Na última quarta-feira, o apresentador de TV Luciano Huck disse desejar "conectar-se e ouvir as pessoas", "trazer a esperança de volta" e "resgatar a autoestima dos brasileiros". Mas o que parecia o esboço de um programa de candidato à presidência da República, era afinal o esboço de um programa de domingo da TV Globo. "Será um privilégio enorme ocupar o horário do Faustão", concluiu o ex-presidenciável, referindo-se ao colega que vai substituir da emissora..O titular, por enquanto, dos sábados da Globo, com o "Caldeirão do Huck", somava nas sondagens à volta de 4%, dependendo dos institutos de pesquisas, um registo que, não sendo impressionante, o colocava entre os mais bem colocados para representar a "terceira via", o conjunto de pessoas e sensibilidades que visa romper, pelo centro, o favoritismo do atual presidente, Jair Bolsonaro, e do chefe de estado de 2003 a 2010, Lula da Silva..Para já, o grupo limita a sua ação a contactos regulares por WhatsApp e a um texto, chamado "Manifesto Pela Democracia", lançado no dia 31 de março pelo líder da iniciativa, o ex-ministro da Saúde e presidenciável Luiz Henrique Mandetta, e assinado pelos também presidenciáveis Ciro Gomes (PDT), Eduardo Leite, João Doria (ambos PSDB), João Amoêdo (Novo) e Luciano Huck, o substituto de Faustão..O abandono do comunicador é mais um grande golpe enfrentado pela "terceira via", depois do afastamento, ainda não oficial, de Sergio Moro, ex-juiz da Operação Lava Jato e ex-superministro da Justiça e da Segurança Pública de Bolsonaro. Mesmo depois de ter sido considerado parcial pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos julgamentos de Lula, o hoje quadro de uma empresa americana ainda aparece com registos em torno de 7% nas sondagens..E na semana passada tinha sido Amoêdo, surpreendente quinto mais votado em 2018 e outro dos signatários do "Manifesto Pela Democracia", a desistir da corrida, por causa de uma briga interna do seu partido defensor do liberalismo económico, o Novo.."A saída do Huck, assim como a do Moro, que obviamente não se vai candidatar, e de outros é resultado do regresso de Lula ao cenário", interpreta o cientista político Alberto Carlos Almeida, autor dos best sellers A Cabeça do Brasileiro (2007) e O Voto do Brasileiro (2008).."No momento em que o juiz do STF, Edson Fachin, viabilizou a candidatura de Lula ficou muito difícil qualquer corrida mais descentralizada porque quem disputa a eleição presidencial no Brasil são nada menos que o presidente no cargo, alguém conhecido de todo o eleitorado, porque já disputou uma eleição e tem o nome nos media o dia inteiro, e um antigo presidente que passou oito anos no Planalto e se despediu com uma avaliação positiva do eleitorado muito elevada", diz ao DN..Para Almeida, "essa disputa entre presidente e antigo presidente é muito densa, de grande envergadura, que dificulta a entrada de qualquer outro concorrente". Huck, por força da sua atividade como apresentador da TV Globo, tinha a popularidade; mas não a consistência política..No jornal O Estado de S. Paulo, a colunista Eliane Cantanhêde escreveu no mesmo sentido: "A desistência de Luciano Huck de concorrer à presidência da República já esperada há pelo menos dois meses, reforça que a política não é para amadores". "Com opções de centro secando, cresce a polarização Lula-Bolsonaro", conclui.."Depois de meses reclamando que Bolsonaro e Lula incentivam a polarização para manter as suas bases acesas e assim evitar que um novo concorrente quebre essa dicotomia, a "terceira via" preferiu perder o jogo por WO [siga para Walk Over, similar a desistência]", defendeu o articulista Thomas Traumann, na revista Veja..Mas ainda sobram Ciro Gomes (6% nas sondagens e terceiro mais votado na última presidencial), Doria (3%), que disputa primárias no PSDB com Eduardo Leite, ou Mandetta (2%). A saída de cena de Huck (e de Moro e de Amoêdo) não pode ser boa notícia para eles?."Não", responde, sem desvios, Alberto Carlos Almeida. "Boas notícias para Ciro, para Doria, para Mandetta e para os outros serão só a inviabilização da candidatura do Lula, por alguma decisão judicial, ou a debacle completa da candidatura de Bolsonaro por causa de uma crise económica, em cima da sanitária, ou de uma crise hídrica, com apagões, enfim, algo que fizesse a aprovação dele, em torno dos 25 a 30% hoje, cair abaixo de 20%, de resto eles não terão boas notícias até 2022"..Mesmo assim, horas depois do abandono de Huck, a "terceira via" reuniu-se ao almoço em Brasília na última quarta-feira, para tentar transformar a geringonça do centro político brasileiro num projeto palpável..Uma geringonça porque o DEM, partido de Mandetta, ainda não decidiu se é oposição, como o ex-ministro da Saúde defende, ou apoiante de Bolsonaro em 2022, como parece inclinado a pregar o presidente do partido, Antônio Carlos Magalhães Neto; porque o MDB, de Michel Temer e companhia, inclina-se a cair novamente nos braços de Lula, mesmo que o trauma do impeachment de Dilma Rousseff ainda não tenha sido superado; e porque o PSDB está ainda a iniciar primárias, com Doria e Leite e mais dois nomes como pré-candidatos..Lula e Bolsonaro agradecem..JAIR BOLSONARO.Atual presidente da República.Candidato à reeleição, mantém base de apoio em torno de um quarto do eleitorado, apesar da rejeição ao seu nome ter batido recordes por causa da condução da pandemia..LULA DA SILVA.Presidente de 2003 a 2010.Saiu do Planalto em 2010 com 80% de aprovação e lidera as sondagens, com folga, mas, tal como Bolsonaro, o seu nome é rejeitado por largas fatias da população..CIRO GOMES.Terceiro mais votado em 2018.Único presidenciável assumido e com um partido, PDT, a trabalhar para si, tenta ser visto como legítimo representante da "terceira via". Mas as sondagens não ajudam, para já..JOÃO DORIA.Governador de São Paulo.Ainda tem de vencer as primárias no PSDB a Eduardo Leite, fazer o eleitorado crer que, sem ele, o país mal teria vacinas e só aí apresentar-se como "terceira via"..LUIZ HENRIQUE MANDETTA.Ex-ministro da Saúde de Bolsonaro.Ganhou popularidade no início da pandemia, defendendo a ciência, mas não tem a densidade dos outros nomes. E o seu partido, DEM, ainda não decidiu se é oposição ou não ao governo.