"Hoje o primeiro valor é o eu. Isso fragiliza as democracias, mas também as reforça"

Numa passagem por Lisboa para apresentar o livro <em>A Sagração da Autenticidade</em>, o filósofo francês Gilles Lipovetsky conversou com o DN sobre a noção de fadiga democrática, como a instabilidade política e social em França é uma manifestação desse fenómeno e como os populistas se aproveitam disso para aumentar a sua popularidade.
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Esteve em Lisboa para um debate sobre a fadiga democrática, quais as principais manifestações deste fenómeno na nossa sociedade?
Há um conjunto de manifestações que legitimam a expressão "fadiga democrática". Em primeiro lugar o estado do mundo, com o número de autocracias e ditaduras a ter aumentado consideravelmente. Desde 2005 que há um recuo no número de democracias liberais, incluindo na Europa, com a Hungria e a Polónia. Neste momento as democracias liberais não são mais de umas três dezenas no planeta. É muito pouco. O segundo fator é algo que se observa há muito: a despolitização. As pessoas não votam, ou votam muito pouco. Os jovens desinteressam-se das eleições. Muitas vezes em proporções consideráveis, que podem chegar aos 80%. Os jovens não vão às urnas, não acreditam nisso. Isso não significa um desinteresse completo em relação à política, porque, simultaneamente, assistimos ao envolvimento dos cidadãos noutras formas de luta pela res publica, a coisa pública. A multiplicação de associações, de voluntários, de petições, de grupos nas regiões que se mobilizam, por exemplo, contra a extensão de um aeroporto, pela preservação de uma floresta, etc. Não devemos traduzir esta despolitização como um recuo definitivo para a esfera privada, mas sim como um desinteresse em relação à política institucional, regulada pela vida dos partidos. A terceira grande manifestação de fadiga política é o desafio em relação a quase tudo. Varia de país para país. Mas em França, por exemplo, é um recorde. Uma muito grande proporção de franceses já não confia nem nos líderes, nem no presidente, nem na Assembleia Nacional, nem nos responsáveis das regiões. É o que chamamos o desafio político, que é acompanhado de um aumento da violência e do ódio. Estas são paixões pouco compatíveis com a democracia. Os conflitos são necessários em democracia, mas devem ser resolvidos de forma pacífica. O que temos agora é um endurecimento - os adversários tornam-se inimigos. E na raiz disto está o desafio, que os partidos populistas exploram abundantemente. Olhe o slogan "Tous pourri" ("todos podres") - são as elites, os políticos mas não só, também os media são vendidos, corruptos, tudo o que dizem é mentira, não os devemos ouvir. A mensagem é que a única solução é votar neles: limpos, autênticos, a voz da salvação. Temos de reconhecer que funciona em certos casos. A subida do populismo é inegável. Em Itália estão no poder, tiveram colaborações com o governo na Áustria. Em França ainda não, mas não estamos muito longe. Não podemos fazer previsões, mas estão a crescer muito. Os próprios partidos populistas trabalham para esta fadiga democrática porque os seus líderes têm um discurso de ódio, de denúncia. Trump denunciava os mexicanos como violadores e ladrões, chamava velha bruxa à adversária, lançava os jornalistas às feras. Os líderes populistas incendeiam o país em vez de procurar um acordo. Uma quarta característica da fadiga democrática é a invasão da cultura da internet, que muda a relação com a política. Muita gente hoje já não lê jornais, informa-se através do smartphone, nas redes sociais, etc. Isso é muito mau, porque a internet tinha a vocação inicial de abrir a mente. Ali encontramos tudo, é magnífico. Mas as pessoas vão apenas a alguns sites, e em vez de abrir, isso fecha a mente.

Não há filtro...
Não há contraditório. Podem dizer qualquer coisa, mentir sem vergonha. Inclusive Trump, que era o próprio presidente. Quando entramos numa democracia digital, as mediações desaparecem. Mas a democracia liberal precisa de mediação. Tal como precisamos de representantes, precisamos de media para filtrar. É a sua função. Hoje há um verdadeiro problema: dois terços dos americanos informam-se através da internet. Por fim, quinto ponto, é muito preocupante haver uma percentagem, mesmo minoritária, de pessoas na Europa que acham que a democracia não é necessariamente o melhor regime. Que é legítimo se um presidente não respeitar a Constituição. Não devemos pintar as coisas demasiado de negro, porque até agora houve apenas tentativas, como o ataque ao Capitólio, nos EUA, o ataque em Brasília. Foi sempre abafado, mas são sinais preocupantes. Por isso podemos falar de fadiga democrática e não de morte da democracia. Devo dizer que não partilho as análises de alguns dos meus colegas filósofos que comparam a situação atual à que se viveu entre as duas guerras mundiais. Há muitos textos que comparam o que estamos a viver à chegada de Hitler ao poder, à ascensão do nazismo na Alemanha, do fascismo em Itália. Não me parece. O mundo hoje é governado pela individualização dos comportamentos. As pessoas são mais educadas, têm mais espírito crítico em relação aos partidos. Antes só havia obediência. Hoje as pessoas são desconfiadas. Antes era a adoração do duce, do führer. Hoje a adoração acabou.

É então a educação que pode salvar as democracias?
A educação, sim. Basta medir o número de licenciados: a diferença é enorme. Mas há também este fenómeno, que há muito analiso nos meus livros, que é o individualismo. Na sociedade e na modernidade precedente, a lógica individualista existia mas estava limitada. Por exemplo, considerava-se que o indivíduo tinha de se apagar diante do partido. Hoje não. As pessoas votam num partido mas dizem que não concordam com X e Y. É a lógica mesmo do individualismo. Que também se encontra na relação com a família, com a religião, com quase tudo. Os indivíduos ganharam autonomia e exprimem-na. No próprio interior dos partidos há quem não concorde e o diga. No tempo de De Gaulle, todos os gaullistas eram um regimento. Podemos dizer que é perigoso, mas também pode ser uma muralha contra uma tomada pela força, porque há vozes dissidentes. Entre as duas guerras havia milícias armadas, hoje não. Mesmo se há violência, como temos visto em França. Mas é logo condenada em massa pelo povo. Claro que há estatísticas que dizem que a democracia não conta, mas é retórica. Se a democracia fosse atacada, será que as pessoas respondiam da mesma forma? Não é certo. Portanto, não penso que a situação seja semelhante - o contexto político mudou profundamente, as pessoas querem viver bem, procuram a felicidade. Não acontecia entre as duas guerras, quando se lutava pelos grandes ideais da História. Hitler apelava à grandeza da nação alemã, noutros países era a pátria o principal valor. Hoje o primeiro valor é o eu. Isso por um lado fragiliza as democracias, mas por outro lado também as reforça porque não vejo as pessoas, salvo raras exceções, quererem destruir a democracia. O ódio é dirigido contra algumas pessoas, mas há menos ódio contra a democracia do que entre as duas guerras. Na altura as democracias foram destruídas, enquanto hoje isso não acontece. Assistimos à emergência de democracias iliberais, mas não é a destruição. É perigoso - Erdogan na Turquia, Orbán na Hungria, o PiS na Polónia - mas não são regimes totalitários. Não os quero legitimar, mas não é a mesma ameaça.

A instabilidade social e política em França é consequência também do desaparecimento dos partidos tradicionais, da sua incapacidade para dar respostas aos problemas das pessoas?
Os partidos tradicionais explodiram. Macron conseguiu impor-se mas de repente é a última barreira. A contestação em França é notável em alguns pontos. Não vemos outro país que recuse trabalhar mais tempo. Os portugueses, os americanos, riem-se. Não é preciso ser um grande demógrafo para saber que vivemos mais. Em França temos um sistema de repartição, ou seja, os que trabalham, descontam para pagar aos reformados. O problema é que em 1945, 1950, a esperança de vida não era a mesma. As pessoas morriam após poucos anos de reforma. Mas hoje vive-se muito mais.

E tem-se menos filhos...
Temos menos filhos, há menos gente a descontar. O problema é evidente. Ora só há duas soluções: ou prolongamos o tempo de trabalho para pagar boas reformas ou cortamos no valor. Isso os franceses também não querem. Para mim a reforma de Macron é legítima, mas o método é discutível. Mas o que faz que em França esse desejo se exprima através de protestos, por vezes, violentos? Penso que o desenquadramento dos partidos políticos tem um papel. Porque, de facto, só o partido de Macron defende a reforma. Todos os outros, à direita como à esquerda, são contra. Isso dá a ideia a quem protesta que tem razão. Pode ser a cultura do Maio de 68, que ainda não desapareceu. Nos franceses, esse desejo de aproveitar a vida talvez seja mais forte, ou pelo menos se exprima mais do que noutros povos. Este movimento exprime isso mesmo: um desejo de desfrutar da vida, como se o trabalho nos destruísse, nos impedisse de viver a reforma enquanto ainda é tempo. Como se aos 62 anos ainda estivéssemos bem, mas aos 64 já começamos a decair - é ridículo! De onde é que saiu o número 62? Porque não 61? Marine Le Pen durante muito tempo falou em voltar aos 60. Porque não 50? É preciso dizer que 62 não é um número mágico. Em muitos países é aos 66, 67. Estou a brincar, mas há um lado insuportável quando ouvimos os manifestantes dizer "aos 62 ainda estou bem, mas preciso de parar, já aos 64 já estou com um pé para a cova". É mentira! Todos sabemos que vivemos até aos 80, 85 e que vai aumentar. Essas são as razões culturais. O que também é muitas vezes denunciado é que a lei passou à força. Se tivesse passado por maioria no Parlamento, é provável que houvesse protestos, mas menos. A questão é que o artigo usado pelo governo para passar a lei é perfeitamente constitucional. Um grande primeiro-ministro como Michel Rocard, que era um homem de esquerda, usou 40 ou 50 vezes este artigo 49.3, que faz com que não haja votação. Foi usado com frequência. Podemos achar que não é justo mas está na Constituição. E em democracia temos de respeitar a Constituição. Se não está bem, podemos mudá-la. Se começamos a dizer que a Constituição não é legítima, para onde vamos? Mas os manifestantes pensam que a legitimidade está nas ruas. Se calhar o presidente Macron foi demasiado rápido. Quis aprovar a lei pouco depois de ter sido reeleito, enquanto ainda tinha a legitimidade toda. Mas nas sondagens 70% dos franceses dizem estar contra. Portanto o problema é que há legitimidade institucional, mas os franceses, por espírito de radicalismo democrático, dizem que não é bem assim. Que votaram nele para travar Marine Le Pen, não como adesão ao seu programa. A partir daqui entra-se em debate. Será que hoje, numa democracia tão antiga como a francesa, podemos impor algo contra o sentimento do povo? Podemos, mas não é o ideal. Idealmente teria sido preciso dar mais tempo, pensar noutras formas de construir esta reforma. De certa maneira, o que está a acontecer traduz uma crise da democracia, porque estão a pôr em causa a Constituição, mas também traduz a vitalidade da democracia, porque mostra que o governo não pode fazer o que quer. E - isto leva ao início da nossa conversa - os cidadãos envolvem-se. Não é um sinal de fadiga democrática, pelo contrário, é exigir mais democracia.

Mas estamos num impasse. Como é que se resolve? A verdade é que a situação vai alimentar os populistas e em 2027 o resultado das presidenciais pode mesmo ser favorável a Marine Le Pen...
O problema é esse. Tudo depende se os franceses têm memória, mas acho que quem mais pode esfregar as mãos com o que está a acontecer é Marine Le Pen. Porque está às portas do poder. Os tradicionais partidos de governo já não têm qualquer capacidade, Macron é hoje odiado por muitas pessoas que podiam ser um obstáculo para ela e para a extrema-esquerda. A extrema-esquerda neste momento é uma coligação que tem lá dentro os socialistas e outros partidos que não são necessariamente como Mélenchon e pode ainda mexer até lá. Eu nunca acreditei na chegada da União Nacional [antiga Frente Nacional] ao poder. E as coisas podem mudar. Mas neste momento, infelizmente, é o único refúgio, de certa forma.

Veio cá apresentar o seu livro A Sagração da Autenticidade. A ideia de autenticidade é hoje algo diferente?
Escrevi este livro porque o ideal de autenticidade que nasceu no século XVIII, a ética da autenticidade, a que defende "be yourself", sê tu próprio. Significa que tens de viver em obediência ao teu coração, aos teus sentimentos, a ti próprio, e não à religião, à tradição. É uma peça essencial da cultura individualista. Mas vivemos numa época em que houve uma radicalização. Porque o princípio da autenticidade era limitado, por exemplo, em relação às mulheres. Os homens podiam viver a vida como quisessem. Mas as mulheres não, a sua natureza obrigava-as a ficar em casa, cuidar dos filhos, não se envolver na esfera pública. A ética da autenticidade aplicava-se aos homens adultos, mas não a toda a gente. Os jovens, por exemplo, tinham de obedecer. Os gays, eram vistos como degenerados. Os LGBT nem se fala, os trans, também não - eram doentes, mesmo para Freud. Ora assistimos hoje a uma profunda legitimação do direito de cada um a governar a sua vida. As mulheres, hoje, conquistaram tudo. Na prática não, mas no princípio, sim, toda a gente lhes reconhece esses direitos. O princípio da autenticidade é o mais consensual - quem hoje não concorda com o facto de que podemos casar com quem quisermos? Mas durante milénios, o que era legítimo era os pais organizarem o casamento.

Ainda é em algumas culturas...
Sim, há exceções: entre os integristas, nos islamitas radicais, mas são considerados bárbaros. Os casamentos forçados são insuportáveis. Hoje cada um deve poder decidir da sua vida. Até às crianças perguntamos: o que queres estudar? o que queres fazer quando fores grande? Antigamente passava de pai para filho. A autenticidade é o princípio ético mais consensual. E alterou completamente a nossa relação com o mundo. Hoje casamos ou não, temos filhos ou não, vivemos em concubinagem ou não. Tudo é legítimo. No próprio casal, cada um pode dormir no seu quarto, ir de férias separados, ter o seu dinheiro, etc. Há uma individualização da relação com a família que é a consequência deste princípio de autenticidade individual, singular, pessoal, subjetiva. Olhemos para a vida sexual - antes os homens tinham uma liberdade reconhecida, as mulheres não. Uma jovem que tivesse vida sexual antes do casamento era terrível, a virgindade era uma obrigação moral. Nada disso já faz sentido. Há muitos outros exemplos. A relação com o trabalho - hoje muita gente muda de trabalho. Um advogado, um jornalista larga tudo e vai ser padeiro, vai guardar cabras.

Isso remete um pouco para a ideia por detrás da reforma aos 62 anos - as pessoas querem tempo para elas, não ser escravas do trabalho?
O que vem em primeiro lugar é sentir-se realizado. A ética da autenticidade é sermos nós próprios, mas sermos nós próprios é estarmos satisfeitos connosco. O trabalho, as regras, temos a impressão que nos estão a roubar a nossa vida. Por isso há quem largue tudo e mude. Porque não está feliz com o que faz e hoje achamos isso normal. Antes tinhas um emprego, tinhas de o fazer, para sustentar a família. Agora não. Hoje o que vem em primeiro lugar é sentir-se realizado. Esse princípio transformou a nossa relação com o mundo. Até com a religião. Hoje já não se recebe a religião do exterior, constrói-se a própria religião. Fazem-se sessões religiosas, procura-se o caminho. Não é necessariamente o ateísmo, é uma religião à qual aderimos pessoalmente, e não uma religião de tradição. A ideologia da autenticidade é a ponta de lança do individualismo contemporâneo. E temos de a defender face aos fundamentalismos. Mas a isto colou-se outra coisa: uma ideologia da autenticidade que se apresenta como a solução para tudo. Se há uma crise climática é porque os consumidores não são autênticos, comem demasiada carne, vão de carro para todo o lado, andam de avião, etc. Precisamos ter líderes políticos autênticos, sinceros e então o problema da democracia estaria resolvido. Temos de ter uma educação autêntica: se ouvirmos as crianças então tudo se resolve. Ora tudo isto é falso. A autenticidade como ética é boa, temos de a defender, mas temos de ser contra a ideia de que é a resposta para tudo.

Então qual é?
Para resolver a crise climática precisamos de inteligência, de investimento na ciência, de programas políticos que reorganizem a economia, que financiem as energias limpas, é preciso investigadores, empresas que se mobilizem. Não é por comer menos carne ou não andar de avião que vamos resolver a crise climática, isso é uma ilusão. Em segundo lugar, na educação, a autenticidade foi positiva em determinado momento, mas foi longe demais. Em 1968 OK, mesmo depois, mas hoje vemos que a educação ultraliberal dá crianças hiperativas, que já não aprendem. Porque são precisos limites. Ser humano é elevar-se. A escola está lá para ensinar mas aprender é difícil. Se perguntamos a toda a hora o que as crianças querem - elas não querem nada, querem divertir-se. É normal. Eu acho que temos de reabilitar algumas coisas da educação do passado. É preciso disciplina, não devemos ir no sentido da cultura do cancelamento - e dizer que uma coisa não pode ser estudada porque vai ferir a suscetibilidade de alguém. Temos de educar as pessoas para terem força. Educar não é só satisfazer os desejos.

E na política?
Voltando então ao início da nossa conversa - a ética da autenticidade é perigosa na política. Porque os líderes populistas jogam com isso. Acusam os políticos de ter uma linguagem politicamente correta - o que não é mentira. Por isso eles ganham a adesão do povo com tweets, como Trump. Falam como nós, por isso parecem autênticos, parecem sinceros, porque são espontâneos, dizem coisas violentas, como nas ruas. Criam uma imagem de autenticidade. Trump ganhou contra Hillary Clinton que era odiada por parecer do establishment, logo falsa. Ele criou essa imagem de veracidade. Mas é falsa, na realidade é um milionário, que mente. Hoje quando perguntamos aos cidadãos o que esperam de um líder político, muitos respondem: honestidade, sinceridade, autenticidade. São virtudes, sim, mas mais privadas do que públicas. Eu penso que de um líder político devíamos esperar inteligência, capacidade para ouvir. A sinceridade a mim não me importa. Temos de avaliar o que é feito. Por exemplo, quando há um escândalo sexual, um político que engana a mulher, é desqualificado. Porquê? Pode ser um excelente político. Mas para a opinião pública, se enganou a mulher vai enganar os cidadãos. Quando entramos na lógica da autenticidade em política temos derivas muito graves que têm de ser denunciadas. Por outro lado, esta ética da autenticidade está no centro do movimento #MeToo. Para serem elas próprias as mulheres, de repente, disseram chega, estamos fartas do assédio dos homens. Num plano é bom, noutro é mau. Porque há derivas. Os homens são logo considerados culpados. No #MeToo, a internet substitui a justiça. Mas temos de defender a justiça senão é o faroeste. "Matam-se" homens, simbolicamente, na sua vida social, profissional, com base em simples afirmações. É preciso provas. Houve carreiras de atores destruídas num momento por causa de uma simples queixa. É preciso um processo, e temos de ser considerados inocentes até que a justiça venha provar o contrário.

Este hiperindividualismo pode ser perigoso? Por exemplo em termos demográficos com cada vez mais pessoas a repensar a ideia de pôr filhos no mundo em que vivemos?
Não tenho a certeza. Estou mesmo convencido que o hiperindividualismo não leva à recusa de ter filhos. As mulheres querem filhos, em certas condições. Mas se não há creches, se não há leis que lhes permitam continuar as carreiras profissionais depois de serem mães, compreendo perfeitamente que não queiram filhos. Mesmo as mulheres muito dedicadas ao trabalho, muitas acabam por ter filhos - mas mais tarde. Antes as mulheres tinham filhos aos 21 anos, agora é aos 35, 38, 40. Há a vontade do filho. Precisamos de incentivar a natalidade se queremos preservar a vitalidade do futuro, mas são necessárias políticas para a família. São necessárias creches. Se tem filhos, como é que vai trabalhar? É uma questão técnica. E não só as mulheres, também os homens. As empresas também têm de se adaptar, de flexibilizar os horários. A política tem de ajudar as famílias.

helena.r.tecedeiro@dn.pt

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