Passado um ano sobre a entrada em vigor do Direito Real de Habitação Duradoura (DHD), um mecanismo legal que permite viver numa casa por toda a vida sem ter de a comprar, o Governo não tem dados sobre quantos contratos foram feitos ao abrigo desta nova figura jurídica..A secretaria de Estado da Habitação diz não ter essa contabilidade por se tratar de um direito real, pelo que o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) e a própria secretaria de Estado não podem obter esses dados "sem expressa autorização para o efeito"..A explicação causou estranheza entre advogados especialistas em habitação consultados pelo DN, mas há outra via pela qual o Governo tem acesso a estes dados - a celebração de contratos de habitação duradoura tem de ser declarada à Autoridade Tributária. Mas o Ministério das Finanças também diz não ter estes números. Apesar de o diploma estar em vigor desde 10 de janeiro de 2020, o gabinete liderado por João Leão respondeu ao DN que nesta altura "não é possível sistematizar a informação referente ao número de contratos registados". Segundo o ministério, o "desenvolvimento dos automatismos informáticos necessários à correta parametrização desta figura no sistema informático ainda não foi concluído", pelo que o registo destes contratos "faz-se de forma manual" e não está sistematizado..A falta de dados invocada pelo Governo deixa sem resposta qual a adesão que teve este mecanismo jurídico, ao qual foi vaticinado desde o início um futuro pouco brilhante, com os vários agentes do setor a manifestarem sérias reservas ao sucesso da nova figura legal. O próprio Presidente da República, quando promulgou o diploma, fez questão de deixar expressas dúvidas "sobre o sucesso pretendido para o novo direito e efeitos colaterais da definição de "morador""..Um ano depois, no setor da habitação questiona-se se haverá sequer contratos ao abrigo desta figura legal. "Entre os nossos dez mil associados não houve um único que nos tivesse perguntado sobre o Direito Real de Habitação Duradoura", diz Iolanda Gávea, vice-presidente da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP). "Acho que não houve nenhum contrato. Isto não tem nenhuma viabilidade como instrumento jurídico, é uma peça para o museu das curiosidades jurídicas", acrescenta a responsável, falando num "instituto jurídico falhado logo à nascença"..Entre os inquilinos também não há notícia da celebração de contratos deste género. "Uma família portuguesa normal não tem disponibilidade financeira para isto. E se tem mais vale comprar uma casa", defende Romão Lavadinho, presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses, lembrando que o morador vitalício tem de avançar com uma caução inicial no valor de 10 a 20% do valor do imóvel e fica depois a pagar uma renda mensal. "Isto é uma não solução, não resolve nada", defende Romão Lavadinho, que diz não ter dúvidas que as adesões a este modelo são "inexistentes ou diminutas"..Também a advogada Alexandra Cachucho, especialista na área da Habitação diz ao DN que "possivelmente os números serão baixos (arriscando mesmo a dizer que poderão não ter sido celebrados contratos...) porque o regime não é apelativo"..O Direito de Habitação Duradoura é uma das peças jurídicas definidas pelo Governo para fazer face a uma situação em que o setor do arrendamento é "diminuto e pouco acessível em termos de preços" - como refere o decreto que institui o DHD - e do outro lado está a compra de casa, que implica por norma um elevado endividamento das famílias..A confirmar-se a pouca eficácia deste instrumento não seria caso único nas mais recentes políticas de habitação. Há pouco mais de um mês a atual secretária de Estado da Habitação, Marina Gonçalves, adiantou ao jornal online Eco que o Programa de Arrendamento Acessível - um dos instrumentos da nova geração de políticas de habitação do Governo - firmou apenas 250 contratos no último ano e meio, muito aquém do esperado..O DHD implica que o futuro morador vitalício pague ao proprietário uma caução num montante que pode ir dos 10 aos 20% do valor do imóvel. Isto significa que, se estiver em causa um imóvel no valor de 200 mil euros, o morador tem de avançar 20 a 40 mil euros de caução. A percentagem concreta é acordada entre as duas partes, que têm de chegar também a acordo sobre o valor mensal que o morador fica a pagar ao proprietário. A caução é prestada por um prazo de 30 anos. Desde o 11º ano até ao 30º ano de vigência do contrato, o proprietário desconta 5% ao ano do valor total pago pelo morador. Ao fim de três décadas não há lugar a qualquer devolução. O contrato não pode ser denunciado pelo proprietário, já o morador pode denuncia-lo em qualquer altura.