Homens que andam e comem mais depressa

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Defesa. Cinquentenário dos Falcões da Força Aérea Portuguesa

Pilotos militares de caça são especiais. Fazem parte da elite da Força Aérea

O coronel Eurico Craveiro é, entre os pilotos da Força Aérea Portuguesa (FAP) que têm o Falcão Peregrino como símbolo, um Sortudo: escapou duas vezes à morte no intervalo de uma hora, no ar e depois em terra.

A história do agora assessor militar do Presidente da República, também recheada de pormenores humorísticos que envolvem um pastor alentejano e até um telemóvel, é das que mais se transmitem entre as gerações dos pilotos de caça conhecidos como Falcões - e que hoje celebram, na base aérea de Monte Real (BA5, Leiria), 50 anos de existência.

A 25 de Julho de 1995, o major Eurico Craveiro foi o único dos quatro pilotos dos A-7P a conseguir descolar para uma missão de treino com aviões ingleses. Mas o motor parou pouco depois e teve de se ejectar, a cerca de 150 metros do solo. Arrastado pela ventania atrás do pára-quedas e através de um campo lavrado, conseguiu parar e ser transportado para a base aérea de Beja - onde ainda teve reflexos para evitar a caixa metálica que destruiu a maca onde estava deitado.

"Estava de barriga para cima e, felizmente, não me prenderam à maca. Quando a ambulância fez a curva para me levar ao Centro de Saúde, a caixa (pesava 80 quilos) caiu em cima de mim. Só que eu já não estava lá, tinha--me atirado para o chão. Nem queria acreditar: partiu a maca toda!", recorda Eurico Craveiro, acrescentando: "Não era o meu dia." Desde então, é chamado com frequência para dar aulas sobre segurança de voo.

Falcão-Mor

O tenente-coronel Luís Serôdio, nome de código "Elvis", comanda a esquadra 201 (caças F-16) e é, por inerência, o Falcão-Mor. "Esta é a melhor esquadra da FAP. É diferente: andamos mais depressa, comemos mais depressa, as horas de trabalho têm mais minutos", garante o tenente-coronel.

Brandão Ferreira, Falcão-Mor nos anos 1980, adianta: "As outras [esquadras] podiam não existir que só esta justificava a existência da Força Aérea." Mais, "somos a razão de ser da FAP, o ramo nobre, garantimos a [sua] independência", pois as outras componentes - transporte, vigilância - "podiam ser distribuídas pelo Exército e pela Marinha", enfatiza este tenente-coronel (reforma).

Os Falcões surgiram em 1958, tendo como primeiro Falcão-Mor o capitão Gualdino Moura Pinto - a voar no primeiro avião da FAP capaz de romper a barreira do som: os F-86 Sabre. Sob o lema "Guerra ou Paz tanto nos Faz", esses pilotos de caça escolheram o Falcão Peregrino - o bicho mais rápido do mundo e exímio caçador de aves - como símbolo da esquadra. Na época, o primeiro voo de um piloto nos F-86 era feito com o instrutor sentado na asa do avião até ao momento da descolagem - quando o instrutor decidia se era preferível regressar ao hangar.

O general Lemos Ferreira, então o nº2 dos Falcões e hoje o mais antigo dessa elite, realça a importância de ver as tradições do grupo "terem sido mantidas e transitado entre gerações". O general destaca em particular "a noção de camaradagem e do dever cumprido". Testemunho disso são as paredes do bar da 201, forradas com as fotos de quase todos os pilotos de caça - mais de 300 - da FAP.

É no gabinete do Falcão-Mor, onde está um falcão peregrino embalsamado, que se realiza o juramento de cada novo Falcão. A cerimónia secreta de iniciação - "sem rituais estranhos", assegurou "Elvis" - "é marcante, serve como aglutinador do espírito de corpo e dedicação total à missão", frisou Luís Serôdio. O acontecimento termina com a oferta de um lenço e um anel de prata (que passam a usar para sempre) com o símbolo dos Falcões. Hoje, conclui-se com a entrega do mais recente símbolo: o relógio dos 50 anos.

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