Ilha-prisão de Gorgona: a Alcatraz esquecida da Colômbia

A ilha de 26 quilómetros quadrados, infestada de cobras, acolheu prisioneiros até 1984. Estima-se que 150 tenham morrido lá.
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No final de outubro, um candidato presidencial colombiano desenterrou velhas memórias quando propôs enviar os políticos corruptos para a notória antiga ilha-prisão de Gorgona. Ninguém levou a ameaça a sério, mas despertou o interesse sobre uma parte pouco conhecida da história da Colômbia que pode ser comparada a Alcatraz ou Robben Island.

Até 1984, esta ilha de 26 quilómetros quadrados situada no Pacífico, a 55 quilómetros da costa colombiana, era um local trágico para onde prisioneiros políticos e perigosos criminosos eram enviados para cumprir as suas sentenças, às vezes até à morte.

Longe dos olhares curiosos, e entre várias espécies de cobras venenosas, os prisioneiros eram deixados à sua sorte nas mãos dos guardas prisionais brutais ou dos outros presos violentos. "Maldito seja este lugar", escreveu um antigo prisioneiro num poema.

Por estes dias, só umas quantas paredes da prisão em ruínas são visíveis na ilha que atrai uma pequena quantidade de ecoturistas, a maioria para fazer mergulho ou explorar a incrível biodiversidade.

A única forma de chegar a Gorgona é através de uma viagem de duas horas de barco desde a localidade costeira de Guapi, que se esconde entre os mangueirais. Gorgona é uma húmida massa de vulcões e selva, com chuva diária e as águas repletas de baleias e golfinhos.

A ilha foi descoberta em 1536 por conquistadores espanhóis, que perderam 87 homens para picadas de cobras venenosas poucos meses após a sua chegada. Foi por isso batizada em homenagem a Medusa, uma górgona na mitologia grega cujo cabelo era feito de cobras e que podia transformar as pessoas em pedra ao olhar para os seus olhos.

Durante um tempo, foi um paraíso de piratas antes de passar para mãos privadas. O governo colombiano apropriou-se dela na década de 1960 e construiu a prisão.

"Há muitas lendas em torno de Gorgona", disse Corazon de Jesus Aguino, de 35 anos, um técnico do parque e celebridade local. "A maioria é impossível de verificar", acrescentou. "O que é certo é que este era um local de punição e de sofrimento terrível."

Mais de mil prisioneiros passaram pela prisão: assassinos e violadores, mas também presos políticos de La Violencia, a guerra civil de dez anos (1948-58) entre o partido conservador, no poder, e os liberais.

"A prisão foi construída como um campo nazi", disse De Jesus Aguino. Vários pátios com dormitórios, cada um com o seu próprio "corredor da morte" a levar até à zona disciplinar. "Os visitantes têm por vezes sensações muito negativas", acrescentou De Jesus Aguino.

Um único dormitório resistiu a ser engolido pela selva que o rodeia e ao constante zumbido de insetos. Os prisioneiros dormiam em beliches de madeira, muitas vezes diretamente nas tábuas sem colchão. "Cada prisioneiro era designado por um número", afirmou.

As visitas eram raras e o exercício no exterior só permitido para os prisioneiros ajudarem a cortar a floresta. Os 120 guardas reinavam com impunidade. "Nada saía daqui", disse De Jesus Aguino.

Um local é testemunho da miséria da prisão: a ala disciplinar com celas de isolamento protegidas por pesadas barras de ferro.

A mais temível punição era "a lata" - uma cova de 80 centímetros de largura onde os prisioneiros eram obrigados a estar de pé durante dias com água suja até ao pescoço.

"Tortura, maus-tratos, comida infetada... quando cheguei, Gorgona era um buraco do inferno", disse o último diretor da prisão, Miguel Dario Lopez, que falou à AFP em Bogotá.

Nomeado em 1981, Lopez, de 78 anos, alega orgulhosamente ter acabado com os abusos dos guardas e "pacificado" a prisão. "Os guardas aqui eram ladrões, corruptos, que se vingavam dos prisioneiros", disse Lopez, agora reformado.

"Dez "latas" ainda estavam a ser usadas. Parei com isso tudo. Também havia tortura pela fome. Os prisioneiros só tinham direito a batatas e um pouco de arroz, com ocasionalmente um pouco de cobra mal cozida. Muitas vezes choravam, tinham problemas mentais... matavam-se uns aos outros com facas improvisadas ou estrangulavam-se com simples trapos."

Além de cobras e tarântulas, "as praias eram infestadas de tubarões e barracudas, não é lenda", disse.

No total, "quase 150 prisioneiros morreram em Gorgona", estima, rejeitando a ideia de que os corpos eram atirados ao mar.

"Com a ajuda dos padres franciscanos e pastores adventistas trabalhámos para ressocializar os prisioneiros." Um "comité de direitos humanos" foi instalado em cada pátio. "A comida melhorou ao ensinar alguns prisioneiros a pescar. O número de visitas aumentou."

"Através da música, da pintura e até do latim, conseguimos acalmar os prisioneiros e ensinar-lhes a perdoar", disse Lopez, mostrando uma longa cicatriz na palma da sua mão que fez quando tentou travar uma luta de facas.

"Comigo, não houve mais mortes", acrescentou, mostrando uma fotografia desbotada em que surge ao lado de um prisioneiro que tinha fugido e foi apanhado após três dias no mar numa jangada de troncos. "Era muito difícil escapar."

A maioria dos fugitivos eram apanhados por navios que passavam e os devolviam à ilha, mas "cinco ou seis ainda o conseguiram fazer". Entre eles estava Eduardo Muñeton Tamayo, conhecido como "o Papillon colombiano - depois do filme de 1973 com Steve McQueen e Dustin Hoffman - que escapou em 1969 mas foi apanhado três anos depois.

O assassino em série Daniel Camargo Barbosa, conhecido como "o sádico de El Charquito", fugiu em 1984 com as autoridades a insistir que tinha morrido no mar. Foi detido dois anos depois no Equador e admitiu ter matado 71 jovens raparigas neste país, apesar de se acreditar que terá matado mais de 180.

A prisão foi encerrada em 1984 após pressão das organizações dos direitos humanos, assim como dos ecologistas e cientistas desejosos de proteger o paraíso natural da ilha, depois de 70% da selva ter sido cortada pelos prisioneiros. Desde então, a selva reclamou o território perdido.

"Os colombianos precisam de descobrir este local histórico sombrio", disse Omar Nanez, o único turista a visitar a ilha junto com a AFP. Tendo em conta a rapidez com que as ruínas estão a ser devoradas pela vegetação, "o governo terá de decidir se quer preservar a prisão", disse um funcionário do parque. "Será um bem cultural e histórico? Ou deve ser deixado para desaparecer para sempre?"

Jornalista da AFP

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