Impostos teriam de subir 22% para ter contas públicas sãs no futuro
Para recuperar a sustentabilidade das contas públicas no futuro para os níveis de 2017, seria necessário carregar nos impostos ou reduzir drasticamente o valor das pensões futuras. O alerta surge no estudo "Finanças Públicas: uma perspetiva intergeracional", promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian.
"Sem alterações aos perfis etários orçamentais, restaurar a sustentabilidade iria necessitar de um aumento de 22% em receitas", refere o estudo elaborado por Francesco Franco, Tiago Bernardino e Luís Teles Morais, tendo em conta as dinâmicas demográficas de Portugal nos próximos anos. E não seria um efeito temporário. "Este é um ajustamento bastante grande", reconhecem os autores, lembrando que "22% das receitas dos impostos e das contribuições sociais em 2017 equivale a perto de 16 mil milhões de euros - um valor que é representativo da quantidade adicional de impostos e contribuições que teria de ser recolhida todos os anos e indefinidamente."
"É um número que dá uma medida, uma métrica equivalente ao ajustamento necessário do ponto de vista contabilístico para ajustar as contas no longo-prazo, tendo em conta as dinâmicas demográficas projetadas e o sistema atual de benefícios e de impostos por classe etária", explicou o economista Francesco Franco, da NOVA SBE.
Este acréscimo de receita implicaria uma carga fiscal superior em oito pontos percentuais. "A carga fiscal global, incluindo contribuições sociais, passaria de 37% do PIB para quase 45%", concluem os autores, e mostram que "os atuais perfis etários dos impostos e benefícios são estruturalmente inconsistentes com a fecundidade e esperança de vida projetadas."
E para quem nasceu depois de 2017, o esforço contributivo ainda é mais pesado. "Para assegurar a sustentabilidade orçamental as receitas advindas de indivíduos nascidos após 2017 deverão ser 57% mais elevadas do que aquelas atribuídas às atuais gerações" a partir desse mesmo ano. E as despesas "teriam de ser reduzidas em cerca de metade para as gerações futuras."
O estudo mediu "o impacto estrutural das alterações demográficas sobre as finanças públicas e mede os ajustamentos necessários à distribuição das despesas e receitas pelas faixas etárias de modo a assegurar o equilíbrio orçamental a longo prazo", mas não teve em linha de conta "alterações do perfil etário das receitas e despesas implicadas por políticas já adotadas" e, por isso, não apresenta uma previsão rigorosa sobre os problemas futuros de sustentabilidade das contas públicas.
"Outra opção, para recuperar a sustentabilidade, poderia ser um corte no valor das pensões futuras, mas tal implicaria uma redução de 19%", refere o estudo, explicando que a diferença nos ajustamentos resulta do perfil etário das receitas e despesas. "Conforme a população envelhece, mais pessoas recebem pensões de velhice e de sobrevivência, o que significa que o ajustamento relativo é mais baixo pelo lado da despesa do que da receita (impostos)", indicam.
Mas os próprios autores reconhecem que nenhuma das propostas é viável em termos de sacrifícios pedidos a uns e a outros.
Esta solução já foi adotada com a grande reforma de 2007, mas seria de fraco impacto para sustentabilidade das contas públicas. Para que fosse eficaz, o aumento da idade legal teria de ser muito maior. "Os aumentos da idade da reforma têm um duplo efeito positivo para o orçamento", reconhecem os autores, uma vez que significam menos tempo de pagamento, mas também mais contribuições e impostos por mais tempo.
Mas para que houvesse um efeito positivo, era preciso que "a idade da reforma aumentasse cinco vezes mais", passando em 2036 para 76 anos. "Isso mais do que eliminaria o desequilíbrio, mas, provavelmente seria uma política alternativa pouco realista", concluem os autores.
"O aumento da idade da reforma, quantitativamente, não conta assim tanto", concluiu o economista Ricardo Reis, com alguma surpresa. "Portugal teve uma reforma bem-sucedida em que houve um indexar da idade da reforma a alguns coeficientes de sustentabilidade da Segurança Social. Foi uma reforma inteligente", reconheceu o professor da London School of Economics. Mas, se para muitos países, esta opção "resolve muitos problemas da sustentabilidade das contas públicas, o que este estudo mostra é que isso não é verdade para Portugal", resume o economista que fez a revisão do estudo.
Nem imigração ajuda
Uma das soluções apontadas para tentar mitigar os efeitos de uma população em rápido envelhecimento e declínio pode passar também pela imigração, atraindo pessoas em idade ativa com capacidade contributiva. Mas também parece ser uma opção com eficácia limitada na sustentabilidade futura das contas públicas, o que voltou a surpreender Francesco Franco.
"Pensei que poderia ajudar imenso, mas depois de usar o modelo, estas pessoas vão ter a mesma esperança de vida que um português e o mesmo nível de fertilidade de um português. Acabam por se transformarem em portugueses", confessou o economista e coautor do estudo. "No início, este fluxo ajuda à sustentabilidade das contas, mas depois aumenta a massa das pessoas que vão entrar na idade da reforma", indicou.
"Num cenário de elevada imigração (multiplicando por dois), as receitas aumentam no médio prazo (horizonte de 30 anos), mas não o suficiente para compensar as despesas mais elevadas induzidas pelo envelhecimento", refere o estudo.
"Tendo em conta o declínio na taxa de mortalidade projetada, a menos que a taxa de fecundidade mude, a imigração não conseguirá por si só gerar uma estrutura etária da população compatível com a sustentabilidade orçamental a longo prazo, tendo em conta o atual perfil etário das receitas e despesas", concluem os autores.
paulo.pinto@dinheirovivo.pt