Hotéis atingem receita recorde com estrangeiros
As nuvens na economia já se desenham no céu, mas o turismo continua a resistir ao impacto da conjuntura inflacionista. O ano continua a ser de recordes para o setor e os hotéis cheios não deixam margem para dúvidas. Os preços aumentaram, em média, 10% face ao ano passado nas unidades hoteleiras inquiridas pelo DN/Dinheiro Vivo que garantem que as tarifas mais elevadas não têm afastado os hóspedes. Ainda assim, a carteira dos portugueses já começa a ficar mais leve e é nos estrangeiros que assenta a estratégia para levar avante o caminho de crescimento.
"No período do verão verificámos uma contração de 12% do mercado nacional com maior incidência nos hotéis do Algarve. É um cliente mais sensível ao preço e está a alterar o seu padrão de consumo. Um bom exemplo é que considerando as reservas que temos para setembro, a retração no mercado nacional para o período do verão diminui para 5%. Isto é um indicador de que há portugueses que optaram este ano por fazer férias mais tarde porque vão encontrar preços mais competitivos num período em que temos assistido a verões quentes até mais tarde", explica o diretor comercial da Amazing Evolution, Pedro Dias de Sousa. O grupo de gestão hoteleira, cujo portefólio integra mais de 20 unidades, destaca o aumento do número de turistas estrangeiros, em especial os norte-americanos que, este ano, pesaram mais 54% na operação. Já o Reino Unido cresceu 6% e o mercado espanhol 9%. Por outro lado, os turistas alemães estão a escolher menos Portugal para passar férias o que representou uma quebra de 25% deste mercado na operação do grupo.
Considerando também o arrefecimento do mercado interno, é preciso afinar agulhas e olhar para os emissores que estão dispostos a gastar dinheiro no país. "A diferença do poder de compra dos portugueses quando comparado com países do norte da Europa ou dos Estados Unidos já é alto e mais se agrava em tempos de crise económica e de inflação elevada. Nesse sentido, é necessário um trabalho de formiga por parte do departamento comercial em captar novos mercados com maior poder de compra, garantindo assim um efeito de substituição", indica o responsável. Também a norte, o hotel manager do Yotel Porto assume que à espreita está "um abrandamento na procura, sobretudo devido ao aumento dos preços médios e da menor capacidade de compra dos portugueses", e concorda que a captação dos turistas externos permitirá manter o negócio à tona.
"Acreditamos que se o setor se ajustar a nível de preço a procura não sofrerá oscilações drásticas. O mercado estrangeiro é essencial para o desenvolvimento do turismo. Com a abertura de novas rotas aéreas para a cidade do Porto possibilitamos um aumento da procura. É expectável que, desta forma, o mercado americano continue a crescer e que o mercado asiático volte a crescer face ao alívio das restrições existentes até então", estima Manuel Carneiro.
O mesmo cenário é partilhado pelo diretor de Business Development Portugal & Head of Resorts para a Europa do Sul da Minor Hotels. Hélder Marcelino espera que a procura dos portugueses se consiga manter estável embora admita que possam existir "ajustes corretivos". Mas as fichas têm de ser colocadas em quem vem de fora. "O mercado internacional continua a ser essencial, países como Reino Unido, Estados Unidos, Brasil e restantes mercados de proximidade na Europa serão determinantes para a continuação da boa performance e tendência de crescimento para o destino Portugal", indica o porta-voz do grupo que detém os hotéis Tivoli.
Com mais de uma dezena de hotéis de norte a sul do país, a Stay Hotels conta também com os estrangeiros como os principais protagonistas nas reservas. "Com a inflação, o poder de compra é inevitavelmente afetado e sabemos que isso poderá afastar o mercado nacional. Os turistas estrangeiros ocupam a maior percentagem dos nossos hóspedes nos meses de verão, portanto, se num cenário normal a sua importância já é elevada, neste cenário é ainda mais significativa. Continuamos a registar muita procura por parte dos hóspedes oriundos do mercado internacional e é neste período de verão que se reflete uma maior procura pelos nossos hotéis por parte do público estrangeiro proveniente de países como Espanha, França e Brasil", sublinha o grupo.
Já no Hyatt Regency Lisboa, inaugurado em setembro de 2022, a principal fatia de clientes é oriunda de outros países e assim se deverá manter. "Como fazemos parte de uma cadeia internacional, estamos a entrar lentamente no mercado nacional. O mercado internacional continua a crescer, apesar do aumento significativo dos preços dos voos, da limitação dos voos, do aumento dos custos de alojamento e de outras atividades de lazer. O mercado internacional é o nosso principal motor de receitas e a queda no mercado nacional não nos afetará drasticamente", atesta o diretor-geral, Javier Soler Muñoz.
Olhando para as ilhas, nos Açores as contas não são diferentes. "Há, em termos gerais, uma grande vontade de descobrir os Açores e, por isso, não sentimos ainda uma quebra significativa por parte dos portugueses. No entanto, antevemos um abrandamento na procura global por parte de viajantes nacionais, devido à perda de poder de compra decorrente do aumento das taxas de juro", aponta o administrador executivo da Bensaude Turismo. "Na época alta, os mercados emissores internacionais são os que apresentam maior proporção de dormidas, ao contrário da época baixa, em que domina o mercado nacional. Estados Unidos, Alemanha, Canadá, Reino Unido, Espanha e França são os principais mercados emissores internacionais. Fruto da melhoria da conectividade aérea com os Estados Unidos, este mercado tem apresentado um crescimento significativo. Também a Alemanha tem vindo a recuperar gradualmente", acrescenta Jorge Aguiar. "É absolutamente crítico dar continuidade e consolidar o trabalho que tem vindo a ser feito nesta matéria devido à importância e à criticidade da conectividade aérea, preferencialmente ponto a ponto, e alargando progressivamente as ligações às épocas média e baixa", defende.
Apesar dos desafios indicados, os indicadores apontam para mais um ano histórico nas tesourarias das empresas do turismo nacional. A procura não se tem retraído face ao aumento dos preços e as receitas continuam a subir. A Amazing Evolution assume um crescimento acumulado nas receitas de 22% face a 2022 à boleia de mais turistas (+17%) e do aumento dos preços médios (+10%). Olhando para o período pré-pandemia, o grupo regista já um aumento de 50% nas receitas. "O Algarve destaca-se como a região com melhor desempenho, com um notável aumento da procura, de 14%.
Isto indica a crescente popularidade do Algarve como destino sol e mar, o preferido entre os viajantes. O Alentejo também segue de perto esta tendência, apresentando um aumento de 13% na procura. Lisboa registou igualmente um crescimento positivo, embora ligeiramente inferior, de 10%. Apesar de toda a indefinição acerca do novo aeroporto e da saturação do existente, a capital ainda conseguiu este ano apresentar taxas de crescimento interessantes. Nas ilhas, tanto Açores como a Madeira registaram um crescimento moderado na procura, de cerca de 6%", detalha Pedro Dias de Sousa. No Yotel Porto as contas também são de somar, com as receitas a crescer 35% em comparação com o ano passado.
À semelhança de 2022, os hotéis esperam o prolongamento da época alta e traçam perspetivas otimistas nas reservas para os meses de setembro e outubro. Mesmo depois do verão, os turistas continuam a chegar ao país em força e o turismo de negócios está também a voltar a ganhar ritmo, garante a hotel manager do Sheraton Cascais Resort. "O segmento corporate/grupos está com uma ocupação alta nos meses de setembro, outubro e novembro. Destacamos também um aumento de procura por longas estadias, tanto para o hotel como para as nossas residências", indica Tânia Rodrigues.