Haja esperança!
Em junho de 2019, a holandesa KLM, para comemorar os seus 100 anos - é a mais antiga companhia de aviação do mundo - lançou um filme promocional que parece um tiro no próprio pé. Aliás, uma saraivada deles! A campanha, que abriu com uma carta do CEO da companhia, exorta, literalmente, as pessoas a voar menos! Com o título Fly more responsibly, entre outras perguntas destacam-se duas: "Do you always have to meet face-to-face?" e "Could you take the train instead?"
A primeira ė ilustrada, no filme, por uma - quem diria? - premonitória reunião à distância por Zoom ( ou outra plataforma), a segunda é uma clara piscadela de olho ao já então crescente movimento de flight shame e à viagem que Greta Thunberg programava, e veio a realizar, para ir à COP25 em Madrid, regressando de comboio a casa.
Porque é que esta campanha não é, apesar de o parecer, contranatura, visto que o objetivo de uma companhia aérea é precisamente colocar mais aviões no ar? Com mais pessoas?
Pois, os tempos são outros. E mesmo uma companhia aérea tem de provar a sua preocupação com as alterações climáticas, o seu empenho em estar sintonizada com o imparável movimento em favor da redução das emissões de carbono. É certo que tem de fazer bem mais do que este piedoso e bastante falso apelo. Mas a verdade é que quer a KLM, quer a maioria das suas congéneres, o estão a fazer. Em cima da mesa está a substituição do jet fuel por energia limpa e sustentável.
Sem dúvida que este caminho é incontornável, dele depende o futuro da aviação e do nosso planeta.
Mas há um ponto que merece reflexão prudente. Até que o hidrogénio ou o biofuel estejam aptos a substituir o jet fuel, ficamos no chão? É que falamos de um investimento maciço em I&D, alterações no desenho e capacidade das aeronaves, experimentação, etc., que poderão ainda tardar 10, 15 anos até ser comummente usados.
Alguns dirão que os comboios são uma alternativa, mas essa alternativa, se serve para as deslocações intra-centro da Europa , não serve para Portugal, uma "quase-ilha".
É que para um holandês chegar, por exemplo, a Paris de comboio, demora 3h, tal como para um parisiense chegar a Londres, 2,5h, ou Frankfurt, 4h, e a Bruxelas, onde se decide o nosso futuro comum, apenas 1,5h.
E para chegar a Portugal? Se houvera porventura , TGV, o dito holandês demoraria, cerca de 7h, um parisiense cerca de 6h, tal como um português chegar a Bruxelas ou Frankfurt demoraria qualquer coisa como 10h.
Manifestamente não é a mesma coisa, certo?
Agora pensemos no turismo em Portugal. Faz algum sentido pensar que o avião pode ser substituído depois de se terem democratizado as viagens aéreas e, através delas, que o direito a férias ganhou outra expressão?
Em suma, é necessário avançar no caminho certo, e a IATA (Associação Internacional do Transporte Aéreo) aprovou uma resolução, acompanhando a Declaração de Glasgow para o Turismo, comprometendo-se a zerar as emissões de carbono emitidas pelas companhias que representa até 2050. Mas como já escrevi neste jornal, haja bom senso e não se sacrifique no altar do ambientalmente correto a evolução e desenvolvimento integrado do Turismo no Mundo.
De resto, e daí o título desta crónica, haja esperança: tal como a vacina contra a covid-19 foi desenvolvida e entrou no mercado em cerca de 10 meses, quando até aqui uma vacina demoraria 10, 15 anos, quiçá a transição energética, mais ainda no atual e futuro contexto, demorará bem menos do que os iniciais 10 ou 15 anos a concretizar-se.
Vice-presidente executiva da AHP - Associação da Hotelaria de Portugal