I&D na agricultura: até onde?

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Em quase todos os países há uma tendência para os agricultores procurarem outras ocupações menos esgotantes e melhor remuneradas. Se não se tomam medidas para estancar o êxodo, valorizando a profissão e os produtos, estes podem ir diminuindo criando bolsas de fome no mundo.

As cooperativas e outras organizações de agricultores estão a tentar que os produtos sejam mais valorizados, sem intermediários, para dar o melhor a quem trabalha árdua e esforçadamente. Aquelas entidades que funcionam bem vão ganhando adesões, pois apenas em associação os produtos podem ser bem vendidos no país ou serem exportados.

Noutros tempos tudo na agricultura se fazia com tranquilidade, sempre "mais do mesmo", mas actualmente tem-se vindo a avançar em variadas direcções. Destaco os principais marcos:

1.A colonização trouxe uma curiosidade científica que levou árvores de fruta, sobretudo as de maior valor e apreço, a outros continentes, com condições climáticas bem diferentes, para ver se se adaptavam. Assim, os navegadores portugueses, durante todo o século XVI prepararam e fizeram uma "revolução" espalhando rebentos de diferentes árvores de fruta. Na sua próxima expedição, eles levariam tais rebentos para ali cultivar e acompanhar a evolução. Isto foi feito de modo sistemático, talvez com o mesmo espírito científico com que prepararam e iniciaram a viagem da descoberta do caminho marítimo para a Índia. Haveria muitas interrogações, incógnitas, medos..., que passo a passo foram ultrapassados.

Muitos rebentos de árvores frutíferas foram levados para o Brasil e países africanos e do Brasil trazidos para a Índia, para a África, para a Europa e países do Extremo Oriente. Muito devemos aos marinheiros a difusão de frutas e hortaliças, desconhecidas das populações locais. As consequências, não só no campo económico, são imensas como bem podemos intuir.

2. Essa mesma curiosidade terá levado o cientista e médico Garcia de Orta (1500-1568) a vir a Goa e prosseguir as suas pesquisas, escrevendo as conclusões em vários livros. Chegou a Goa em 1534 e foi médico de vice-reis e outros dignitários. Em reconhecimento dos seus serviços um vice-rei concedeu-lhe a ilha de Bombaim para continuar os seus trabalhos.

O grande escrito de Garcia de Orta, Colóquios dos Simples e drogas he Cousas Medicinais da Índia (Goa, 1563), fez dele "o primeiro escritor europeu sobre a medicina tropical e um pioneiro em farmacologia" (Cfr. Enciclopédia Britânica), dando a conhecer muitos trabalhos da Índia sobre fitoterapia e sua aplicação.

3.Também outros intelectuais, em particular missionários católicos, aplicaram a sua ciência aos processos de reprodução de algumas árvores de fruta de bom sabor, para as poderem ter em abundância. Foi o caso das mangas de alta qualidade, multiplicadas por via da enxertia. Na planta que nasce da semente é enxertado um pequeno ramo da variedade que se quer multiplicar, em condições de que o enxerto pegue e depois dê frutos. Por exemplo, mangas designadas de Alfonso, Malcorada, Monserrate, Fernandina ou Hilário... há agora aos milhares!.

Hoje os rebentos de diferentes variedades podem encontrar-se nas estações agronómicas, para cultivar onde se queira.

Processos de reprodução vegetal, para além da semente, foram desenvolvidos, para arbustos, conhecidos por clonagem. Hoje é usada nas videiras, para darem uvas sem grainha; em morangos, etc. Neste processo, um pequeno pedaço do ramo é colocada num meio nutritivo apropriado onde cria raízes e daí se desenvolve o arbusto que dará uvas ou morangos do mesmo tipo que a planta-mãe.

Este sistema é muito usado na Índia para se produzir uvas de mesa que são exportadas em grande quantidade, de Janeiro a Junho, em que a Europa não tem uvas (tem-nas de Setembro a Outubro). Isso possibilita uma temporada de exportação ampla e também consumo local.

4. Veio depois a Revolução Verde, começada no México e trazida para a Índia. Foi um passo importante para a auto-suficiência alimentar da Índia moderna. Foi o agrónomo norte-americano Norman Borlaug, prémio Nobel da Paz de 1970, quem iniciou a revolução Verde. Ele dedicou a vida a estudar como aumentar a produção de trigo e arroz, por meio da selecção de variedades mais produtivas e ao mesmo tempo resistentes aos excessos de calor e água. Fez um plano de cultivo, adubação, tratamento com pesticidas, irrigação, aprimorando e identificando as variedades e métodos mais promissores.

5. Hoje, junto com os sistemas para economizar a água, como a irrigação gota-a-gota, em países avançados a agricultura hidropónica está a ganhar popularidade. É amiga do ambiente e mais económica do que a agricultura convencional, pois não necessita de pesticidas, nem deixa resíduos. É uma técnica que utiliza a água como meio de cultivo substituindo o solo.

Em certos casos, para pequenas plantas forrageiras ou viveiros para transplante, podem-se cultivar em multicamadas, em pequenos espaços, com grande economia.

6. A agricultura aeropónica (um subconjunto da hidropónica) é outro processo de crescer as plantas no ar com uma névoa de nutrientes necessários à vida e ao crescimento. É usada em associação com a agricultura vertical, em torres, para ter a melhor produtividade, ao fazer-se em muitas camadas. Pode ser feita em estufas ou em espaços abertos.

7. Talvez o próximo passo seja a produção de espécies mais ricas em nutrientes, essenciais ao corpo humano, como o arroz dourado, enriquecido com vitamina A. Até agora, as modificações genéticas têm sido usadas na Índia para fins industriais, para a produção de fibras como o algodão, com claro aumento de produtividade.

A engenharia genética é amplamente utilizada no estrangeiro na plantação do milho, batata, etc., para consumo humano. Existem três tipos de Organismos Geneticamente Modificados: os da 1.ª geração resolveram um problema (a planta era resistente a uma doença), a 2.ª combinava duas ou mais vantagens (resistência a doenças e melhoria na qualidade ou produtividade, por exemplo); a 3.ª será utilizada para se ter um determinado produto medicinal, proteínas, etc.

Que efeitos os alimentos geneticamente modificados podem ter no corpo humano? Pode haver efeitos de longo prazo que são difíceis de antecipar hoje. Talvez com novas ferramentas, ainda por descobrir, possamos vir a ter mais certezas.

É importante manter activas as linhas de pesquisa para aumentar a produtividade da terra, sabendo que nutrientes o solo requer para cada uma das culturas praticadas. Continuar a I&D para que o país tenha sempre alimentos suficientes para a sua população, com um stock para emergências, vendendo o restante para países não suficientemente providos, como são os países do Golfo.

Professor da AESE-Business School (Portugal). Autor do livro O Despertar da India

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