"Hoje é muito fácil curar a hepatite C"

Um teste simples, pedido ao médico de família, permite saber se tem o vírus e iniciar o tratamento. Para a Hepatite B existe vacina e terapêutica e para a Hepatite C há cura. No Dia Mundial das Hepatites Virais, dois médicos explicam tudo sobre doenças que continuam a infetar milhares de pessoas em Portugal.
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As hepatites virais afetam milhões de pessoas no mundo, e alguns milhares em Portugal. O silêncio com que se desenvolvem, e a ausência de sintomas, fazem com que muitos portugueses desconheçam que têm este vírus que afeta o fígado. A progressão da doença pode levar décadas, mas conduz a patologias mais graves como as cirroses hepáticas e o cancro do fígado, podendo causar a morte. No Dia Mundial das Hepatites Virais, que se assinala hoje, nunca é demais lembrar que a doença existe e que pode ser detetada com uma simples picada no dedo. E a boa notícia é que o tratamento existe, com vacinas e terapêutica para a Hepatite B, assim como a cura, nos casos de Hepatite C. "A prevenção também se faz curando a doença, e hoje em dia é muito fácil curar a Hepatite C, devido aos avanços da Medicina", explica Rui Tato Marinho, diretor do Serviço de Gastrenterologia do Hospital de Santa Maria e diretor do Programa Nacional das Hepatites Virais.

Apesar de, muitas vezes, conotadas com comportamentos de risco - um estigma que ainda se mantém, confirmam os especialistas -, as hepatites podem afetar qualquer pessoa. "Esta noção de que tudo está dependente de comportamentos marginais ou de risco, não é verdade", alerta Guilherme Macedo. Mas, acrescenta o diretor do Serviço de Gastrenterologia do Hospital de São João e presidente da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia, "também é preciso compreender que há, de facto, alguns comportamentos que favorecem essa possibilidade". Ainda assim, o médico gastrenterologista sublinha que, na grande maioria das circunstâncias, sobretudo em relação à Hepatite B e C, "as razões não têm a ver com um comportamento de risco facilmente identificável, porque no nosso quotidiano, podemos ter contacto com sangue infetado".

Guilherme Macedo recorda, a este propósito, que estes contactos com sangue infetado podem acontecer em acidentes de trânsito, num acidente de trabalho, entre outras situações em que pode haver contacto sanguíneo com outras pessoas. Recuando no tempo, o médico deixa o alerta a pessoas com idades compreendidas entre os 60 e os 70 anos, que tenham sido submetidas a transfusões de sangue antes de 1992, ou que tenham feito qualquer tipo de tratamento médico antes da utilização de instrumentos e equipamentos descartáveis.

"Preocupa-nos a grande massa de pessoas infetadas que não o sabem, e que podem não ter tido comportamento nenhum de risco nos últimos 20 ou 30 anos", explica o presidente da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia que, acrescenta: "Essas pessoas são o nosso alvo primordial para deteção do vírus, porque são esses que têm risco significativo de desenvolver uma doença grave de fígado".

Na opinião destes dois especialistas, que pode ver e ouvir no podcast da série Diálogos: Saúde e Futuro sobre o tema das hepatites, disponível a partir de hoje no site do Diário de Notícias, a pandemia criou uma maior sensibilidade e literacia da população à testagem como forma de prevenção."É uma linguagem que as pessoas já compreendem e percebem que é algo que podemos oferecer, sobretudo a quem tem recursos económicos muito escassos", acredita Guilherme Macedo. É por isso também que ambos os médicos defendem que qualquer pessoa deve fazer um teste de deteção das hepatites pelo menos uma vez na vida. "Defendemos que temos de meter o fígado na cabeça das pessoas, ou seja, que toda a gente faça os testes da Hepatite B, da Hepatite C e também do HIV", complementa Rui Tato Marinho.

Com uma simples picada no dedo é possível fazer o teste para estas três doenças e, tendo um diagnóstico positivo, avançar com o tratamento. "Com apenas uma gota de sangue conseguem saber o que se passa em relação a três doenças, se calhar salvar a sua vida e, também muito importante, é que ao eliminar os vírus da C, controlada a B e controlado o HIV, também vão estar a proteger as pessoas com quem têm relações sexuais, com quem vivem, os filhos", reforça o diretor do Programa Nacional de Eliminação das Hepatites Virais.

Recorde-se que Portugal assumiu, junto da Organização Mundial de Saúde (OMS), o compromisso de contribuir para a eliminação das hepatites virais até 2030. Esta meta reforça a importância das campanhas de sensibilização da população em geral, mas também dos médicos de Medicina Geral e Familiar, o primeiro ponto de contacto dos utentes com os cuidados de saúde.

"Na ação formativa com os colegas de Medicina Geral e Familiar, pretendemos criar um reflexo novo de fazer com que esteja incluído no seu algoritmo de decisão a tal presença do fígado", afirma Guilherme Macedo.

Mas, reforça Rui Tato Marinho, também é responsabilidade de cada um de nós tomar a iniciativa de falar com o médico e pedir para fazer esta testagem.

Em jeito de conclusão, o diretor do Serviço de Gastrenterologia do Hospital de Santa Maria reforça a importância de detetar as hepatites e salienta que, no caso da Hepatite C, cerca de um terço dos doentes em estado avançado e à espera de um transplante do fígado, após o tratamento que elimina totalmente o vírus, deixam de precisar desta intervenção.

dnot@dn.pt

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