Testemunha em pedra sobre o rio Tibre, em Roma, a Ponte Emília é a mais antiga travessia da capital italiana, remontando a II a.C., construída no seio do Império Romano. Nos séculos seguintes, a estrutura transporia momentos conturbados, fruto dos caprichos das águas do rio. Danos causados por intervenção humana e sucessivas enchentes, obrigaram à reconstrução de troços da ponte nos séculos XIII e XVI. Finalmente, em 1598, uma violenta enxurrada reduziu a Ponte Emília a um arco e meio de volta. Órfã de uma das margens, sem que o seu extremo lhe tocasse, a "Ponte Rotta" ("Ponte Partida"), como é presentemente apelidada entre os romanos, é aquilo o que comumente se designa uma "ponte para nenhures", estrutura à qual foi subtraída a sua função primeira, unir dois pontos. Expressão de inutilidade que verteu para as letras do século XIX inglês, sempre que a posse de um bem se revela para o detentor um peso, cuja mais-valia é desproporcional ao seu valor e utilidade. A par com as três espécies de membros da família Elephantidae reconhecidas pela ciência, duas africanas e uma asiática, o "elefante branco", enquanto expressão idiomática para um bem que onera, ou sem fim último, para o seu possuidor, proliferou em todas as latitudes, apartado dos compêndios de biologia..Há, contudo, uma relação causal entre o peso figurativo de um "elefante branco" e o do seu congénere albino, encontrado nas florestas tropicais do Sudeste Asiático, nomeadamente na Tailândia, Myanmar, Laos e Camboja. Ali, a singularidade do elefante branco tornou-o, há milénios, preferido de monarcas, vendo-lhes sacralidade no tom róseo da pele, olhos amarelo-pálido e pelos brancos. Deter um elefante asiático albino é augúrio e demonstração de reinado justo, pacífico e próspero e, também, assumir a posse de um bem que as leis poupam a trabalhos pesados, o mesmo é afirmar sem rendimento para o seu dono. Na Tailândia, onde o elefante branco é símbolo do poder real, o monarca Bhumibol Adulyadej que ocupou o trono entre 1946 e 2016, ano da sua morte, acolheu 21 elefantes brancos. Onze dos animais ainda vivem, entre eles, alguns detendo títulos reais..A singularidade e simbolismo do elefante branco cativou historicamente a atenção dos europeus na Ásia para nos deixar narrativas de paquidermes albinos protagonistas de viagens transcontinentais. Dois deles, Hanno, no século XVI europeu, e Toung Taloung, na centúria de XIX norte-americana..Hanno, o elefante branco de estimação de D. Manuel I, rei de Portugal, teve desembarque em Lisboa no ano de 1510. A oferta chegou ao monarca europeu desde o rajá de Cochim, na Índia. Ao elefante que teria, então, quatro anos, era-lhe reservada, mais tarde, em 1514, nova viagem a bordo de uma nau, numa navegação atlântica e mediterrânica até Roma. Hanno, a par de leopardos, papagaios, cavalos indianos, pedraria preciosa, servia o tributo que a embaixada lusa oferecia em obediência ao Papa Leão X, na capital da Cristandade. A 12 de março de 1514, a embaixada com centenas de elementos, chefiada pelo explorador e comandante naval português Tristão da Cunha e secretariada pelo poeta e cronista Garcia de Resende, desfilou nas ruas de Roma. Peça central do séquito que se apresentou perante Leão X, o elefante albino Hanno, como símbolo do poderio português noutras latitudes, carregava um palanque de prata no dorso, réplica em miniatura de um castelo que acolhia presentes reais. Nos dois anos seguintes, Leão X afeiçoou-se ao elefante asiático que, em 1516, sucumbiu à doença. Por ordem papal, o paquiderme mereceu enterro nas proximidades do Palácio Apostólico. Sorte diversa coube ao rinoceronte indiano que D. Manuel I intencionou oferecer ao Papa em 1515. A besta, a primeira da sua espécie em território europeu desde o Império Romano, seria eternizada na xilogravura do gravador alemão Albrecht Dürer..Entre os elefantes Hanno e Toung Taloung volveriam cinco séculos de história, embora prevalecendo o mesmo fascínio pelo albinismo da espécie asiática. Phineas Taylor Barnum foi um empresário do espetáculo, também político, que se destacou na sociedade norte-americana de meados do século XI X, aurora do século XX. Antes de se envolver no espetáculo circense, já com 60 anos, Barnum construiu uma carreira em torno de apresentações de carácter bizarro, embustes que chamavam a palco figuras como a "Sereia de Fiji", suposta criatura capturada por marinheiros asiáticos ao largo do território insular que lhe dava nome, mais tarde adquirida por comerciantes holandeses. No seu Museu Americano de Barnum, em Nova Iorque, o empresário presenteava os visitantes com uma fraude nascida da taxidermia. Em 1883, Phineas anunciava aos norte-americanos a compra por mais de 200 mil dólares de um elefante branco birmanês sagrado, o primeiro a chegar aos Estados Unidos. Do oceano Índico, ao Canal do Suez, depois Inglaterra, o périplo de Toung Taloung, entusiasmaria a América por longos meses. Finalmente, em março de 1884, o paquiderme foi desembarcado em Nova Iorque. Presente, o jornal The New York Times, fez voz do desalento de quem assistiu à apresentação do elefante albino. No artigo datado de 29 de março, "The Sacred Beast Here", o repórter dava nota de um elefante branco, não tão alvo quanto o esperado. Toung Taloung teria má sorte, perecendo a um incêndio quatro anos após a sua chegada aos Estados Unidos..Phineas Barnum ganharia uma menção no futuro à boleia da companhia circense itinerante que fundou. Em 1952, os 1400 trabalhadores, 60 vagões com equipamento do circo de Barnum e dezenas de animais figuraram na megaprodução de Hollywood, realizada por Cecil B. DeMille, O Maior Espetáculo da Terra, com Charlton Heston a gerir uma trupe de artistas caprichosos..Coriáceo, armado como uma máquina de guerra saída de um bestiário, o primeiro rinoceronte indiano que a Europa conheceu desde o Império Romano, desembarcou em Lisboa em 1515, próximo à Torre de Belém, então em construção. O animal que fizera 120 dias de viagem desde a Ásia, permaneceu no Paço da Ribeira para espanto de públicos e notícia Europa fora. O rei D. Manuel I iria oferecer o rinoceronte ao Papa Leão X. A notícia e descrição da besta tocou a criatividade do gravador e pintor alemão Albrecht Dürer que a eternizou em xilogravura. Na viagem marítima rumo a Itália, o rinoceronte de D. Manuel I sucumbiu a um naufrágio. O seu corpo foi recolhido na costa sul de França..dnot@dn.pt