Harper Lee e os Finch: o tempo avança para trás

Finch tornou-se um racista moderado, a filha perdeu espontaneidade. E nada nos garante que a autora tenha querido publicar algo que parece sobretudo uma base de trabalho
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Basta a circunstância de Go Set a Watchman, livro que interrompe um silêncio literário de 55 anos, ter chutado para canto o erotismo de pacotilha de E.L. James e das suas sombras, na lista de mais vendidos no Reino Unido, para que o regresso de Harper Lee, hoje com 89 anos, surda e cega, há muito retirada dos olhares públicos, ganhe o direito a um estatuto festivo.

Com inteira franqueza, até uma receita culinária ou uma lista de telefones "redigidas" pela velha dama do Alabama representariam claras mais-valias, se a alternativa morasse em Grey & Cia.

Com mais de um milhão de cópias vendidas nos Estados Unidos desde 14 de julho e com direito a um comunicado de regozijo subscrito por Brian Murray, o poderoso CEO da Harper Collins (editora do livro no território norte-americano), Harper Lee conseguiu uma resposta impressionante dos leitores. Porventura não muito diferente daquela que registariam novas edições assinadas por Emily Brontë (O Monte dos Vendavais), Margaret Mitchell (E Tudo o Vento Levou), Boris Pasternak (Doutor Jivago) ou John Kennedy Toole (Uma Conspiração de Estúpidos), se pudessem voltar à vida e, assim, prolongar a existência, os feitos e as desventuras, os amores e as tragédias das personagens que o génio de cada um destes autores-cometa - leia-se: com uma só obra publicada, pelo menos no domínio do romance - levou a ficarem suspensas no tempo e presas ao desejo de "saber mais" por parte de quem os acarinha e alimenta através da leitura.

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