Hoje no Lux dança-se ao som de música feita por mulheres
Logo no texto de apresentação desta noite da Labareda no Lux, composta só por mulheres DJ e produtoras, Sonja afirma: "Há muitos textos e opiniões sobre uma cena portuguesa. E referências à nossa cartografia de produtores, ativistas, agitadores, promotores e criadores. Mas poucas vezes ou nenhumas se falou em mulheres." Dado este contexto, decidiu lançar uma nova compilação na sua editora e que agora será apresentada no Lux. Além da própria, para hoje Sonja convidou ainda Jejuno, Sheri Vari, Inês Duarte, EDND, Violet, EMAUZ e Caroline Lethô.
Mas porque é que a cena ligada à música eletrónica e de dança é tão dominada por homens? Há várias respostas. "A responsabilidade número um são os hábitos culturais e comportamentais. O modo como se estimula de formas diferentes e desde cedo os rapazes e as raparigas. É verdade que na dance music o domínio é masculino. Ainda o é. Um rapaz conhece 20 amigos que ou têm um projeto ou produzem ou brincam com máquinas ou são melómanos. Uma rapariga não tem esse cosmo de escolhas ou de estímulos. Não é encorajada. E a dance music e o clubbing tornaram-se muito masculinos e normativos. Isso consegue ser intimidante e francamente pouco aberto e solidário. Não só para as mulheres mas para outros grupos. É pena porque a dance music e toda a cultura clubbing veio de muitas margens e de uma necessidade de sentir uma pertença. De abraçar o indivíduo e de estar numa celebração sem definições de género. E, independentemente de o teu talento transcender o teu género, por seres uma mulher, serás sempre escrutinada de outro modo. Sempre. É cansativo", responde Sonja ao DN.
De vestido e navalha
Tendo já escrito que "o mundo do clubbing é ainda muito machista e patriarcal", Sonja refere ainda: "Como mulher és sempre examinada. Com formulários e modos que um homem não é. O sexismo também é muito sentido na pista de dança. As mulheres chegam a ser bastante assediadas. E ali também há 26 raparigas para 140 rapazes. E um dos pontos mais baixos de sexismo e de irresponsabilidade são as noites de bar aberto para elas. Por exemplo."
A raiz destes problemas é, essencialmente, cultural. Sonja lembra como, no seu caso, teve a "felicidade, apesar de ter nascido num meio fechado e pequeno numa aldeia num monte na ilha da Madeira, de ter uma família e uns pais que estimularam todos os meus lados e arestas. Bonecas com aviões e carros telecomandados. Azul, cor--de-rosa, vermelho, roxo, castanho, preto, verde-escuro e dourado. Livros da Anita e da Marvel. Ir apanhar lapas para uma rocha de vestido e navalha". Iniciar-se como DJ fazia, por isso, "parte daquele imaginário complexo e rico onde tudo sempre foi possível".
Apercebeu-se da falta de mulheres neste circuito quando, muitas vezes, era a única mulher nos alinhamentos. Mas Sonja salienta ainda como, apesar de tudo, "há muita gente a fazer coisas incríveis aqui em Portugal, homens e mulheres". "Não quero estar sempre a vincar a questão da mulher subterrânea, mulher que não é reconhecida. Tenho uma quantidade enorme de amigos homens que também não são reconhecidos. O que há é uma história que começou a ser contada. E vai desenvolver-se."
A compilação da Labareda que hoje se apresenta no Lux conta com 18 produtoras muito diferentes, estando dividida em dois volumes. Desde abordagens mais direcionadas à pista de dança às mais experimentais, a diversidade é imensa. "Fiquei surpreendida pela vontade e o apetite de todas", refere Sonja. No Lux, dessas 18 apresentam-se sete, sendo para quatro delas uma estreia nesta casa. No final a DJ expressa a sua vontade: "Quero muito que quem oiça a compilação se sinta encantado pela música. É isso."