Ibsen vai ao cinema

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Na altura em que O Pato Selvagem, numa encenação de Tiago Guedes, se despede do palco do Teatro D. Maria II, chega às salas de cinema uma adaptação da mesma peça de Henrik Ibsen. Esta coincidência, rara e feliz, exige--nos um breve pensamento sobre a atual relação entre o teatro e o cinema, que provavelmente nunca mais terá a expressão que teve noutros tempos. Consideremos obras seminais na ilustração deste vínculo como, por exemplo, a de Jean Renoir, Jacques Rivette ou Ingmar Bergman (deste último ficou conhecida a definição que fazia do teatro como a sua esposa fiel e do cinema como a amante exigente). A verdade é que, ao abrigo dos nossos dias, contam-se pelos dedos os realizadores formados pelo teatro, e por menos dedos ainda aqueles que conseguem trabalhar com justeza a dinâmica das fronteiras.

No panorama surge então, de modo quase impercetível, um encenador australiano, Simon Stone, debutante na realização, com este filme intitulado A Filha - a adaptação da sua própria adaptação de O Pato Selvagem, que tinha levado antes aos palcos. Não será pelo duplo ajustamento, mas o trabalho que nos chega tem, desde logo, o triunfo de uma linguagem dramática regulada pelo compasso cinematográfico. Simon Stone elabora a psicologia das personagens na correspondência com os espaços - sobretudo a floresta (com ângulos de câmara semelhantes aos de Terrence Malick) -, e da peça de Ibsen preserva apenas a coluna vertebral. A saber, um filho que regressa à casa do pai e se sente impelido a destruir uma "mentira vital" em nome do valor supremo da verdade. Com a revelação vem, claro, a tragédia.

Sendo uma transposição para a contemporaneidade, A Filha insinua-se como um objeto renovado, na linha da fatalidade teatral, e merece não passar despercebido numa semana em que as estreias se atropelam.

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