Implantes cocleares em Coimbra – Adaptação de um centro de referência a uma pandemia
Foi há 30 anos (1992) que em Portugal foi colocado o primeiro implante coclear numa criança.
Já sete anos antes (1985), esta mesma equipa, liderada pelo Dr. Manuel Filipe Rodrigues, em Coimbra, tinha iniciado a implantação coclear em adultos. Mas a criança com surdez total congénita é o maior desafio para uma equipa de implantes cocleares. Com o implante coclear a criança adquire a capacidade de receber estímulos que até então desconhecia: a audição. E adquirida a audição, temos de a ensinar a falar!
Esta equipa do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra - que inclui múltiplas competências clínicas (otorrinolaringologistas, audiologistas, terapeutas da fala, psicóloga e um conjunto de outros especialistas com competências específicas: neurorradiologista, geneticista, pediatra do desenvolvimento, oftalmologista, neurologista e muitos outros) - tem desenvolvido um trabalho intenso nesta área da reabilitação, contando hoje com cerca de 1500 pessoas (adultos e crianças) implantadas.
Mas o processo de reabilitação de um surdo profundo, através do método do implante coclear, não começa nem acaba com a introdução cirúrgica de um pequeno chip no ouvido interno!
Esta implica o domínio de um conjunto de técnicas e conceitos que incluem a seleção dos candidatos, a aplicação cirúrgica dos componentes internos, a programação dos circuitos eletrónicos do aparelho, a manutenção dos equipamentos e a avaliação e o treino dos indivíduos implantados para obter os melhores resultados. Para isso, é necessária a existência de uma equipa sempre atenta e disponível para depois, ainda ao longo da vida, monitorizar o surdo implantado: mantendo a afinação adequada do processador da fala, vigiando ocorrências e prevenindo complicações.
Tudo começa com a seleção do candidato, o que obriga à existência de um diagnóstico rigoroso (nem todos os surdos profundos têm indicação para ser implantados), adequação das expectativas e um esclarecimento completo.
O passo seguinte será a colocação cirúrgica dos elétrodos do implante coclear no ouvido interno. É uma técnica complexa, com riscos, que exige destreza e treino. A monitorização do nervo facial é um procedimento importante na prevenção de acidentes cirúrgicos, pela segurança, confiança e proteção que transmite ao doente e à equipa médica.
Mas é a programação do processador da fala do implante coclear - ajustamento da codificação dos circuitos eletrónicos do aparelho às condições anatómicas e fisiológicas do indivíduo surdo, de modo que o sinal acústico que recebe possa ser "percebido" pelo cérebro - que é o verdadeiro repto para uma equipa de implantes cocleares, principalmente na criança. São estas medidas psicofísicas, que são específicas para cada indivíduo, que é necessário definir com rigor, de forma a criar um programa personalizado, e que devem ser introduzidas no processador da fala do implante coclear.
Apenas após o trabalho meticuloso da programação do implante coclear (três a quatro meses na criança, um a dois meses no adulto) é então possível reeducar o indivíduo com o seu novo equipamento de comunicação. Este é um processo que requer uma grande intensidade e persistência durante o primeiro ano pós-implante, sendo ainda necessária a existência, mais tarde, de revisões (anuais) para manter a adequada afinação.
No início de 2020 abateu-se uma pandemia sobre o planeta. As restrições de contacto presencial impostas pela pandemia da covid-19 constituíram uma contrariedade que colocou desafios decisivos à equipa de implantes cocleares: como é que podemos evitar prejuízos irreversíveis para os surdos profundos em processo de reabilitação com implante coclear?
Para ultrapassar as dificuldades decorrentes de uma atividade em que são decisivos o treino pessoal e a interação comportamental do utente com o profissional de reabilitação, esta equipa iniciou rapidamente a implementação de técnicas alternativas. Passou a ser utilizada a telemedicina para apoio dos utentes. Foram produzidos instrumentos de terapia, utilizando sistemas de informação remota, específicos para este tipo de reabilitação. Foi assinado um protocolo com o Instituto Pedro Nunes (Associação para o Desenvolvimento de Atividades de Incubação de Ideias e Empresas) para a construção de uma aplicação informática a funcionar nos telemóveis e portáteis específica para surdos com implante coclear e com módulos adaptados às várias fases de reabilitação.
Com estas medidas foi possível manter o ritmo de aplicação de implantes cocleares nos doentes que procuraram este centro e manter a progressão da reabilitação e de resultados nos doentes já implantados, sem prejuízo para os utentes.
Será este mais um exemplo de como os profissionais num serviço público de saúde ultrapassaram obstáculos que exigem grande esforço, abnegação e criatividade para manter os níveis de qualidade e realização profissional em tempos de pandemia...
Otorrinolaringologista e diretor da Unidade Funcional de Implantes Cocleares (UFIC) do Centro Hospitalar e Universitário e Coimbra (CHUC)