"Impeachment é conduzido por uma quadrilha legislativa"

Lula fala pela primeira vez desde a votação na Câmara dos Deputados e cita subidas ao poder de Hitler e de Mussolini. Dilma afina defesa no Senado. Só 8% querem Temer presidente
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"O processo de impeachment está a ser conduzido por uma quadrilha legislativa numa aliança oportunista com a grande imprensa e os partidos de oposição que estabeleceram a agenda do caos", afirma Lula da Silva (PT). O ex-presidente contra-atacou uma semana e um dia depois de a Câmara dos Deputados ter votado, com 367 votos em 513, pela destituição de Dilma Rousseff (PT), a atual chefe do Estado, que a partir de ontem enfrenta o processo no Senado Federal.

"Na votação não houve uma mínima análise de argumentos e provas, houve um pelotão de fuzilamento comandado pelo que há de mais repugnante no universo político, essa operação foi conduzida pelo presidente da Câmara dos Deputados [Eduardo Cunha], réu em dois processos por corrupção, investigado em quatro inquéritos e apanhado em flagrante a mentir sobre as suas contas secretas na Suíça", disse Lula, ou melhor, Luiz Dulci, diretor do Instituto Lula, que leu o discurso do antigo sindicalista, a debater-se com problemas na voz, durante o seminário da Aliança Progressista, uma frente de partidos de esquerda, em São Paulo.

Até que a voz lhe doa

"Foi quando os deputados do PT decidiram não lhe dar cobertura no Conselho de Ética que ele decidiu abrir o procedimento do impeachment", concluiu, voltando a sublinhar a tese da defesa de Dilma de que o processo nasceu de uma vingança de Cunha.

Dois outros argumentos defendidos por Lula foram o de que o PMDB, de Michel Temer e de Cunha, quer chegar ao poder para abafar a Operação Lava Jato e o de que só na era do PT a justiça brasileira foi de facto independente do poder político. "Os golpistas querem voltar ao poder para controlar e intimidar a justiça e a política, como fizeram no passado, para restabelecer o reino da impunidade que sempre os preservou."

Já a discursar de improviso, apesar da falta de voz, Lula criticou a atitude da oposição desde a reeleição de Dilma. "Enquanto o governo se esforçava para equilibrar as contas públicas cortando na própria carne, a oposição trabalhava para agravar a crise, foram 18 meses de sabotagem do legislativo com a cumplicidade dos grandes meios de comunicação que difundem o pessimismo 24 horas por dia". Para Lula, a crise económica que o Brasil atravessa não é só fruto de problemas internos mas também da conjuntura internacional. "Após a crise de 1929, nunca o mundo passou por algo igual, temos o mundo rico fracassado e os BRICS com problemas sérios."

A seguir, lembrou o golpe militar de 1964 no país e mencionou a subida ao poder de Adolf Hitler, na Alemanha, e de Benito Mussolini em Itália. "Tirar a Dilma desta maneira é a maior ilegalidade neste país desde o golpe militar de 1964 e o argumento é sempre o mesmo, acabar com a corrupção: foi assim que o Hitler e o Mussolini nasceram e é assim que a direita cresce em todos os países na América Latina."

Confrontos entre manifestantes

À porta do seminário, grupos pró e contra o impeachment entraram em confrontos. Já na véspera, em frente à federação dos industriais de São Paulo, na Avenida Paulista, tinha havido tumultos, sanados apenas com a intervenção da polícia.

Em Brasília, o Senado reuniu-se para eleger os 21 senadores indicados pelos blocos partidários para compor a Comissão do Impeachment na câmara alta do Congresso. Caso seja aprovada na totalidade, 15 dos 21 membros da lista votam pelo impeachment, incluindo o presidente, que deve ser Raimundo Lira (PMDB), e o relator, provavelmente Antonio Anastasia (PSDB), braço direito de Aécio Neves (PSDB).

62% querem novas eleições

Após reunião com ministros, entre os quais José Eduardo Cardozo, advogado-geral da União, Dilma reavaliou a sua estratégia de defesa. No Senado vai usar o argumento de que os votos dos deputados dedicados à família, a Deus, entre outros destinos, têm desvio de finalidade, uma vez que não se restringiram à questão em análise - as pedaladas fiscais.

Segundo sondagem do Ibope, um dos principais institutos de pesquisa do país, 62% dos brasileiros preferem eleições antecipadas à substituição de Dilma pelo vice--presidente Michel Temer. Apenas 25% defendem a continuidade da presidente com um novo pacto entre o governo e a oposição, mas menos ainda - 8% - desejam ver Temer no Palácio do Planalto.

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