Habitação: as novas medidas (paliativas) do Governo

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Em contextos de crise, a implementação de planos de resposta tem a função de os combater e não de criar meras soluções paliativas. Após o anúncio recente das medidas do Governo para a área da habitação, é ainda pouco claro o posicionamento da tutela.

Por um lado, diria que se assistiu a um dançar do tango com a apresentação de várias medidas para "parecer bem", cujo único propósito é tentar agradar a todos, mas que em pouco ou nada traduz soluções eficientes. A eliminação da concessão dos vistos gold é um destes casos, que em efeitos práticos impacta muito pouco a especulação imobiliária e ainda acarreta uma diminuição de investimento estrangeiro em Portugal. Numa tentativa de acompanhar tendências aplicadas lá fora, como a do Canadá, que vai proibir a compra de casa por parte de investidores estrangeiros que não estejam a morar no país, cai-se no erro de não compreender que a realidade económica e sectorial do nosso país não se assemelha de forma alguma à de outros, e, como tal, não se afigura aplicar resoluções empiricamente similares. Igualmente, o Governo continuou sem responder à questão que tem andado nas bocas do mundo: como se irá aplicar a verba atribuída pela União Europeia no âmbito do Plano de Resolução e Resiliência (PRR) até 2026, e se se irá cumprir os objetivos propostos até essa data.

Por outro, um dos grandes pedidos do setor da construção passa por conseguir acelerar a concessão dos licenciamentos, que agora passam a ser autorizados com base no termo de responsabilidade dos projetistas, deixando de estar sujeitos ao licenciamento municipal, sendo as entidades públicas penalizadas no caso de atrasos na emissão de pareceres. Esta é uma medida um pouco controversa no seio do setor, justificada pela mudança de atribuição de responsabilidades e possíveis choques que daí poderão surgir. Contudo, a meu ver, irá imprimir a celeridade necessária para a execução de cada projeto e da criação de novas habitações, e, assim, preencher uma lacuna que há muito se fazia sentir no ramo.

Contrariamente, a questão do valor do IVA praticado na construção ficou por responder, algo que me parece bastante singular, considerando que um dos objetivos fundamentais destas medidas envolve a dinamização do mercado e, consequentemente, o aumento de habitações disponíveis para compra e arrendamento. Não faria sentido que um dos seus principais obstáculos fosse minimizado com vista a colmatar a disparidade entre a oferta e a procura do mercado? Se o IVA aplicado à construção nova passasse a ser de 6%, como acontece na reabilitação urbana, ou se fosse dedutível, acredito que seria uma estratégia eficaz do ponto de vista do aumento do volume de novos projetos de construção. Outra das soluções apresentadas pressupõe propor diretamente aos proprietários privados o arrendamento de casas que estejam disponíveis para serem habitadas, por um prazo de cinco anos, para subarrendar as mesmas. Neste âmbito, também as habitações devolutas foram abrangidas, às quais se pretende implementar um arrendamento obrigatório. Ora, em termos práticos, de que forma irá o Estado obrigar os proprietários a arrendar? Caso haja uma recusa, como é que esta medida surte efeitos a longo prazo? Para estas questões, o Governo também não apresentou respostas. Mais ainda, restam dúvidas de quantas habitações irão, efetivamente, ficar disponíveis por esta via. Numa ótica de alcançar objetivos a longo prazo, poderá parecer uma ação algo precipitada para tentar colocar habitações no mercado a qualquer custo, sem se ter a certeza de que constituem número suficiente para terem impacto. Por outro lado, parece-me que a implementação de políticas que promovam os arrendamentos, através da aplicação de isenções fiscais e de outros benefícios poderão gerar uma adesão imediata, conduzindo a uma diminuição progressiva da falta de habitação.

Na senda do equilíbrio do mercado imobiliário, é também fundamental ajudar à capitalização das famílias portuguesas para fazerem face a este cenário. Assim, acredito que as bonificações de juros que o Estado irá conceder para subsidiar parte do aumento de juros em empréstimos até 200 mil euros, ainda que seja apenas para contratos depois de julho de 2018 e em que foi superada a taxa de stress, representam um reforço financeiro primordial para a "sobrevivência" dos portugueses. A crise que se vive na habitação afeta a todos sem discriminação, no entanto, tendencialmente, favorece os que menos precisam e desfavorece os que se encontram abaixo na hierarquia social - e essa é uma condição que cumpre ao Estado corrigir.

Diretor-geral da GesConsult

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