Holanda dividida entre discurso da extrema-direita e a velha direita

Amanhã os holandeses vão às urnas para escolher os 150 deputados do seu Parlamento.
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Quem será o novo primeiro-ministro obriga a umas contas mais complicadas, devido ao complexo sistema político holandês, no qual quase todos os governos resultam de coligações. O PVV de Geert Wilders e o VVD do atual chefe do governo, Mark Rutte, têm liderado as sondagens, mas mesmo que o líder de extrema-direito saia vencedor, não é óbvio que consiga formar um executivo. Até porque durante a campanha todos os outros candidatos garantiram que não se coligarão com o PVV. Resta saber se teremos de esperar mais de 208 dias - o recorde de tempo na Holanda para formar um governo, datado de 1977.

Wilders: o conservador que se tornou a voz do populismo

Com a sombra do brexit a pairar sobre a Europa, a Holanda poderá trazer uma nova dor de cabeça à União Europeia se o partido de extrema-direita de Geert Wilders sair vencedor nas eleições gerais de amanhã. E esta é uma possibilidade real: o Partido para a Liberdade (PVV) tem liderado as sondagens nos últimos meses e, apesar de ter perdido terreno, ainda é o segundo preferido nas intenções de voto dos holandeses.

Esta popularidade do PVV deve-se a Geert Wilders, um eurocético e islamofóbico de 53 anos que tem como bandeiras de campanha a realização de um referendo sobre a saída da Holanda da União Europeia e o fim da "islamização" do país. "Geert Wilders é popular porque tem um discurso político muito islamofóbico, que já tivemos antes dele e que começou depois do 11 de Setembro, com o Pim Fortuyn, mas ele piorou-o", explicou ao DN o politólogo holandês Cas Mudde.

Com o slogan de campanha "A Holanda nossa outra vez", Wilders tem apelado ao fim da imigração muçulmana, à proibição das mesquitas e do Alcorão, bem como à saída da Holanda da União Europeia. Apelos que atraíram muitos eleitores descontentes com a política de fronteiras abertas e multiculturalismo, vendo-as como uma ameaça à identidade nacional. Entre outros, ganhou uma imagem de não confiável depois de desencadear o colapso do governo de minoria em 2012, obrigando a eleições.

"Ele não tem uma história de direita radical, saiu de um partido conservador, é muito bom político, é inteligente, sabe o que os seus eleitores querem, conhece os temas, conhece as fraquezas dos seus opositores e da imprensa", adianta Mudde, especialista em populismo.

Os conhecimentos que o líder da extrema-direita tem dos seus opositores e também dos media são aplicados de forma cirúrgica em seu proveito, como explica Cas Mudde: "Ele tweeta uma ou duas vezes por dia, pensa bem no que vai tweetar e os media seguem-no, é assim que ele domina as discussões. A vantagem disso é que estamos a falar dos temas dos quais ele quer falar, nos termos que ele quer. Ele não vai à televisão, ele não dá entrevistas... o que os media fazem é pegar no que ele tweeta e perguntar aos outros políticos o que pensam, o que é uma derrota para outros políticos."

Wilders iniciou a carreira política no VVD do agora primeiro-ministro Mark Rutte, chegando a deputado, mas o seu discurso anti-islâmico levou à sua expulsão do grupo parlamentar, acabando por desfiliar-se em 2004.

Foi também em 2004 que a vida de Wilders sofreu outra grande mudança, quando, na noite de 2 de novembro, vários polícias o levaram a ele e à mulher para um local seguro. Desde então tem vivido em casas seguras e com proteção 24 horas por dia contra militantes islamitas que o ameaçaram matar. O realizador Theo van Gogh tinha sido baleado, esfaqueado e quase decapitado por um militante islamita nessa manhã e Wilders, já então um grande crítico do Islão, era visto como o alvo seguinte.

Estes 13 anos de vida sob proteção policial ajudaram o líder populista a cimentar as suas convicções. "Já não me lembro como é atravessar a rua sozinho. Não desejo isto ao meu pior inimigo. Mas pelo menos sei o que me leva a fazer o que faço. A minha missão é garantir que a Holanda, ao contrário da minha vida, continua livre", disse em fevereiro.

No final de 2016, Wilders foi condenado por incitar à discriminação por, num comício em Haia, ter perguntado aos seus apoiantes se queriam "mais ou menos marroquinos na sua cidade e no país", tendo a plateia respondido "menos! menos! menos!". No arranque da campanha prometeu acabar com a "escumalha marroquina".

Perante a possibilidade de ganhar mas ficar fora do governo, Wilders previu uma "revolta" dos seus seguidores. Termo que recusou explicar e sobre o qual mais tarde recuou, garantindo que a sua "intenção era a de que a revolta não acontecesse". "Se os eleitores fizerem de nós um partido forte será difícil sermos ignorados, mas eles [os partidos tradicionais] vão tentar", disse. Caso o PVV fique fora do governo, Wilders garante que "seremos o partido de oposição mais forte que a Holanda jamais viu".

Rutte: o líder teflon que endureceu o discurso para conquistar votos

Mark Rutte, o atual primeiro-ministro, tem tudo para se tornar o primeiro chefe de governo holandês a levar até ao fim o mandato de um governo de coligação desde 1998. Um caso inédito e de sucesso, tendo em conta as diferenças ideológicas entre o seu Partido Popular para a Liberdade e Democracia (VVD), de centro-direita, e o Partido Trabalhista (PvdA), de centro-esquerda. E que poderá prolongar-se por mais cinco anos, se a liderança do VVD nas sondagens se confirmar em votos na quarta-feira e se Rutte conseguir formar uma nova coligação.

Conhecido pela alcunha de "primeiro-ministro teflon" ou "teflon Mark" - pelo facto de os escândalos e críticas parecerem passar sempre ao seu lado - e elogiado pela sua grande habilidade para construir relacionamentos, o líder do VVD tem tido também de lidar com o crescente sentimento nacionalista que tem tomado conta da Holanda, em grande parte estimulado pelo populista Geert Wilders, seu antigo colega de partido.

A política de austeridade levada a cabo pelo seu governo conduziu também a uma erosão do respeito de muitos eleitores pelos líderes dos partidos tradicionais porque esta atingiu mais duramente a classe média e os desfavorecidos, em vez dos mais ricos, alimentando uma perceção de injustiça e desigualdade que Wilders soube capitalizar. Esta austeridade trouxe consigo muito ressentimento - principalmente no que diz respeito aos cortes na saúde e nos cuidados aos idosos. Juntamente com o aumento da imigração, estes cortes reforçaram o sentimento de que a situação do país estava a piorar. No entanto, a economia holandesa está agora bem de saúde, com um nível de crescimento equivalente ao pré-crise, tendo crescido 2,1% em 2016.

"Mark Rutte tem reclamado para si quase todos os sucessos que foram bem aceites, e quando algo era impopular insinuava que se devia aos sociais-democratas", disse ao DN o politólogo holandês Cas Mudde.

Mas o sentimento de insatisfação levou o governo liderado pelo VVD a posicionar-se mais à direita e a adotar, nos últimos cinco anos, muitas das políticas de linha dura sobre imigração defendidas por Wilders.

O posicionamento mais à direita do líder do governo no que diz respeito à questão da imigração teve o seu ponto alto no final de janeiro, quando, através de uma mensagem de página inteira divulgada na imprensa, convidou a abandonar o país todos aqueles "que não estejam de acordo com os valores holandeses". "Comportem-se normalmente ou vão-se embora", dizia ainda a mensagem, uma clara tentativa de conquistar o eleitorado anti-imigração.

Uma aproximação de políticas e discursos que mesmo assim não leva Rutte a pensar numa possível futura coligação com o partido de extrema-direita. Aliás, o primeiro-ministro já disse que a probabilidade de isso acontecer é "zero". Quando o líder populista sugeriu que esta garantia poderia cair por terra se o PVV ganhasse no dia 15 de março, Rutte respondeu de forma categórica no Twitter: "Zero por cento, Geert. Zero por cento." Uma mensagem que tem ainda mais importância pelo facto de ter sido o primeiro tweet de Rutte na sua conta pessoal em seis anos.

"Políticos... dizem o que for. A grande promessa de Mark Rutte nas eleições de 2012 foi a de que não apoiaria um terceiro resgate à Grécia, o que acabou por fazer uns meses mais tarde. [Uma coligação] é altamente improvável, por causa da animosidade pessoal entre os dois, mas se não houver alternativa, poderá acontecer, tal como novas eleições, se a formação de uma coligação for muito problemática", declarou ao DN Cas Mudde.

Uma futura coligação liderada por Mark Rutte e sem Geert Wilders poderá ter de juntar cinco ou até mesmo seis partidos. O que implicará um grande trabalho de diplomacia para o atual primeiro-ministro - que nas últimas eleições apenas precisou dos trabalhistas para formar governo - pois terá de lidar com conservadores, cristãos de centro-direita, liberais centristas, trabalhistas de centro-esquerda ou socialistas e ecologistas.

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