Os vis actos de terrorismo cometidos pelo Hamas a 7 de Outubro espoletaram uma vigorosa campanha militar por parte do Estado Israelita. Acção gerou reacção e comportamento gerou comportamento, com ecos que ressoam pelo globo qual reverberação sísmica e que merecem análise à luz do Direito Internacional Humanitário. Num enquadramento geopolítico complexo e labiríntico há que perguntar, antes de mais, até que ponto e em que termos se verifica a aplicabilidade desse direito..Tanto Israel quanto a Palestina são signatários das quatro Convenções de Genebra de 1949. Mais, Israel ratificou o terceiro Protocolo Adicional das Convenções de Genebra (mas não o primeiro e o segundo), tendo a Palestina ratificado os três Protocolos Adicionais dessas Convenções. Nas Convenções de Genebra e nos seus Protocolos Adicionais reside o cerne do Direito Internacional Humanitário, pelo que tanto Israel como a Palestina estão obrigados a cumprir os ditames básicos de um ramo do Direito que visa, no âmbito de conflitos armados, limitar as barbáries da guerra..Quanto ao Hamas, desde 2007 que governa de facto a Faixa de Gaza e por lá comanda um Exército, encontrando-se indissoluvelmente ligado ao Estado da Palestina e tendo, por extensão, de cumprir as Convenções de Genebra e respectivos Protocolos. Além disso, sendo a Palestina signatária do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (TPI), a conduta do Hamas cai sob a égide da jurisdição do TPI, que tem competência para julgar certos crimes "que chocam profundamente a consciência da Humanidade" (Preâmbulo do Estatuto de Roma do TPI). O ataque do Hamas integra inequivocamente crimes de guerra, uma vez que, entre outras coisas, incidiu sobre a população civil e não sobre um alvo militar, incluiu a tomada de reféns e recorreu ao uso de civis como escudos humanos (artigo 8(2) do Estatuto de Roma do TPI)..No que toca a Israel, encontra-se a exercer indiscutivelmente o seu "direito inerente de legítima defesa" na sequência de "ataque armado", direito este consagrado no artigo 51.º da Carta da Organização das Nações Unidas - sendo que os actos bélicos que têm lugar neste contexto devem seguir os ditames do Direito Internacional Humanitário. Tal observação não é despicienda de interesse tendo em conta que Israel procedeu ao encerramento das rotas de acesso a Gaza e que a população civil aí residente se viu privada de alimentos, de água e de outros recursos essenciais para a sua sobrevivência. A medida em causa foi abrandada no passado fim de semana (tendo sido permitida a entrada de um certo número de camiões de ajuda humanitária na Faixa de Gaza) mas não afastada..Este cenário lembra a doutrina da guerra justa (conceito criado pelo Bispo de Hipona e desenvolvido por São Tomás de Aquino, no século XIII, na sua Suma Teológica e por outros pensadores), segundo a qual, num contexto defensivo, a guerra tem justificação jurídica e teológica sob a forma de legítima defesa. Ou seja, perante uma ameaça grave à paz, o Estado ofendido adquire o direito de declarar guerra ao Estado hostil, agressor e/ou invasor, guerra essa que é justa se forem observados certos pilares inabaláveis. É designadamente imperativo, de acordo com essa doutrina, que subsista uma causa justa e legítima, bem como uma intenção recta, que a decisão de iniciar a guerra seja tomada por quem de direito, que a mesma seja conduzida de acordo com critérios de proporcionalidade e que vise a promoção da paz e do bem comum..Ou seja, proclama hoje o Direito Internacional Humanitário o que há muitos séculos se apregoava por outras palavras: a guerra tem justificação jurídica sob a forma do direito à legítima defesa, sendo justa se aderir estritamente a princípios que, entre outras coisas, salvaguardam os direitos fundamentais das populações civis afectadas por conflitos inevitavelmente devastadores..Considerando a ausência, por ora, de uma solução diplomática (confirmada pelo insucesso da Conferência do Cairo), a intercepção pela Marinha Norte-americana de mísseis provindos do Iémen e dirigidos a Israel e outros sinais que indicam a potencial internacionalização, intensificação e prolongamento do conflito, com consequentes preocupações de foro humanitário (reféns, feridos, mortos e tantos outros problemas), resta enfatizar o quão crucial é que a comunidade internacional garanta o cumprimento do Direito Internacional Humanitário - neste e noutros conflitos..Nota: A autora não escreve de acordo com o novo Acordo Ortográfico..Patrícia Akester é fundadora de GPI/IPO, Gabinete de Jurisconsultoria e Associate de CIPIL, University of Cambridge