Hospitais públicos têm 200 mil utentes à espera de uma cirurgia

A partir de janeiro unidades do SNS ficam inibidas de passar cheques-cirurgia para o privado e setor social
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Os hospitais públicos têm inscritos na lista para cirurgia 200 911 utentes, que terão de ser operados no SNS. O ministro da Saúde anunciou, na Assembleia da República, que a partir de 1 de janeiro do próximo ano os hospitais ficam inibidos de emitir cheques cirurgia para hospitais privados e do setor social, a não ser que provem que não há resposta adequada no público. A Associação dos Administradores hospitalares afirma que as unidades precisam de autonomia financeira e de contratação para poderem usar a capacidade instalada.

"Estamos em condições de anunciar a nossa intenção que a partir do dia 1 de janeiro de 2017 os hospitais públicos ficarão inibidos de emitir cheques para o setor convencionado, a não ser que se faça prova do interesse do doente critico em termos de não haver resposta pública adequada. Isto é bom porque dá aos hospitais públicos uma capacidade de remuneração aos seus profissionais de forma diferente, de os motivar e acentua o espírito de partilha entre os hospitais públicos", disse o ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, ontem na Comissão de Saúde.

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O objetivo é responder às necessidades dos doentes dentro do Serviço Nacional de Saúde. E não apenas nas operações. Ontem foram também assinados protocolos de afiliação entre hospitais das Administrações Regionais de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve para as áreas técnica, documentação e informação, formação e especialização, investigação e prestação de serviços de saúde. Como já acontece com o Hospital de Santa Maria que tem médicos a fazer consultas no Algarve.

No caso das operações, em maio, o ministério criou o programa de incentivos à atividade cirúrgica dentro do SNS, prevendo a possibilidade de os doentes serem transferidos para outro hospital público ao fim de três meses na lista de inscritos. Caberá aos hospitais onde o doente foi inscrito inicialmente pagar à unidade do SNS que faz a operação. Ou seja, um pagamento adicional por esse serviço. A metodologia inicial previa a realização de 20 mil cirurgias, o mesmo número que os hospitais privados e sociais operaram em 2015 com o vale cirurgia.

"Já existem 58 serviços de 17 hospitais do SNS que aderiram ao Programa permitindo-lhes receber transferências de outros hospitais para a resolução da lista de espera daqueles, numa ótica de partilha de recursos dentro do SNS", referiu a ACSS, adiantando que "neste momento estão em lista de inscritos 200 911 utentes". O Centro Hospitalar Lisboa Norte disse estar disponível para fazer 520 operações em produção adicional e o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra disse ao DN que se propôs a operar "mais 540 doentes/ano, estando a ser preparada a adesão de mais cirurgias em mais quatro serviços".

A ACSS disse que desde maio já emitiram "um total de 4231 notas de transferência entre hospitais do SNS" e reforçou que "a internalização desta atividade no SNS permitirá reduzir o tempo de resposta efetiva aos utentes, que assim são intervencionados ainda antes da emissão do vale para o convencionado". E que já foi possível reduzir os vales cirurgia emitidos este ano. O ministro falou em cerca de 9 mil emitidos entre janeiro e junho. No período homólogo foram 45 mil.

Será o SNS capaz?

Alexandre Lourenço, presidente da Associação de Administradores Hospitalares, salientou o sucesso do Sistema de Gestão de Listas de Espera para Cirurgia (SIGIC), criado em 2004, reconhecido pela OCDE. "Se o Ministério está convencido e assegura que os tempos de espera se mantém reduzidos sem recorrer aos convencionados, a associação não tem nada a apor. O mais relevante é conseguir o acesso à cirurgia em tempo útil. Acredito que existe capacidade instalada, mas é preciso que os hospitais tenham autonomia para contratação e financeira para equipamentos. Com a redução do tempo dos enfermeiros e dificuldades de pessoal, faltam anestesistas e outros especialistas. É difícil usar a capacidade instalada."

José Manuel Silva, bastonário dos Médicos, considerou a medida positiva. "O SNS deve internalizar os seus recursos e investir em si mesmo. Há mecanismos para aumentar os recursos disponíveis como repor as horas extra e pagar a cirurgia adicional ao SNS, o que pode contribuir para fixar profissionais." Ana Rita Cavaco, bastonária dos Enfermeiros, afirmou que a mudança só será possível se acompanhada "pela contratação de mais enfermeiros", sugerindo: "Porque não abrimos as consultas externas e o bloco operatório aos fins de semana? Só assim se consegue fazer alargar a atividade cirúrgica como deve ser." Guadalupe Simões, do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, afirmou que "não pode haver capacidade instalada e não ser usada. É preciso contratar mais, mas nunca foi por falta de enfermeiros, que fazem horas a mais, que não se rentabilizaram os blocos".

Manuel Lemos, presidente da União das Misericórdias, salientou que "o que se pretende é que o cidadão seja atendido rapidamente com qualidade. Se o ministro acha que é possível no SNS, ótimo. Já se experimentou no passado e não resolveu. Ao fim de algum tempo as listas de espera começaram a aumentar. Olhando para o envelhecimento da população e para uma medicina mais interventiva, a tendência é haver mais cirurgias". Para Artur Osório, presidente da Associação da Hospitalização Privada, será difícil o ministro conseguir aumentar a resposta do SNS "sem uma reforma estrutural", lembrando que "é preciso garantir que os utentes têm acesso ao tempo de espera correto".

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