Ilha do Castelo de Almourol é, agora, uma península devido à seca

A falta de chuva fez com que o rio Tejo recuasse e as margens avançassem, surgindo bancos de areia e um caminho de pedras para o castelo. Há sinais a proibir a travessia a pé, em vez do tradicional barco. Mas o pior são as consequências negativas para a agricultura da região.
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"Isto está mesmo mau. Não há água!", exclama um rapaz para dois amigos, num passeio de fim de tarde à Praia do Ribatejo para confirmar o que se dizia: o castelo de Amourol já não está numa ilha mas numa península. A seca fez com que o rio Tejo recuasse e as margens avançassem, surgindo bancos de areia e um caminho de pedras para o castelo. O que obrigou a Câmara Municipal de Vila Nova da Barquinha, o administrador do monumento, a colocar sinais a proibir a travessia a pé, em vez do tradicional barco.

Fernando Freire é o presidente da autarquia, vai no terceiro e último mandato. Ouve o comentário do rapaz e murmura: "Pois está mau, isso sabemos nós".

A ilhota onde se encontra o castelo deixou praticamente de ter água do lado Praia do Ribatejo, a sua freguesia. Tiveram que interditar a travessia terrestre, justifica o autarca que é para evitar quedas. "As pessoas esquecem-se que as pedras não estão fixas e que são escorregadias", comenta.

Barcos fazem a travessia por quatro euros, com visita ao castelo e ao Centro de Interpretação Templário de Almourol (CITA), este último em Vila Nova da Barquinha, distrito de Santarém. Com uma das margens sem água, há quem espere o final do dia para se aventurar e subir até às muralhas arquitetadas por Gualdim Pais, o grande mestre da Ordem dos Templários. A construção do castelo foi iniciada em 1171, desconhecendo-se em que ano terminou (ver entrevista).

"É um dos monumentos medievais mais emblemáticos e cenográficos da Reconquista. É também fértil em património cultural intangível, pois várias lendas correm em romances e livros de cavalaria ligadas a esta fortaleza", refere a autarquia. No século XX, serviu de cenário a eventos do Estado Novo. Teve sempre muita água à sua volta.

"Nesta altura do ano, o castelo devia estar rodeado de água, mas devido à falta de chuva passou a ser uma península", observa Fernando Freire. Conta que antes da construção da barragem do Castelo de Bode, inaugurada em 1951, transportavam-se grandes cargas pelo rio Tejo. Há relatos históricos que dão conta da sua navegabilidade até Toledo (Espanha). E imagens do século passado revelam águas de cinco metros de altura em seu redor. Mas nem é preciso recuar tanto tempo.

"Há 30 anos, o rio Tejo beijava o meio da muralha", recorda Luís Lopes, 51 anos, um dos barqueiros, todos funcionários da Câmara Municipal de Vila Nova da Barquinha (CMVNB). Quatro pessoas destacadas no inverno e cinco no verão. São cinco os barcos que fazem a travessia, o mais pequeno com 12 lugares e o maior com 50. Travessias que começam às 9:00 e terminam às 18/18:30, o horário a partir de 1 de março, mais 30 minutos quando mudar a hora.

Quando há água, o rio é navegável entre Vila Nova da Barquinha e Constância, o que, neste momento se torna impossível. Se não chover, poderá estar em causa o principal evento da festa da Nossa Senhora da Boa Viagem, em Constância - a procissão que liga os rios Tejo e Zêzere e decorre na segunda-feira de Páscoa.

Os dois cais, em Tancos e na Praia do Ribatejo, "assentaram arraias na areia" devido à falta de água no Tejo e teve que se improvisar outros dois. Mas o problema maior é agrícola, uma vez que ali não há praias de rio devido à contaminação das indústrias de celuloses localizadas na zona.

"Está a ser um problema a falta de chuva, sobretudo em termos agrícolas. A jusante começa toda a região do Ribatejo e os seus regadios, terras férteis para a produção de legumes e hortaliças", explica Fernando Freire. Quanto ao abastecimento de água às populações, dá-lhe confiança o facto de ser feito através da barragem do Castelo de Bode, de resto, aliás, como toda a Lisboa.

Fernando Freire, 62 anos, há 34 no concelho, jurista e político, tem um gosto particular por história e faz questão de fazer uma visita guiada ao Castelo de Almourol.

Construído sobre um castro romano, salienta que é exemplo da tecnologia dos Templários, nomeadamente o seu alambor, uma solução arquitetónica que consiste no aumento da espessura da base da muralha, que não é construída na vertical, para dificultar o assalto ao castelo. "As investigações que fizemos revelam que não houve assaltos, o que também se deve ao facto de estar rodeado de água".

O monumento pertence ao Exército, é o prédio nº6 do Regimento de Infantaria nº 1, que passou para administração da câmara de Vila Nova da Barquinha através de um protocolo celebrado em 2006. Terminará quando uma das partes o denunciar.
Na visita guiada, o autarca descobre as duas placas epigráficas que provam ser obra de Gualdim Pais, reforça a importância da torre de menagem, indica a janela das namoradeiras e a porta da traição, explica como a vegetação suporta a fortaleza. Sublinha ainda a riqueza dos três medalhões descobertos nas escavações depois de ter ardido, em 1385, 15 dias antes da Batalha de Aljubarrota. Assinala outros monumentos dos Templários na envolvente do rio e na importância de estes manterem a vigilância.

"Da sua torre de menagem podemos lobrigar a vastidão da paisagem ribatejana, bem como a torre do castelo da Quinta da Cardiga e a Vila de Tancos (a poente), a vegetação ribeirinha de Paio de Pele (Praia do Ribatejo - a nascente), a quietude da grande massa de água que ali o Tejo detém no pego de Almourol, a antiguidade e majestade das suas muralhas graníticas brotando de entre colossais blocos, a ilha toda coberta de verde vegetação, o rio serpeando em sua volta, tudo concorrendo para infundir uma impressão de grandeza condimentada ao mesmo tempo de enorme suavidade e contemplação", escreve num dos textos Fernando Freire sobre o castelo.

Bons motivos que levaram Paula Patacas, 21 anos, que tirou turismo, sendo esta a sua área profissional, a convidar a namorada Sara Lopes, 20, estudante, para um dia de romance com visita ao castelo. Vieram de Évora e fizeram um percurso de barco pelo rio Tejo, com visita ao Castelo de Almourol e ao CITA, um passeio por 10 euros, com lanche. "Ele gosta muito de castelos e queria fazer-me uma surpresa", conta a Sara, que elege a envolvente como a melhor parte. E o namorado marcou pontos.

Em 2018, o castelo foi sujeito a obras de recuperação que envolveram um financiamento de 500 mil euros. Investimento que tem vindo a ser recuperado com as visitas turísticas, na ordem dos 60/70 mil visitantes anuais, isto antes da pandemia. Visitas que têm regressado no último mês, com muitos domingos (o dia de maior afluência) a fazer lembrar o verão.

A Câmara Municipal de Vila Nova da Barquinha inaugurou no último sábado um trilho que liga a cidade à vizinha Constância, 10,5 km com vista panorâmica para o rio Tejo.

São 7 os quadros culturais assinalados, com início em Constância: A Ponte das Barcas, estrutura de ferro sobre o rio Zêzere; O Castelo do Ozêzere e Foz do Zêzere, junto à Vila de Punhete - nome derivado da pugna, que o soberbo Zêzere faz ao caudaloso Tejo. A Fonte da Galiana e sua lenda. O Convento Loreto, mandado construir em 1572 por D. Álvaro Coutinho. O Castelo de Almourol. A Oficina do Calafate, onde o Tejo foi desviado, na Idade Média, o rio desviava-se depois de Tancos para Carregueira e seguia até à Chamusca. Em 1545, D. Luís decidiu desviar o seu curso com a ajuda de 30 mil homens. E, por último, o centro de Vila Nova da Barquinha, com pontos de interesse, como o Parque de Escultura Contemporânea Almourol.

A importância do castelo de Almourol na linha de defesa dos Templários no Médio-Tejo no: controle do tráfego fluvial

Qual é o significado do castelo de Almourol para a Ordem dos Templários?

É um dos muitos castelos erguidos pelos Templários, este na zona do Médio-Tejo. Uma das principais atribuições da Ordem era, precisamente, a defesa dessa região e que tinha enorme importância estratégica. A sua construção foi iniciada em 1171, desconhecendo-se a data de conclusão, mas terá sido pouco tempo depois. É uma das obras de Gualdim Pais, o primeiro mestre português da Ordem dos Templários.

Porquê a escolha da localização, no meio do rio Tejo?
O Tejo na altura era facilmente navegável desde a foz [Atlântico ] até Vila Nova da Barquinha [Santarém]. A presença de um castelo em pleno rio Tejo serve também para controlar o tráfego fluvial, daí o aproveitamento da ilha que aí existia. De resto, é mais um castelo que integra a tal linha de defesa do Médio-Tejo.

Ser erguido numa ilha é outra das particularidades, embora, agora, seja mais uma península.
Esse enquadramento faz com que seja único em Portugal e um dos poucos na Europa. Tem a originalidade de estar situado numa ilha, não há muitos, com o objetivo de controlar de forma eficaz o tráfego fluvial. O Tejo era uma autêntica autoestrada desde o litoral até ao interior. O acesso a zonas do interior-centro fazia-se essencialmente pelo rio Tejo. Na Idade Média, o Tejo era navegável até Vila Nova da Barquinha e por navios de grande calibre.

Diz-se que ia até Toledo.
É possível, o Tejo passa em Toledo, se havia circulação fluvial por navios de médio e grande calibre, já tenho as minhas reticências.

Que outros castelos foram erguidos pelos Templários?
O castelo de Tomar, que é construído na mesma altura; o de Zêzere, nas costas de Vila Velha de Ródão, conhecido como o castelo do Rei Wamba; o de Cardiga, pode ter sido um castelo dos Templários e, depois, mais acima, em direção a Coimbra, os castelos de Pombal e de Soure, que é o primeiro atribuído aos templários. A região entre o Médio-Tejo e Coimbra tem diversos castelos erguidos pelos templários. O mais importante da zona é o de Tomar porque é também a sede da Ordem do Templo e é um complexo arquitetónico de grande dimensão. O de Almourol tem 45 metros de cumprimento por 31 de largura.

Algum feito particular vivido no de Almourol?
Não é conhecido ao castelo de Almourol qualquer episódio militar. Quem lá estava, teve sempre uma vida tranquila e, talvez isso explique que, no início do século XIII, tivesse uma guarnição de apenas cinco freires templários. C.N.

ceuneves@dn.pt

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