Qual é a importância do CEOM tanto para a marinha portuguesa como para a NATO? O Centro de Experimentação Operacional da Marinha é um centro que tem anexa uma zona tecnológica que foi a primeira criada em Portugal, a Zona Livre Tecnológica Infante D. Henrique. Nesse sentido, nós aqui temos capacidades de fazer experimentação operacional que promove o desenvolvimento de novas tecnologias de emprego marítimo. Essas tecnologias são tipicamente de duplo uso, ou seja, passíveis de dar resposta a necessidades não militares, mas também militares. Nós temos aqui acesso ao ambiente aéreo, ao ambiente de superfície, ao ambiente submarino e ao ambiente terrestre e, além disso, temos acesso ao deep sea, o mar profundo, pois temos aqui o canhão de Setúbal próximo. Tudo isto compõe o ambiente no qual nós promovemos experimentação operacional para desenvolver tecnologias emergentes e disruptivas com foco muito especial nos sistemas não tripulados de emprego marítimo..Tróia é, portanto, um sítio ideal para testar drones? O sítio é o ideal e, depois, além do sítio, há aqui um trabalho que tem vindo a ser feito desde 2010, quando começámos o exercício REPMUS, ao qual se foi juntando um conjunto de entidades e de partes interessadas internacionais. Neste momento, criou-se um grupo de interesse muito grande à volta disto no qual a Marinha Portuguesa se encontra numa posição central. Portanto, os outros países da Aliança, e não só, vêm aqui ao REPMUS, que é o maior exercício mundial de experimentação destas novas tecnologias. A própria NATO pediu-nos há dois anos para realizar o seu próprio exercício, o primeiro de experimentação operacional de sistemas, em conjunto com o REPMUS para beneficiar não só das instalações, mas também do know how, aprendendo com aquilo que já fazíamos no REPMUS e, portanto, juntando-se ao exercício. Neste ano acontece a segunda edição do Dynamic Messenger, o exercício da NATO que faz esta experimentação e eles estão aqui a fazê-la connosco..Estamos a falar de Portugal a liderar um processo altamente tecnológico, e além de termos aqui países da NATO muito avançados temos observadores como o Japão e a Coreia do Sul que todos nós associamos à alta tecnologia. Podem aprender com o que estamos a fazer aqui? Podem e estão a aprender. Os sistemas não tripulados no domínio marítimo são mais complexos, exigem uma capacidade de resiliência, de resistência ao ambiente, de articulação com os outros sistemas já tripulados, pois temos navios no mesmo espaço, o que faz com que seja mais difícil o desenvolvimento destas tecnologias. Sobretudo, o desenvolvimento da capacidade de operar sistemas num ambiente multidomínio que envolve ar, superfície e submarinos. Fazer isto tudo ao mesmo tempo é de uma complexidade grande, portanto não é de estranhar que empresas muito tecnológicas e países muito tecnológicos estejam aqui a participar ou a observar. É importante referir que quem participa tem acesso a um conjunto de informações que quem observa não tem..O facto de a Marinha, entre os três ramos, ser aquele que está a apostar mais nestas tecnologias tem que ver com as características do país, nomeadamente com o nosso vasto espaço marítimo? Uma das principais razões pelas quais a humanidade desenvolveu drones, sistemas não tripulados, foi a possibilidade de operar e desenvolver três tarefas que são os três D, que em inglês se diz "Dangerous, Dirty and Dull", ou seja, fazer tarefas perigosas onde os homens não podem ir, fazer tarefas em sítios sujos onde também não queremos ir e fazer tarefas muito longas e aborrecidas em que nós, ao final de um tempo, perdemos o foco. Contudo, hoje em dia, cada vez mais os sistemas não tripulados têm já também uma outra componente que é a de serem mais eficientes no desenvolvimento das suas tarefas e é neste sentido que nós precisamos muito destes sistemas para podermos ser capazes, com uma Marinha com o tamanho da que temos atualmente, de monitorizar os nossos espaços marítimos de forma eficiente e eficaz..Já estamos a ter maior capacidade por causa do que tem sido feito desde 2010? Nós temos apostado muito no desenvolvimento da tecnologia, na experimentação e no desenvolvimento de conhecimento. Estamos agora numa fase de aceleração para o emprego operacional mais efetivo destes sistemas. Para isso, a Marinha criou recentemente uma nova unidade que é a Unidade X31, que é quem federa o emprego de todos os sistemas não tripulados da Marinha. Neste momento, estamos, portanto, a acelerar esta capacidade operacional bebendo e sendo alavancados por todo o trabalho que fomos fazendo em termos de desenvolvimento tecnológico e experimentação..De um ponto de vista mais básico, para as pessoas perceberem, há drones aéreos, há drones de superfície e submarinos e há drones terrestres. Portugal tem todos? Temos todos e estamos a experimentar todos aqui ao longo do ano e neste exercício terrestres, de superfície, submarinos e aéreos. O chavão que nós usamos muito aqui é o MUS "maritime unmanned systems", o que para a NATO significa todos os drones que são passíveis de ser utilizados em operações marítimas, são drones marítimos. Mesmo que sejam terrestres ou sejam aéreos, desde que sejam drones utilizados em operações marítimas são "maritime unmanned systems". Portanto o REPMUS, o exercício, significa Robotic Experimentation and Prototyping Augmented by Maritime Unmanned Systems, sendo que estes maritime unmanned systems são, na realidade, de todos os domínios..Das várias ameaças possíveis abordadas no Dynamic Messenger vemos desde minas flutuantes até ataques a cabos submarinos. No caso de um país como Portugal, a proteção contra ataques a cabos submarinos é uma prioridade? É claramente uma prioridade para o país porque nós temos aqui vários cabos submarinos que atravessam os nossos espaços. Portugal e a Europa estão altamente dependentes do fluxo de dados sobretudo pelos cabos submarinos. Esse fluxo de dados impacta não apenas a troca de informação, mas inclusivamente as transações financeiras são feitas diariamente utilizando este meio e, portanto, qualquer disrupção nestes cabos terá um impacto muito grande na nossa sociedade..É uma das vertentes do exercício a que estamos agora a assistir? Essa é uma das vertentes do exercício a que estamos a assistir e, mais, tendo em conta a dimensão da tarefa, porque a quantidade de cabos é enorme, os espaços envolvidos e a área debaixo de água, dificilmente conseguiríamos fazer essa monitorização sem o recurso a tecnologias muito modernas que passam pela acústica e por outros sistemas. Portanto é uma área em que nós temos de continuar a desenvolver capacidades e a investir..Portanto, Portugal, mesmo na NATO, para defender a sua soberania e os seus interesses tem de ter uma capacidade autónoma. É uma oportunidade para a indústria? Esta é uma oportunidade única para desenvolver a indústria nacional que produz drones, que produz inteligência artificial, que produz engenharia de alto valor acrescentado e essa é uma das áreas em que nós temos ficado para trás. Neste momento estamos aqui numa situação em que estamos a trabalhar com os melhores do mundo nesta área e a nossa indústria deve tirar partido disto. Devemos criar indústrias que resolvam estes problemas e como são problemas novos é mais fácil. Porquê? Porque não há indústria legacy que possa competir nestas novas áreas. Portanto, nós conseguimos com start-ups e pequenas indústrias alavancá-las e pô-las, num curto período de tempo, a fazer coisas muito importantes e interessantes para os outros utilizadores que têm os problemas e isso é importante para o país. E ainda conseguimos reter cérebros cá, malta que formamos naqueles cursos mais procurados e podia ir trabalhar para o exterior..Portanto, será defender a soberania de outra forma? Claro. Há a necessidade de utilizarmos isto para criarmos aqui um hub tecnológico à volta deste domínio, que coloque Portugal na linha da frente também em termos económicos para não termos de comprar tudo lá fora. Se formos ver, as nossas indústrias navais são muito na base do aço, de fazer navios, enquanto outros países fazem o recheio, mas os navios valem 5% ou 10%, o que está lá dentro é que vale. É um processo que temos de inverter..leonidio.ferreira@dn.pt