Venda dos terrenos da antiga feira popular volta a ser adiada. É a terceira vez
Nem à terceira vez foi possível dar um novo dono aos terrenos da antiga Feira Popular de Lisboa, em Entrecampos. A sessão prevista para a manhã desta segunda-feira nem sequer começou pois a Câmara Municipal de Lisboa decidiu remarcar para dia 12 o retomar da hasta pública que tinha sido interrompida a 23 de novembro.
A justificação, segundo fonte oficial da câmara adiantou ao DN, foi a necessidade de dar mais tempo aos três interessados no negócio - Fidelidade - Property Europe, SA, Dragon Method, SA e Mpep - Properties Escritórios Portugal, SA - para analisarem as dúvidas do Ministério Público sobre o processo conhecido como a Operação Integrada de Entrecampos e as respostas da câmara.
Este arrastamento da hasta pública de quatro lotes de terrenos - que deverá render à autarquia pelo menos 180 milhões cujo encaixe já está previsto no orçamento do próximo ano - foi desencadeado pelas dúvidas apresentadas pela procuradora da República junto do Tribunal Central Administrativo Sul, Elisabete Matos, depois de analisar uma participação entregue pelo CDS-PP na Procuradoria-Geral da República.
Nesse documento os vereadores colocavam em causa a legalidade urbanística da Operação Integrada de Entrecampos com a qual a câmara pretende mudar uma zona da cidade que está abandonadas desde 2003 quando a Feira Popular fechou portas.
"O CDS desde o princípio que alerta para as ilegalidades e irregularidades deste processo. E já lá vão meses. Isto é, se a Câmara Municipal de Lisboa tem dado ouvidos ao que o CDS disse não estaríamos a perder todo este tempo. Isto [os adiamentos e dúvidas sobre o processo] pode conduzir a um atraso de meses [na venda dos terrenos]", adiantou ao DN João Gonçalves Pereira. "Temos estado a assistir e a acompanhar os sucessivos adiamentos, aguardaremos para ver o desfecho deste processo", concluiu o autarca eleito pelo CDS-PP.
Este novo adiamento - conhecido na véspera de a Operação Integrada de Entrecampos ser discutida na tarde desta terça-feira (dia 4) na Assembleia Municipal de Lisboa - arrasta pelo menos mais nove dias uma decisão sobre o futuro de uns terrenos que desde 2003 estão à espera de um projeto para que 25 hectares numa das zonas centrais de Lisboa deixem de estar ao abandono.
A saga dos lotes de terreno em Entrecampos começa depois de a Feira Popular fechar portas e de ter sido feita uma permuta entre a câmara, na altura liderada por Carmona Rodrigues, e a empresa Bragaparques. Esta recebia estes 25 hectares e dava à autarquia os do Parque Mayer. No entanto, este negócio acabou em tribunal com o então presidente e os vereadores Fontão de Carvalho e Eduarda Napoleão a serem absolvidos das acusações de prevaricação de titular de cargo político. Este processo também ainda se arrasta pois a autarquia contestou o pagamento de 138 milhões de euros à Bragaparques decidido por um tribunal arbitral.
Passados 15 anos do fecho da Feira Popular foi apresentada a Operação Integrada de Entrecampos. Naqueles terrenos a autarquia quer ver nascer uma "cidade no coração da cidade" como é apresentado o projeto. Este envolve, por exemplo, a construção de 700 apartamentos com renda acessível, 285 de venda livre, áreas verdes, comércio, creches e jardins-de-infância, uma unidade de cuidados continuados com lar e serviço de apoio domiciliário. Segundo as contas da câmara o projeto deverá dar emprego a 15 mil pessoas e deveria estar concluído em 2021.
São quatro os lotes de terreno que fazem parte desta hasta pública e no total estão avaliados em 188 milhões de euros, se só forem licitados três o valor baixa para cerca de 160 milhões de euros. É este o valor, aliás, que está inscrito no orçamento do próximo ano da autarquia como uma das suas principais receitas, a par da taxa turística e do IMT. Ou seja, o encaixe financeiro relacionado com Operação Integrada de Entrecampos é bastante importante para as contas da câmara.
Dos partido representados na câmara, o CDS-PP foi o único que votou contra o projeto alegando existirem "ilegalidades e irregularidades" no mesmo. Na sequência desta posição enviaram uma exposição à Procuradoria-Geral da República que depois foi remetida para o Ministério Público junto do Tribunal Administrativo do Sul. Questões como a área prevista de construção; a figura de Operação Integrada para dirigir o processo; a criação de uma Unidade de Execução, foram apresentadas ao Ministério Público como podendo não estar a cumprir a lei.
Depois de receber o documento do CDS-PP, a coordenação do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo do Sul, representado pela procuradora Elisabete Matos, enviou um ofício ao presidente da câmara - a 7 de novembro - onde pedia esclarecimentos e aconselhava a que a hasta pública que estava prevista para 12 de novembro fosse adiada.
Perante o documento do Ministério Público, o executivo liderado por Fernando Medina anunciou a 9 de novembro que tinha decidido adianta a hasta pública para dia 23 do mesmo mês. A justificação foi a de que assim o MP tinha "o tempo adequado para analisar uma matéria complexa e averiguar as respostas que o município deu". O autarca referia-se às 14 páginas que tinham sido remetidas ao MP e onde a câmara dava as suas explicações de forma a "que ficassem dissipadas quaisquer dúvidas sobre a legalidade" do projeto.
Chega-se assim à manhã de 23 de novembro e perante uma sala repleta de representantes das três empresas que apresentaram propostas - Fidelidade - Property Europe, SA, Dragon Method, SA e Mpep - Properties Escritórios Portugal, SA - o diretor municipal de Gestão Patrimonial, António Furtado, anuncia que na véspera (dia 22) a autarquia tinha recebido um novo ofício do Ministério Público com mais dúvidas desta feita sobre as respostas da câmara. No documento, e perante as questões expostas, a procuradora deixa o seguinte pedido: "Solicita-se seja esta Procuradoria da República informada sobre se se admite a reponderação da operação de modo a expurgar vícios de que resultem nulidade ou anulabilidade, sem prejuízo dos esclarecimentos que se queiram oferecer sobre a matéria."
Perante este novo documento, apesar de frisar que não havia nenhuma decisão "no sentido de limitar ou impedir a hasta pública", o diretor municipal de Gestão Patrimonial anuncia que o júri da hasta pública propunha que a cerimónia fosse interrompida para que os concorrentes pudessem ter acesso às novas questões do MP de forma a que o processo se mantivesse transparente. A proposta foi aceite e o reatar da hasta ficou marcado para esta segunda-feira.
Esta segunda-feira, dia 3 de dezembro, às 9.30, era o momento agendado para se saber quem se mantinha - os concorrentes podem desistir das propostas que entregaram e que ficaram no cofre da tesouraria do município - e quem ficaria com os terrenos. No entanto, a câmara disse ao DN que prolongava esta fase de análise das 30 páginas enviadas pela procuradora no dia 22, e de eventuais dúvidas que possam ser levantadas, até dia 12 de dezembro. Será a quarta data para o ato público de alienação dos terrenos de Entrecampos. Falta saber se é a última.
Críticos da Operação Integrada de Entrecampos, um grupo de cidadãos enviou recentemente uma carta ao presidente da autarquia, Fernando Medina, exigindo "uma verdadeira discussão pública" do projeto. No documento frisam mesmo que estão a equacionar uma "ação popular". Este grupo promoveu uma petição "Pela interrupção da Operação Integrada de Entrecampos e por uma verdadeira discussão pública". A petição, que enumera várias questões quer os signatários querem ver respondidas, foi enviada à presidente da mesa da Assembleia Municipal de Lisboa, Helena Roseta, em julho.