Homens e mulheres dos anos 60
Chegou recentemente ao mercado do DVD, depois de já ter passado na RTP2, a segunda temporada da série televisiva Mad Men, uma criação do produtor Matthew Weiner (a terceira já foi exibida nos EUA, estando a quarta agendada para começar no mês de Julho). Dizer que se trata de um dos mais notáveis acontecimentos da história recente da televisão, americana ou não, eis o que pode ser um resumo panfletário, mas esclarecedor, das suas qualidades. Em todo o caso, e apesar dos entusiasmos que suscitou, importa reconhecer que, entre nós, nunca foi um acontecimento capaz de gerar grandes convulsões mediáticas nem frequentes manchetes jornalísticas. Qualquer fait divers da cena política, de preferência envolvendo alguma forma de caricatura dos protagonistas, desencadeia mil vezes mais agitação do que um caso de excelência gerado pela própria televisão... O facto diz bem do vazio de pensamento com que, genericamente, encaramos e (não) pensamos a televisão que temos. É pena, quanto mais não seja porque Mad Men nasce de uma fascinante atitude criativa que implica, de uma só vez, os modelos de ficção do pequeno ecrã e a sua articulação com o património cinematográfico.
Centrada numa agência de publicidade de Nova Iorque, no começo da década de 60, a série começa por ser uma subtil evocação das convulsões sociais e simbólicas da época. E não apenas porque, de modo mais ou menos discreto, por ela vão passando alguns acontecimentos que ajudam a definir o imaginário daquele tem- po (por exemplo, um dos episódios da segunda temporada evoca, como uma espécie de assombramento, a morte de Marilyn Monroe, a 5 de Agosto de 1962). Também porque Mad Men é indissociável de uma delicada reflexão sobre algo que todas as te- lenovelas tratam com a mão pe- sada de um determinismo gros-seiro e moralista. A saber: as relações homens/mulheres e, mais especificamente, o entendimento plural, da intimidade conjugal aos espaços profissionais, da sexua- lidade.
Em última instância, Mad Men adopta como referência um período específico, especialmente rico, do melodrama de Hollywood. Essa inspiração decorre, desde logo, do prodigioso tratamento cenográfico, mas está para além do "visual": envolve, sobretudo, a revalorização das personagens femininas e a sua libertação dos estereótipos do olhar masculino. É um processo que, de forma sugestiva, podemos balizar entre Piquenique (1955), de Joshua Logan, com Kim Novak, e O Estranho Mundo de Daisy Clover (1965), de Robert Mulligan, com Natalie Wood. Através de tais filmes (e, em particular, das mulheres que protagonizaram as suas histórias) viveu-se a passagem de um modelo clássico de glamour para um novo universo de representação do feminino. Que no seu centro simbólico encontremos o fim trágico de Marilyn, eis o que diz bem da violência afectiva do que estava a acontecer. Mad Men percorre os êxtases e as dores de tudo isso.