Igreja proíbe padres com "tendências homossexuais"

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O tema é tão sensível que o Vaticano demorou quase oito anos para escrever duas páginas e meia de texto. Em resumo, ele diz isto "A Igreja não pode admitir no Seminário e nas Ordens sacras aqueles que pratiquem a homossexualidade, apresentem tendências homossexuais profundamente enraizadas ou apoiem a chamada cultura gay." Traduzido em linguagem de leigos, este novo e polémico documento, aprovado pelo Papa Bento XVI, proíbe que os homossexuais sejam padres, ainda que permanecendo em castidade.

O texto considera que os homossexuais devem ser "acolhidos com respeito e delicadeza", mas relembra que a Igreja considera a homossexualidade um "pecado grave", "intrinsecamente imoral" e "contrário à lei natural". Nesse sentido, o Vaticano entende que os homossexuais "se encontram numa situação que cria graves obstáculos ao correcto relacionamento com homens e mulheres", e por isso devem ser afastados do sacerdócio.

Tendo em conta que "somente o desejo de ser sacerdote não é suficiente" e que "não existe um direito a receber a ordenação", a Igreja vem agora afirmar que o director espiritual ou o confessor de um seminarista com tendências homossexuais têm "o dever de o dissuadir" a continuar a sua formação. Existe, ainda assim, uma excepção, no caso daquelas tendências serem "expressões de um problema transitório", que esteja "claramente superado pelo menos três anos antes da Ordenação diaconal".

Esta instrução, saída da Congregação para a Educação Católica e longamente intitulada "Acerca dos critérios de discernimento vocacional a respeito das pessoas com tendências homossexuais em vista à sua admissão ao seminário e às ordens sacras", foi aprovada pelo Papa a 31 de Agosto e vai ser publicado no Osservatore Romano no próximo dia 29. No entanto, ela já terá sido enviada na semana passada a bispos e seminários de todo o mundo. Na posse do documento, a agência católica italiana Adista avançou com a sua divulgação há dois dias, dando de imediato origem a um coro de protestos.

pedofilia. É que, embora em nenhum momento do texto seja citada a palavra "pedofilia" ou referida a expressão "abuso sexual de menores", vários especialistas em assuntos da Igreja - incluindo aqueles que foram escutados pelo DN - são unânimes em estabelecer uma relação entre o documento do Vaticano e os casos de pedofilia que têm vindo a abalar a Igreja Católica, sobretudo nos Estados Unidos da América.

É essa a opinião do cónego João Seabra "É uma medida de prudência. A Igreja americana foi tão condescendente com o acesso dos homossexuais ao sacerdócio que acabou por ter de enfrentar todos aqueles casos de pedofilia. Não vale a pena afirmar que não há qualquer ligação entre homossexualidade e pedofilia, pois não existe um único processo contra a Igreja em que a pedofilia seja heterossexual", garante. Apesar de não querer comentar o conteúdo do documento por ainda não o ter lido, o padre Seabra considera "evidente a sua associação a esta crise. O processo teve consequências desastrosas e a Igreja Católica sentiu necessidade de ser particularmente prudente", conclui.

O padre e professor de Filosofia Anselmo Borges admite que "a relação com a pedofilia é uma possibilidade", mas não acredita que seja "por esta via que se vai resolver esse problema." "A problemática da homossexualidade é muito complicada e tudo isto está minado pela lei do celibato obrigatório para os padres", diz. Segundo o padre Borges, ao impedir o acesso dos homossexuais aos seminários, ainda que estes cumpram as regras da castidade, "é possível" que a Igreja esteja a estabelecer "uma discriminação". "E essa discriminação não devia existir."

É também essa a opinião de Maria João Sande Lemos, do movimento progressista Nós Somos Igreja "Sabendo-se hoje em dia que a homossexualidade é uma questão genética e não uma perversão, e tendo em conta que Deus não iria fazer coisas malditas, os homossexuais deviam ser tratados da mesma forma que os heterossexuais. O que a Igreja pede é que o seu clero seja casto. Desde que se cumpram as regras do sacerdócio, que diferença faz ser homossexual ou heterossexual?", questiona. Para Sande Lemos, esta é apenas "uma maneira de mandar poeira para os olhos, porque a Igreja não sabe tratar com o problema da pedofilia".

Frei José Augusto Mourão, dominicano, considera que este é "um documento político e uma intervenção cirúrgica na sequência dos escândalos da pedofilia. Esses casos vieram agudizar a questão da sexualidade dos padres e obrigaram a estabelecer critérios urgentes. Com isto quer limpar-se a casa e dizer que há estas regras. Mas o problema da pedofilia não deixará de existir." Porquê? "Porque há um problema de fundo, que a Igreja não ataca, porque não sabe falar disso, que é a questão do controlo. Como é que se controla o corpo dos clérigos?" Frei Mourão garante ser impossível cartografar uma "tendência profundamente enraizada". E cita Michel Foucault "Ele dizia que a sexualidade só existe quando é dita, quando é confessada. E a homossexualidade como fantasma deve passar por toda a gente."

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