O tempo tem sido o da Igreja. Primeiro falou Francisco. Em fevereiro de 2015, numa carta às conferências episcopais nacionais e congregações, o Papa insistia na necessidade de se prepararem "linhas-guia para o tratamento dos casos de abuso sexual contra menores por parte de clérigos", sendo por isso necessário "um instrumento para a revisão periódica das normas e para a verificação do seu cumprimento". Nessa carta, o chefe da Igreja Católica referia instruções nesse sentido datadas de maio de 2011 e com origem na Congregação para a Doutrina da Fé..Depois, a sede mundial da Companhia de Jesus decidiu avançar. O chefe mundial da congregação, Adolfo Nicolás, pediu aos chefes nacionais, em maio do mesmo ano (2015), "diretrizes que estabeleçam boas práticas éticas e profissionais dirigidas a todos os que trabalham nas nossas instituições, sejam eles jesuítas, funcionários ou voluntários", além de "treino sistemático e programas de formação permanente que inculquem formas respeitosas de relacionamento com os outros, que permitam tornar claro o que são condutas inapropriadas, e que expliquem como lidar com pessoas e situações abusivas e por último "protocolos que respondam adequadamente a qualquer tipo de acusação de abuso sexual"..A pedofilia estava no centro das preocupações, mas não só: "Os abusos sexuais não são os únicos comportamentos que merecem a nossa atenção. Também as ameaças, o castigo corporal, os maus-tratos físicos ou a violência psicológica são condutas impróprias do modo de proceder da companhia, e por isso devemos dar passos decisivos para eliminar qualquer tipo de conduta que coloque obstáculos à experiência do amor de Deus.".Dois anos depois, em maio de 2017, o chefe nacional dos jesuítas, padre Frazão Correia, lançava um "Sistema de proteção e cuidado de menores e adultos vulneráveis" (SPC) e pedia a um padre da congregação, Filipe Martins, "a constituição e a direção de uma equipa interdisciplinar, que seja representativa do universo das nossas obras apostólicas, com vista à elaboração e implementação de um programa regular de formação e de acompanhamento"..Dessa diretiva nasceu, em junho passado, a "versão 1.0" do primeiro manual feito na Igreja Católica portuguesa de prevenção e combate à pedofilia dentro das fileiras da organização: "Manual SPC - Sistema de Proteção e Cuidado de Menores e Adultos Vulneráveis"..O documento começa por estabelecer quem são os seus destinatários: todos os que trabalham (clérigos ou não) com a Companhia de Jesus em Portugal - congregação no nosso país, como em todo o mundo, essencialmente devotada ao ensino (e que também gere, por exemplo, inúmeras colónias de férias para crianças e adolescentes todos os verões)..Uma das principais diretivas é a que estabelece princípio da comunicação obrigatória: "Estando em causa a prática de um crime, qualquer entidade com competência em matéria de infância e juventude - como é o caso das estruturas pertencentes à Companhia de Jesus que desenvolvem atividades nas áreas da infância e juventude - está obrigada a comunicar de imediato ao Ministério Público ou às entidades policiais os factos que tenham determinado a situação de perigo.".Ao mesmo tempo, o manual recorda que "quando uma criança ou jovem esteja em perigo por ação ou omissão dos pais ou de terceiro, se os pais, representante legal ou quem tenha a guarda de facto não atuar de forma adequada a remover esse perigo, pode haver lugar à intervenção das entidades competentes no âmbito da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo". Ora "esta lei prevê que qualquer pessoa que tenha conhecimento da existência de uma situação de perigo possa comunicá-la às entidades com competência em matéria de infância ou juventude, às entidades policiais, às comissões de proteção ou às autoridades judiciárias" e que "esta comunicação passa a ser obrigatória para qualquer pessoa quando a situação de perigo ponha em risco a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade da criança ou do jovem"..Falando ao DN, o padre Filipe Martins reconheceu o problema das denúncias falsas - mas sublinhando que "não há forma de [as] evitar": "Um exemplo: a CPCJ [Comissão de Proteção de Crianças e Jovens] recebeu em 2017 cerca de 40 mil sinalizações e, destas, cerca de dez mil foram logo arquivadas depois de uma análise preliminar, pois viu-se que não havia 'matéria' para avançar (não significa que sejam denúncias falsas, pode às vezes ser uma preocupação excessiva)." Seja como for - sublinha - "é melhor que tenham sido tratadas do que não"..O que o responsável sublinha no sistema criado dentro da sua congregação é que em cada obra dos jesuítas portugueses haverá um delegado SPC "responsável por receber e acompanhar eventuais denúncias" de pedofilia ou outras formas de violência contra menores. E estes delegados responderão perante um delegado nacional, ele próprio, Filipe Martins. Cada instituição ou "obra" dos jesuítas em Portugal deve, para já, fazer os seus próprios "mapas de risco" (exemplo na página 46 do manual). O documento, apesar das suas mais de 80 páginas, sintetiza num esquema gráfico o sistema de tratamento das suspeitas e denúncias..Clique aqui para ver o gráfico em página inteira.O manual, por outro, deixa claro que a atuação face a situações de perigo não depende apenas de queixa das supostas vítimas. São elencados, com pormenor, os sinais que podem revelar que uma criança está a ser sujeita a abusos sexuais, nomeadamente de comportamentos. Exemplos: "comportamentos autoeróticos extremos; encenação ou simulação de episódios e/ou interações sexuais explícitas; fazer desenhos e ou jogos e brincadeiras 'sexualizadas'; dormir com a roupa do dia vestida; recusar a higiene diária; destruir ou ocultar sinais de beleza na aparência física; urinar na própria roupa ou nos lençóis; mudanças de personalidade tais como tornar-se muito inseguro ou agarrar-se demasiado a alguém". E ainda "padrões de comportamento regressivo, tais como chupar o polegar, recorrer a velhos ursos de peluche" e "outras reações extremas tais como depressão, automutilação, tentativa de suicídio, evitamento, consumos, anorexia; perda súbita de apetite ou comer de forma compulsiva; isolar-se socialmente; dificuldade em concentrar-se; falta de confiança ou medo de alguém que é próximo e conhecido (não querer ficar sozinho com um professor, babysitter, etc.); medo de se despir ou mudar a roupa em público; ter quantias de dinheiro difíceis de explicar; enurese (perda involuntária de urina noturna) e pesadelos"..Questionado pelo DN sobre porque é que os reportes de pedofilia na Igreja em Portugal são muito menores quando comparados com outras situações internacionais (EUA ou Irlanda, por exemplo), o responsável jesuíta reconheceu que "não é possível afirmar com toda a certeza de que é por haver menos casos" - mas, "ainda assim, diria, com cautela, que espero que seja essa a razão". "Os especialistas e a literatura nesta área afirmam que a percentagem de casos de abusos sexuais de menores (independentemente do abusador) conhecidos é sempre inferior aos casos que efetivamente acontecem. No que diz respeito aos que envolvem a Igreja, a realidade portuguesa demonstra uma situação muito diferente da verificada na Irlanda ou nos EUA."
O tempo tem sido o da Igreja. Primeiro falou Francisco. Em fevereiro de 2015, numa carta às conferências episcopais nacionais e congregações, o Papa insistia na necessidade de se prepararem "linhas-guia para o tratamento dos casos de abuso sexual contra menores por parte de clérigos", sendo por isso necessário "um instrumento para a revisão periódica das normas e para a verificação do seu cumprimento". Nessa carta, o chefe da Igreja Católica referia instruções nesse sentido datadas de maio de 2011 e com origem na Congregação para a Doutrina da Fé..Depois, a sede mundial da Companhia de Jesus decidiu avançar. O chefe mundial da congregação, Adolfo Nicolás, pediu aos chefes nacionais, em maio do mesmo ano (2015), "diretrizes que estabeleçam boas práticas éticas e profissionais dirigidas a todos os que trabalham nas nossas instituições, sejam eles jesuítas, funcionários ou voluntários", além de "treino sistemático e programas de formação permanente que inculquem formas respeitosas de relacionamento com os outros, que permitam tornar claro o que são condutas inapropriadas, e que expliquem como lidar com pessoas e situações abusivas e por último "protocolos que respondam adequadamente a qualquer tipo de acusação de abuso sexual"..A pedofilia estava no centro das preocupações, mas não só: "Os abusos sexuais não são os únicos comportamentos que merecem a nossa atenção. Também as ameaças, o castigo corporal, os maus-tratos físicos ou a violência psicológica são condutas impróprias do modo de proceder da companhia, e por isso devemos dar passos decisivos para eliminar qualquer tipo de conduta que coloque obstáculos à experiência do amor de Deus.".Dois anos depois, em maio de 2017, o chefe nacional dos jesuítas, padre Frazão Correia, lançava um "Sistema de proteção e cuidado de menores e adultos vulneráveis" (SPC) e pedia a um padre da congregação, Filipe Martins, "a constituição e a direção de uma equipa interdisciplinar, que seja representativa do universo das nossas obras apostólicas, com vista à elaboração e implementação de um programa regular de formação e de acompanhamento"..Dessa diretiva nasceu, em junho passado, a "versão 1.0" do primeiro manual feito na Igreja Católica portuguesa de prevenção e combate à pedofilia dentro das fileiras da organização: "Manual SPC - Sistema de Proteção e Cuidado de Menores e Adultos Vulneráveis"..O documento começa por estabelecer quem são os seus destinatários: todos os que trabalham (clérigos ou não) com a Companhia de Jesus em Portugal - congregação no nosso país, como em todo o mundo, essencialmente devotada ao ensino (e que também gere, por exemplo, inúmeras colónias de férias para crianças e adolescentes todos os verões)..Uma das principais diretivas é a que estabelece princípio da comunicação obrigatória: "Estando em causa a prática de um crime, qualquer entidade com competência em matéria de infância e juventude - como é o caso das estruturas pertencentes à Companhia de Jesus que desenvolvem atividades nas áreas da infância e juventude - está obrigada a comunicar de imediato ao Ministério Público ou às entidades policiais os factos que tenham determinado a situação de perigo.".Ao mesmo tempo, o manual recorda que "quando uma criança ou jovem esteja em perigo por ação ou omissão dos pais ou de terceiro, se os pais, representante legal ou quem tenha a guarda de facto não atuar de forma adequada a remover esse perigo, pode haver lugar à intervenção das entidades competentes no âmbito da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo". Ora "esta lei prevê que qualquer pessoa que tenha conhecimento da existência de uma situação de perigo possa comunicá-la às entidades com competência em matéria de infância ou juventude, às entidades policiais, às comissões de proteção ou às autoridades judiciárias" e que "esta comunicação passa a ser obrigatória para qualquer pessoa quando a situação de perigo ponha em risco a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade da criança ou do jovem"..Falando ao DN, o padre Filipe Martins reconheceu o problema das denúncias falsas - mas sublinhando que "não há forma de [as] evitar": "Um exemplo: a CPCJ [Comissão de Proteção de Crianças e Jovens] recebeu em 2017 cerca de 40 mil sinalizações e, destas, cerca de dez mil foram logo arquivadas depois de uma análise preliminar, pois viu-se que não havia 'matéria' para avançar (não significa que sejam denúncias falsas, pode às vezes ser uma preocupação excessiva)." Seja como for - sublinha - "é melhor que tenham sido tratadas do que não"..O que o responsável sublinha no sistema criado dentro da sua congregação é que em cada obra dos jesuítas portugueses haverá um delegado SPC "responsável por receber e acompanhar eventuais denúncias" de pedofilia ou outras formas de violência contra menores. E estes delegados responderão perante um delegado nacional, ele próprio, Filipe Martins. Cada instituição ou "obra" dos jesuítas em Portugal deve, para já, fazer os seus próprios "mapas de risco" (exemplo na página 46 do manual). O documento, apesar das suas mais de 80 páginas, sintetiza num esquema gráfico o sistema de tratamento das suspeitas e denúncias..Clique aqui para ver o gráfico em página inteira.O manual, por outro, deixa claro que a atuação face a situações de perigo não depende apenas de queixa das supostas vítimas. São elencados, com pormenor, os sinais que podem revelar que uma criança está a ser sujeita a abusos sexuais, nomeadamente de comportamentos. Exemplos: "comportamentos autoeróticos extremos; encenação ou simulação de episódios e/ou interações sexuais explícitas; fazer desenhos e ou jogos e brincadeiras 'sexualizadas'; dormir com a roupa do dia vestida; recusar a higiene diária; destruir ou ocultar sinais de beleza na aparência física; urinar na própria roupa ou nos lençóis; mudanças de personalidade tais como tornar-se muito inseguro ou agarrar-se demasiado a alguém". E ainda "padrões de comportamento regressivo, tais como chupar o polegar, recorrer a velhos ursos de peluche" e "outras reações extremas tais como depressão, automutilação, tentativa de suicídio, evitamento, consumos, anorexia; perda súbita de apetite ou comer de forma compulsiva; isolar-se socialmente; dificuldade em concentrar-se; falta de confiança ou medo de alguém que é próximo e conhecido (não querer ficar sozinho com um professor, babysitter, etc.); medo de se despir ou mudar a roupa em público; ter quantias de dinheiro difíceis de explicar; enurese (perda involuntária de urina noturna) e pesadelos"..Questionado pelo DN sobre porque é que os reportes de pedofilia na Igreja em Portugal são muito menores quando comparados com outras situações internacionais (EUA ou Irlanda, por exemplo), o responsável jesuíta reconheceu que "não é possível afirmar com toda a certeza de que é por haver menos casos" - mas, "ainda assim, diria, com cautela, que espero que seja essa a razão". "Os especialistas e a literatura nesta área afirmam que a percentagem de casos de abusos sexuais de menores (independentemente do abusador) conhecidos é sempre inferior aos casos que efetivamente acontecem. No que diz respeito aos que envolvem a Igreja, a realidade portuguesa demonstra uma situação muito diferente da verificada na Irlanda ou nos EUA."