Human Rights Watch critica silêncio de Guterres sobre Jogos Olímpicos de Pequim

Diretor executivo da Human Rights Watch critica António Guterres, que deve deslocar-se aos Jogos Olímpicos de Inverno, "por ter ficado completamente calado e por se ter recusado a criticar o governo chinês".
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Pequim está a usar os Jogos Olímpicos de Inverno para mascarar o "terrível balanço" em matéria de direitos humanos disse esta quinta-feira o diretor executivo da Human Rights Watch condenando o silêncio de António Guterres.

"O governo chinês utiliza claramente os Jogos de Pequim para branquear ou mascarar, através do desporto, a terrível repressão", acusou Kenneth Roth em entrevista à France Presse no dia em que é publicado o relatório anual da organização governamental sobre violações de direitos humanos em todo o mundo.

Para Kenneth Roth "mais países" devem recusar o envio de representantes governamentais aos Jogos Olímpicos de Inverno e condena o silêncio do secretário-geral das Nações Unidas sobre o assunto.

Na entrevista, Kenneth Roth critica António Guterres, que deve deslocar-se aos Jogos Olímpicos de Inverno, "por ter ficado completamente calado e por se ter recusado a criticar o governo chinês".

Os Estados Unidos, a Austrália, o Canadá e o Reino Unido anunciaram que não vão enviar representantes oficiais aos jogos "por causa do genocídio em curso e de crimes contra a humanidade de Xinjiang e de outras violações contra os direitos humanos".

Apesar da medida política e diplomática, os atletas desses países vão participar nas competições.

Kenneth Roth considera que os países "não podem simplesmente fazer de conta que está tudo normal. Pelo menos, a comunidade internacional deve juntar-se no boicote diplomático nestes jogos", frisou.

Para o responsável pela Human Rights Watch (HRW) os financiadores também devem demonstrar o mesmo tipo de atitude "em vez de ajudarem a mascarar a situação e devem denunciar o que se passa em Xinjiang".

A organização não-governamental com sede nos Estados Unidos acusa o regime comunista de manter mais de um milhão de cidadãos de origem uigure em campos de reeducação política.

Pequim tem reagido às acusações referindo que são "centros de formação profissional" destinados a afastar a população da radicalização, na sequência de atentados atribuídos aos islamistas e separatistas uigures.

Kenneth Roth criticou igualmente a empresa do magnata Elon Musk cuja companhia automóvel Tesla anunciou a abertura de uma concessão na província de Xinjiang.

"Cada empresa deve fazer o possível para não legitimar a repressão exercida pelo governo chinês", disse, acrescentando que a Tesla está a "ir totalmente 'contra a corrente'".

Pelo contrário, Kenneth Roth saudou a recente legislação norte-americana que proíbe todas as importações de Xinjiang a não ser que os importadores possam provar que os produtos não foram manufaturados através de trabalho forçado.

A HRW apela a outros países a adotarem a mesma medida e espera que muitos países demonstrem disposição para criticar a República Popular da China nas Nações Unidas.

Na mesma entrevista, Kenneth Roth expressa esperança de que o Alto Comissariado das Nações Unidos para os Direitos Humanos venha a divulgar em breve um relatório sobre Xinjiang.

A HRW expressou grande preocupação com a crescente supressão de direitos humanos na China, comparando no relatório anual o poder exercido pelo Presidente Xi Jinping aos períodos mais duros do regime comunista.

"Um governo semelhante de um 'só homem' levou anteriormente à desastrosa Revolução Cultural do Partido Comunista Chinês (1966-1976) e ao 'Grande Salto em Frente' (campanha de coletivização forçada de 1958), que matou milhões de pessoas", indica a organização Human Rights Watch no seu relatório anual referente a 2021 divulgado hoje, sem nomear o primeiro presidente da República Popular da China, Mao Tsé Tung.

No documento, a organização reitera as preocupações que tem expressado sobre os ataques contra os direitos humanos e liberdades civis na Região Administrativa Especial de Hong Kong e acusa o regime comunista de "crimes contra a humanidade" na província de Xinjiang.

O relatório assinala que estão a cometer-se crimes contra a humanidade "como parte de um ataque generalizado e sistemático contra uigures e outros muçulmanos turcófonos em Xinjiang", incluindo os abusos "detenções arbitrárias, torturas, desaparecimentos forçados, vigilância em massa, 'perseguição cultural' e religiosa, separação de famílias, transmigração forçada, trabalho forçado e violência sexual".

A resposta da União Europeia às crises migratórias é fortemente criticada pela Human Rights Watch no relatório, sublinhando a organização que a devolução de migrantes à Líbia foi considerada possível crime contra a humanidade.

União Europeia [UE] e os Estados-membros continuaram, [em 2021], a cooperar com a Líbia, para facilitar as intercetações [de migrantes] no mar e devoluções, apesar dos riscos conhecidos de detenção arbitrária, tortura e outros abusos" naquele país, acusou a HRW, lembrando que a ONU já "disse que os atos desumanos contra os migrantes da Líbia podem constituir crimes contra a humanidade".

O relatório da organização dos direitos humanos relativo ao ano passado cita também dados das Nações Unidas para referir que "mais de 103.889 pessoas entraram ilegalmente na UE até meados de novembro de 2021, a maioria por mar, mas pelo menos 1.319 morreram ou desapareceram no Mediterrâneo", o que representa um número quase tão elevado como em todo o ano 2020 (1.401).

Além disso, "pelo menos 27 551 pessoas - muito mais do que o dobro do total de 2020 - foram devolvidas à Líbia nos primeiros 10 meses de 2021", sublinha a HRW, defendendo ser necessário também investigar "a responsabilidade de outros países".

O relatório adianta que, apesar dos apelos dos comissários para os direitos humanos do Conselho da Europa e da ONU para que a UE promova a busca e salvamento de pessoas no Mediterrâneo e os Estados deixem de obstruir o trabalho das organizações não governamentais de resgate, "em setembro, apenas cinco navios de resgate tinham permissão para operar" e várias organizações alegaram que Itália e Malta continuavam a obstruir a entrada de migrantes nos seus portos.

Critica é também a agência de guarda de fronteiras da UE, a Frontex, por "não ter tomado medidas para impedir expulsões ilegais", como concluiu uma investigação do Parlamento Europeu que, entretanto, congelou parte do orçamento da agência até que esta melhore o cumprimento dos direitos humanos.

A HRW censura especificamente três países da UE - Lituânia, Letónia e Polónia -- por "declararem estado de emergência, enviarem militares e empurrarem ilegalmente migrantes de volta para a Bielorrússia", alegando que este país estava a facilitar a entrada de pessoas, incluindo iraquianos e afegãos, no espaço comunitário.

Segundo a organização, os Estados europeus em causa falharam na obrigação de prestar assistência a grupos de requerentes de asilo encurralados na fronteira da Bielorrússia, mesmo depois de a situação se ter agravado significativamente em novembro, "com milhares de pessoas a viver na rua sob temperaturas negativas".

As críticas da HRW dirigem-se a outras respostas de países da UE face às tentativas de entrada na Europa de refugiados ou migrantes.

"Os Estados-membros da UE retiraram de Cabul milhares de afegãos após a tomada do poder pelos talibãs, em agosto, mas posteriormente concentraram-se em manter as pessoas em países vizinhos", lamenta a organização.

Os membros da UE "não avançaram com nenhuma medida concreta para acolher e integrar quem fugiu do Afeganistão", adianta.

A HRW refere ainda a "devolução sumária" por Espanha de milhares de pessoas, "incluindo crianças desacompanhadas", depois de, em 24 horas, cerca de 10.000 migrantes terem entrado na cidade autónoma de Ceuta, no norte de África, alegadamente ajudadas por Marrocos.

Os Estados-membros da União são ainda criticados pelo aumento da discriminação e dos crimes de ódio contra migrantes e ciganos alimentado pela pandemia de covid-19.

A HRW considera "inadequadas" e "passíveis de exacerbar abusos" as respostas dos governos ao racismo, violência e discriminação, afetando mulheres, etnias e minorias religiosas, pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgénero e pessoas com deficiência.

Os Estados Unidos continuam a violar direitos humanos em termos de justiça racial, tendo as injustiças aumentado com o impacto da pandemia de covid-19, acusa a organização Human Rights Watch (HRW) no seu relatório anual hoje divulgado.

"Os Estados Unidos continuam a não cumprir os seus compromissos relativos aos direitos humanos, principalmente na área da justiça racial, conforme se vê pelo fracasso do país em acabar com o racismo sistémico ligado aos legados da escravidão", afirma ainda a organização de direitos humanos no documento.

As minorias étnicas, acrescenta, continuam sujeitas a "estruturas abusivas de encarceramento, fiscalização da imigração e controlo social", além de se manter uma desigualdade económica entre negros e brancos, que registou até "um leve aumento" em 2021.

No relatório, que analisa a situação dos direitos humanos durante o ano 2021 em cerca de 100 países, a HRW conclui que a covid-19 "aprofundou as injustiças raciais existentes na saúde, habitação, emprego, educação e acumulação de riqueza" das comunidades negras, latinas e nativas norte-americanas.

Estas comunidades "foram desproporcionalmente sobrecarregadas pelos impactos negativos" da pandemia, adianta.

Nota que a pobreza dessas comunidades registou "uma diminuição geral, devido a estímulo financeiros e auxílio no desemprego", mas que a "diferença de riqueza entre negros e brancos ainda é tão grande como em 1968".

Além disso, os "crimes de ódio contra pessoas de ascendência asiática e pessoas negras aumentaram significativamente em 2021 em comparação com os níveis de 2019", sublinha a HRW.

Ainda assim, a organização admite que os Estados Unidos deram "passos positivos em matéria de direitos humanos" durante o ano passado, com a administração do Presidente Joe Biden e o Congresso a "defender os direitos das mulheres e lésbicas, gays, bissexuais, transgénero e intersexuais, que foram enfraquecidos durante a administração anterior".

Esta melhoria confirma as esperanças avançadas pela HRW no relatório referente ao ano 2020, quando considerava que os quatro anos de Donald Trump como Presidente dos Estados Unidos tinham sido "um desastre" para os direitos humanos e manifestava esperança numa mudança de paradigma com Biden.

No entanto, mesmo com esta evolução positiva, a HRW critica não só a manutenção de um desequilíbrio racial no país, mas também que o país continue a registar a maior taxa de reclusos do mundo, com "quase dois milhões de pessoas detidas em prisões estaduais e federais e vários milhões em liberdade condicional".

Também nesta matéria se notam discriminações raciais, indica a organização, referindo que "apesar de algumas reduções nas taxas de reclusão de pessoas negras, esta comunidade continua a ser amplamente maioritária nas prisões".

As prisões, critica a HRW, "falharam em fornecer proteção suficiente contra a infeção por covid-19" e "um terço de todos os reclusos contraiu o vírus, tendo mais de 2.700 morrido".

Além disso, a administração Biden também foi uma deceção para a HRW no que concerne às políticas de migração.

"Apesar das promessas feitas durante a campanha presidencial, a administração Biden manteve as políticas da era Trump, que negavam acesso a asilo nas fronteiras dos EUA", refere o relatório.

A administração Biden expulsou mais de 750 mil migrantes alegando razões ligadas à saúde pública. Estas expulsões afetaram sobretudo negros, indígenas e latinos, particularmente da América Central, África e Haiti, que, segundo a HRW, foram alvo de "tratamento discriminatório".

As expulsões "colocaram os migrantes em perigo, com milhares a serem sujeitos a sequestros, violações, agressões, extorsões e outros abusos", aponta a organização

O relatório da Human Rights Watch sobre a situação dos direitos humanos em cerca de 100 países é hoje apresentado em Genebra.

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