Huck não avança em 2022. Duelo restrito a Bolsonaro contra Lula

Apresentador, dado como presidenciável, prefere substituir o colega Faustão, na TV Globo, a Bolsonaro, no Planalto. Soma-se a Moro, outro <em>outsider</em> já fora da corrida. Duelo restrito ao atual presidente e a um antigo, Lula, cada vez mais provável
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Na última quarta-feira, o apresentador de TV Luciano Huck disse desejar "conectar-se e ouvir as pessoas", "trazer a esperança de volta" e "resgatar a autoestima dos brasileiros". Mas o que parecia o esboço de um programa de candidato à presidência da República, era afinal o esboço de um programa de domingo da TV Globo. "Será um privilégio enorme ocupar o horário do Faustão", concluiu o ex-presidenciável, referindo-se ao colega que vai substituir da emissora.

O titular, por enquanto, dos sábados da Globo, com o "Caldeirão do Huck", somava nas sondagens à volta de 4%, dependendo dos institutos de pesquisas, um registo que, não sendo impressionante, o colocava entre os mais bem colocados para representar a "terceira via", o conjunto de pessoas e sensibilidades que visa romper, pelo centro, o favoritismo do atual presidente, Jair Bolsonaro, e do chefe de estado de 2003 a 2010, Lula da Silva.

Para já, o grupo limita a sua ação a contactos regulares por WhatsApp e a um texto, chamado "Manifesto Pela Democracia", lançado no dia 31 de março pelo líder da iniciativa, o ex-ministro da Saúde e presidenciável Luiz Henrique Mandetta, e assinado pelos também presidenciáveis Ciro Gomes (PDT), Eduardo Leite, João Doria (ambos PSDB), João Amoêdo (Novo) e Luciano Huck, o substituto de Faustão.

O abandono do comunicador é mais um grande golpe enfrentado pela "terceira via", depois do afastamento, ainda não oficial, de Sergio Moro, ex-juiz da Operação Lava Jato e ex-superministro da Justiça e da Segurança Pública de Bolsonaro. Mesmo depois de ter sido considerado parcial pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos julgamentos de Lula, o hoje quadro de uma empresa americana ainda aparece com registos em torno de 7% nas sondagens.

E na semana passada tinha sido Amoêdo, surpreendente quinto mais votado em 2018 e outro dos signatários do "Manifesto Pela Democracia", a desistir da corrida, por causa de uma briga interna do seu partido defensor do liberalismo económico, o Novo.

"A saída do Huck, assim como a do Moro, que obviamente não se vai candidatar, e de outros é resultado do regresso de Lula ao cenário", interpreta o cientista político Alberto Carlos Almeida, autor dos best sellers A Cabeça do Brasileiro (2007) e O Voto do Brasileiro (2008).

"No momento em que o juiz do STF, Edson Fachin, viabilizou a candidatura de Lula ficou muito difícil qualquer corrida mais descentralizada porque quem disputa a eleição presidencial no Brasil são nada menos que o presidente no cargo, alguém conhecido de todo o eleitorado, porque já disputou uma eleição e tem o nome nos media o dia inteiro, e um antigo presidente que passou oito anos no Planalto e se despediu com uma avaliação positiva do eleitorado muito elevada", diz ao DN.

Para Almeida, "essa disputa entre presidente e antigo presidente é muito densa, de grande envergadura, que dificulta a entrada de qualquer outro concorrente". Huck, por força da sua atividade como apresentador da TV Globo, tinha a popularidade; mas não a consistência política.

No jornal O Estado de S. Paulo, a colunista Eliane Cantanhêde escreveu no mesmo sentido: "A desistência de Luciano Huck de concorrer à presidência da República já esperada há pelo menos dois meses, reforça que a política não é para amadores". "Com opções de centro secando, cresce a polarização Lula-Bolsonaro", conclui.

"Depois de meses reclamando que Bolsonaro e Lula incentivam a polarização para manter as suas bases acesas e assim evitar que um novo concorrente quebre essa dicotomia, a "terceira via" preferiu perder o jogo por WO [siga para Walk Over, similar a desistência]", defendeu o articulista Thomas Traumann, na revista Veja.

Mas ainda sobram Ciro Gomes (6% nas sondagens e terceiro mais votado na última presidencial), Doria (3%), que disputa primárias no PSDB com Eduardo Leite, ou Mandetta (2%). A saída de cena de Huck (e de Moro e de Amoêdo) não pode ser boa notícia para eles?

"Não", responde, sem desvios, Alberto Carlos Almeida. "Boas notícias para Ciro, para Doria, para Mandetta e para os outros serão só a inviabilização da candidatura do Lula, por alguma decisão judicial, ou a debacle completa da candidatura de Bolsonaro por causa de uma crise económica, em cima da sanitária, ou de uma crise hídrica, com apagões, enfim, algo que fizesse a aprovação dele, em torno dos 25 a 30% hoje, cair abaixo de 20%, de resto eles não terão boas notícias até 2022".

Mesmo assim, horas depois do abandono de Huck, a "terceira via" reuniu-se ao almoço em Brasília na última quarta-feira, para tentar transformar a geringonça do centro político brasileiro num projeto palpável.

Uma geringonça porque o DEM, partido de Mandetta, ainda não decidiu se é oposição, como o ex-ministro da Saúde defende, ou apoiante de Bolsonaro em 2022, como parece inclinado a pregar o presidente do partido, Antônio Carlos Magalhães Neto; porque o MDB, de Michel Temer e companhia, inclina-se a cair novamente nos braços de Lula, mesmo que o trauma do impeachment de Dilma Rousseff ainda não tenha sido superado; e porque o PSDB está ainda a iniciar primárias, com Doria e Leite e mais dois nomes como pré-candidatos.

Lula e Bolsonaro agradecem.

JAIR BOLSONARO

Atual presidente da República

Candidato à reeleição, mantém base de apoio em torno de um quarto do eleitorado, apesar da rejeição ao seu nome ter batido recordes por causa da condução da pandemia.

LULA DA SILVA

Presidente de 2003 a 2010

Saiu do Planalto em 2010 com 80% de aprovação e lidera as sondagens, com folga, mas, tal como Bolsonaro, o seu nome é rejeitado por largas fatias da população.

CIRO GOMES

Terceiro mais votado em 2018

Único presidenciável assumido e com um partido, PDT, a trabalhar para si, tenta ser visto como legítimo representante da "terceira via". Mas as sondagens não ajudam, para já.

JOÃO DORIA

Governador de São Paulo

Ainda tem de vencer as primárias no PSDB a Eduardo Leite, fazer o eleitorado crer que, sem ele, o país mal teria vacinas e só aí apresentar-se como "terceira via".

LUIZ HENRIQUE MANDETTA

Ex-ministro da Saúde de Bolsonaro

Ganhou popularidade no início da pandemia, defendendo a ciência, mas não tem a densidade dos outros nomes. E o seu partido, DEM, ainda não decidiu se é oposição ou não ao governo.

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