Idade certa para definição de sexo divide comunidade médica
Terão os médicos o direito a escolher o sexo definitivo de um hermafrodita à nascença? Ou a pessoa deve poder fazer a sua opção? As dúvidas colocam-se cada vez mais nas sociedades modernas e dividem a comunidade médica sobre a idade certa para se realizar a cirurgia: se à nascença ou já na altura da puberdade, quando já existe uma consciência e a personalidade já está formada.
"Muito deles sentem-se infelizes na vida adulta", considera o cirurgião pediátrico Paolo Casella. "Quantas vezes formamos mulheres que vão ser homens e condenamos homens que se sentem mulheres", denuncia o especialista.
"Enquanto antigamente se procurava o mais cedo possível eleger um sexo para estes casos e actuar a nível hormonal e cirúrgico, actualmente já se aconselha a adiar estas decisões irreversíveis até o indivíduo poder dar o seu consentimento informado", explica o sexólogo Francisco Allen Gomes.
"Vivemos num país em que culturalmente temos de tomar decisões nesta área. Os pais fazem pressão, pedem para que se faça alguma coisa rapidamente, mas as nossas acções podem não ser as mais acertadas. É preciso envolver estes indivíduos na decisão", concorda Paolo Casella.
Tudo para evitar, por exemplo, que uma hermafrodita a quem foram retirados os órgãos sexuais masculinos possa descobrir durante a puberdade que afinal se sente atraído sexualmente por mulheres. "Porque temos de lhe retirar os testículos? A pessoa não fica nem homem nem mulher. O cérebro já está impregnado de testosterona [hormona masculina]", argumenta.
"O que acaba por definir o sexo da pessoa é o cérebro, por isso deve-se esperar pela adolescência", assina por baixo o cirurgião João Dácio Ferreira, do Hospital de Santa Maria, em Lisboa.
Já o médico endocrinologista António Santinho Martins defende que "cada caso é um caso", mas a operação nos primeiros meses de vida tem mais vantagens. "Se a criança for operada logo à nascença, determinadas anomalias podem ser reparadas e a criança poderá ter uma vida normal. Numa idade tardia é mais complicado".
O clínico refere-se, por exemplo, à possibilidade de os testículos interiores poderem desenvolver cancro. Por outro lado, ao serem retirados, evita-se que o cérebro "continue a ser bombardeado com testosterona".
"As doenças de desenvolvimento sexual constituem neste momento uma emergência, não só médica, mas também social. Porque todos os cidadãos têm direito a ter um nome e a lhe ser atribuído um género", conclui Paolo Casella.