Hajj. O que fazem dois milhões de muçulmanos em Meca?
Mais de dois milhões de muçulmanos de todo o mundo começaram esta sexta-feira o Hajj, a peregrinação de cinco dias ao local mais sagrado do Islão, em Meca, na Arábia Saudita. O andar à volta da Kabaa, em forma de cubo, é apenas uma parte do ritual que se destina a trazer mais humildade e união entre os muçulmanos.
A peregrinação anual é um dos cinco pilares do Islão (os outros são a profissão de fé, a oração, o jejum e o zakat, a doação de dinheiro aos necessitados), com todos os fiéis a terem de a cumprir pelo menos uma vez na vida. Aqueles que não têm dinheiro suficiente para fazer a peregrinação são muitas vezes financiados por organizações de caridade ou por líderes comunitários. Outros juntam dinheiro durante toda a vida para fazer a viagem.
A peregrinação deste ano surge numa altura de tensão política e sectária no Golfo Pérsico. Está ainda marcada pelas ameaças às minorias muçulmanas na China (os uigures denunciam que estão a ser levados para "campos de concentração), Birmânia (os rohingya não são reconhecidos como cidadãos), Índia (com o fim do estatuto especial de Caxemira) ou Nova Zelândia (palco dos ataques contra mesquitas de Christchurch, em março).
Mas, o que é que significa o Hajj para os muçulmanos? A peregrinação é fisicamente exigente e os muçulmanos acreditam que é a oportunidade para limparem os pecados do passado e poderem começar de novo diante de Deus. Os peregrinos procuram aprofundar a sua fé durante o Hajj, repetindo os caminhos percorridos pelo profeta Maomé.
Os ritos do Hajj remontam aos tempos dos profetas Abraão (Ibrahim para os muçulmanos) e do seu filho Ismael. Os muçulmanos acreditam que a fé de Abraão foi testada quando Deus lhe ordenou que sacrificasse o filho mais velho, Ismael. Abraão preparava-se para cumprir a ordem, quando Deus travou a sua mão, poupando Ismael. Na versão cristã e judia, Abraão teve ordens para sacrificar o seu outro filho, Isaac.
O Hajj, que dura cinco dias no início do mês lunar muçulmano de "dulrija", inclui várias etapas, começando pela "ihram", sacralização para alcançar um estado de pureza espiritual. A ideia é desfazerem-se de todos os símbolos de materialismo, pondo de lado os prazeres e focando-se no interior em vez do exterior.
Quando o peregrino chega a um determinado perímetro em torno de Meca, deve purificar-se e vestir-se de branco. As vestes dos homens nem sequer têm costuras (a ideia é serem todos iguais e não haver distinção entre ricos e pobres) e as mulheres cobrem o corpo todo com vestes largas, deixando apenas à vista as mãos e o rosto.
Os peregrinos não podem usar perfume, cortar o cabelo ou as unhas. As mulheres não usam maquilhagem. Têm que se abster de manter relações sexuais, sendo também proibidas as discussões ou as lutas.
A peregrinação do Hajj, como qualquer outra peregrinação a Meca noutra altura do ano, começa oficialmente com o "tawaf". Nesta fase, os peregrinos dão sete voltas em torno da Kabaa, a construção em formato de cubo na Grande Mesquita de Meca (a maior do mundo), no sentido contrário aos ponteiros do relógio, enquanto recitam as orações.
É em direção a Kabaa que os muçulmanos rezam cinco vezes por dia, onde quer que se encontrem. Se conseguirem, os peregrinos tocam e beijam a pedra negra incrustada num dos cantos do edifício. A Kaaba terá sido construída há milhares de anos por Abraão e Ismael como a casa de culto monoteísta, mas ao longo dos tempos foi destruída e reconstruída e atraiu diferentes tipos de peregrinos na Península Arábica. Antes do Islão se espalhar pela região, era a casa de centenas de ídolos pagãos, que foram destruídos no ano 630 por Maomé, no seu regresso triunfal a Meca. Para os muçulmanos, representa a casa metafórica de Deus e a sua unicidade no Islão.
A segunda parte do "umrah", ainda no primeiro dia, é o "sa'i". Nele, os fiéis percorrem sete vezes o caminho entre os montes Safa e Marwa (cerca de 400 metros de distância, ainda dentro da Grande Mesquita). Segundo a tradição, a mãe de Ismael, Agar, terá corrido entre ambos os montes sete vezes à procura de água para o filho moribundo. Nessa altura, Deus fez brotar uma fonte de água (Zamzam) que ainda existe.
Uma vez cumprido este ritual, os peregrinos vão para o vale de Mina, cinco quilómetros para Leste da Grande Mesquita, onde passam a noite em tendas.
No segundo dia da peregrinação, os fiéis seguem em direção ao Monte Arafat, a cerca de 20 quilómetros de distância de Meca, podendo subir ao Jabal al-Rahma, ou montanha da Misericórdia. Foi ali que o profeta Maomé fez o seu último sermão aos muçulmanos que o acompanharam na peregrinação no final da sua vida, pedindo igualdade entre todos os Homens e união entre os muçulmanos.
Por altura do pôr-do-Sol, os peregrinos vão para uma área chamada Muzdalifa, a nove quilómetros de Arafat (a pé ou de autocarros). Passam ali a noite e apanham as pedras pelo caminho que vão usar na lapidação simbólica do Diabo, em Mina, onde os muçulmanos acreditam que ele terá tentado convencer Abraão a não cumprir a ordem de Deus.
Os últimos três dias do Hajj coincidem com o Eid al-Adha, ou Festival do Sacrifício, que se assinala em todo o mundo muçulmano. Os fiéis sacrificam animais em memória de Abraão, que segundo a tradição estava prestes a matar Ismael quando o anjo Gabriel propôs que sacrificasse um cordeiro no lugar do filho. A carne é dividida em três partes: uma para a família, outra para os amigos e a terceira para os pobres.
É nestes dias que decorre o ritual de lapidação das estelas que representam o Diabo em Mina. É preciso atirar sete pedras à estela maior no primeiro dia e 21 pedras nos dias seguintes às três estelas (a grande, a média e a pequena).
Foi durante este ritual que, em 2015, um fuga em debandada resultou na morte de cerca de 2300 peregrinos.
A peregrinação acaba com novas voltas à volta da Kaaba e o fim do "ihram". Os homens costumam rapar a cabeça e as mulheres cortam uma madeixa de cabelo como sinal de renovação.