar, nos próximos meses, com o ensaio clínico de segurança - "sem fármaco, só o In Eye com placebo, a ser testado em indivíduos voluntários saudáveis, para confirmar até que ponto é fácil a sua colocação, se há casos de expulsão, se provoca irritação ocular ou não". E, claro, procurar financiamento para fazer o projeto continuar a avançar, para tentar chegar ao utilizador final.

"Já disse à Paula que não vamos comemorar até ao dia em que não tenhamos um doente com um In Eye colocado no olho", afirma Marcos. Para ele, é uma questão de brio pessoal, depois de ter abandonado o trabalho numa farmacêutica, para se dedicar ao projeto e à conclusão do doutoramento, iniciado em 2000 e deixado muito tempo em pousio, devido à sobrecarregada agenda profissional. "Toda a gente ralha comigo, diz que isto é uma loucura. Mas era agora ou ia arrepender-me para o resto da vida", garante o investigador. Agora segura o futuro, como uma pérola, na ponta dos dedos.

"Vai ter um impacto tremendo no futuro da medicação"

Joaquim Murta, professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e diretor do serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, é um dos mais conceituados especialistas nacionais na área das doenças dos olhos. E não esconde o entusiasmo com o projeto saído do doutoramento de Marcos Mariz - de que é co-orientador. "Vai permitir um melhor tratamento dos doentes, com a certeza de que fazem a medicação correta", sublinha.

Que impacto é que um projeto como o In Eye pode ter no futuro da oftalmologia?

Este projeto pode ter um grande impacto, por uma razão simples. Pode facilitar a vida aos doentes, em termos de adesão à terapêutica, o que é muito importante, porque há muita patologia crónica no olho... O glaucoma, a degenerescência macular da idade, o edema macular diabético são patologias muitíssimo frequentes e que exigem uma medicação mais ou menos continuada; e muitas vezes o fracasso da medicação é por causa da não-adesão do doente.

Trata-se, muitas vezes, de doentes da terceira idade, que já não conseguem realizar o tratamento de forma rigorosa, não é?

Têm dificuldade em pôr as gotas, em ter alguém que lhes ponha as gotas, etc... Portanto, para estas patologias de tratamento prolongado ou para toda a vida (glaucoma, degenerescência macular...) ou para a pós-cirurgia de catarata, se houver dispositivo que forneça a droga sem haver necessidade de a pessoa estar a pôr as gotas, isto terá um impacto tremendo. Como todos sabemos, a cirurgia oftalmológica é a que mais se faz no mundo. Portanto, isto vai ter um impacto tremendo no futuro da medicação e permitir um melhor tratamento dos doentes, com a certeza de que fazem a medicação correta.

Que outras vantagens indiretas pode trazer?

Mesmo em termos de custos, no futuro, a massificação deste tipo de instrumentos pode ter um impacto tremendo. Em casos de um doente que não faça o tratamento como deve ser, o custo social será maior, pois há riscos de necessitar de novos tratamentos ou até de cegar. Além disso, evita-se o desperdício que acontece, por exemplo, quando metade de um frasco de gotas não é utilizado.

Esta acaba por ser uma tecnologia que não só é inovadora a nível nacional, como a nível europeu e mundial.

Sim, há poucas tecnologias relacionadas com estas áreas muito específicas. Isto tem um potencial enorme, daí o nosso grande envolvimento com este grupo de investigação da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra.

Estas parcerias são fundamentais.

Sim, em Coimbra existe uma interligação muito grande entre as ciências mais básicas e as ciências clínicas. O que interessa nesta investigação translacional é haver comunicação: de um lado, os clínicos dizerem "nós precisamos disto", do outro lado responderem "esta é a ferramenta". A grande vantagem que temos aqui em Coimbra são esses laços, com um envolvimento muito grande quer de clínicos quer de investigadores. Faz-se uma investigação muito focada, que não se fecha no laboratório e tem como principal finalidade servir o doente.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt