Hong Kong/20 anos: Fosso entre ricos e pobres atinge nível histórico em quase meio século
Quem sobrevive com magros subsídios e sem pensão de reforma tem poucos motivos para celebrar.
O coeficiente de Gini -- indicador utilizado para medir o índice de desigualdade -- subiu para o valor mais elevado em 46 anos, fixado em 0.539, numa escala de zero a um, em que o zero representa a igualdade.
Os dados referentes a 2016 - divulgados este mês - indicam que 10% das famílias mais ricas, com uma mediana salarial na ordem dos 112.450 dólares de Hong Kong (12.882 euros), ganhavam 44 vezes mais do que 10% dos mais pobres, com 2.560 dólares de Hong Kong (293 euros).
O governo atribuiu a disparidade crescente ao aumento de pequenos agregados familiares e ao impacto adverso do envelhecimento da população, cujo número de idosos -- fixado em 1,16 milhões -- aumentou 2,6% em cinco anos, correspondendo a 15,9% da população total.
Com 7,3 milhões de habitantes, o centro financeiro que se mantém na liderança das economias mais livres do mundo esconde por detrás dos arranha-céus uma elevada desigualdade, e graves problemas de habitação, cujos preços superam largamente os vencimentos. O salário mínimo na antiga colónia britânica é de 34,5 dólares de Hong Kong (3,88 euros) por hora.
Segundo o mais recente relatório sobre a pobreza (Hong Kong Poverty Rate Report 2015), a metrópole asiática reduziu o número de pobres de 1,34 milhões (ou 570 mil agregados) para cerca de 970 mil pessoas (ou 390 mil famílias).
A taxa de pobreza baixou de 19,7% para 14,3%, mas as carências dos mais necessitados continuam expostas até nas zonas mais ricas da cidade, onde é possível ver idosos a recolher cartão das lojas para reforçarem o magro orçamento mensal e muitos à procura de alimentos nos caixotes do lixo.
O governo tem mais do que um apoio para a terceira idade, mas nenhuma pensão de reforma universal.
A única verba que chega a todos com idade igual ou superior a 70 anos é de 1.325 dólares de Hong Kong (150 euros). Os restantes são calculados com base no património dos candidatos, podendo ir até 3,435 dólares de Hong Kong (389,6 euros) por mês, segundo os aumentos que entraram em vigor este ano.
O Hong Kong Council of Social Service, que "há mais de 20 anos" luta por uma pensão de reforma universal, propôs uma reforma mensal de 3.500 dólares de Hong Kong (392 euros) para os residentes com idade igual ou superior a 65 anos, disse à agência Lusa Anthony Wong, da direção do organismo. Depois de várias discussões e consultas no ano passado, o plano acabou rejeitado.
"Eles citam sempre os exemplos da Europa ocidental para passarem a mensagem de que [o plano de pensões de reforma] é incomportável", disse.
"Mas para nós é realista porque temos uma população a envelhecer e muitas pessoas têm doenças crónicas. Muitos, mesmo na classe média, podem vir a sofrer uma grande doença que os vai fazer gastar todo o dinheiro e bens que acumularam ao longo da vida. E se gastam todo o dinheiro e de repente ficam pobres, o que é que podem fazer?", questionou.
"Com um plano de reforma, mesmo que fiquem muito pobres, pelo menos teriam uma pensão de reforma", justificou.
O Hong Kong Council of Social Service mantém o objetivo em cima da mesa, mas tem dúvidas em relação à concretização do plano de pensões de reforma no próximo mandato.
"Vamos continuar a lutar por isto, mas a questão é que a chefe do Executivo eleita [Carrie Lam] foi quem recusou avançar com a ideia, por isso não sei, mas vamos ver", disse Anthony Wong.
"Temos uma população envelhecida. (...) Atualmente, uma em cada cinco pessoas é idosa, mas daqui a 20 anos será uma em cada três. Por isso, se cerca de 30% [da população] tiver pelo menos 65 anos, é de esperar que nas próximas duas décadas haja muito mais pessoas na pobreza", afirmou.
Em maio, o número de casos de Assistência Integral à Segurança Social (CSSA, na sigla em inglês) era de 236.259, num total de 345.666 pessoas, segundo dados oficiais. Os idosos a receber apoios totalizavam 144.906 casos.