Há um estranho contexto político na seleção alemã

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A Alemanha é favorita para o jogo de hoje, porque é a Alemanha. Mas há um contexto estranho no futebol germânico que está a atrapalhar as coisas. Primeiro foi a ordem de prisão para o presidente do principal clube alemão, num estranhíssimo caso de fuga aos impostos de Uli Hoeness; depois foi o conhecimento púbico, através do The Sunday Times da semana passada, de como também Franz Beckenbauer, por acaso presidente honorário do mesmo clube, violou as regras de conduta da FIFA quando pertencia ao seu Comité Executivo e votou, nessa qualidade, a favor da Rússia e do Qatar como organizadores dos Mundiais de 2018 e 2022 (e depois se recusou a cooperar com a Comissão de Ética da FIFA para esclarecer o caso - ontem, depois de enormes críticas na imprensa, já disse que afinal está disposto a cooperar); finalmente, esta semana ficou exposta uma enorme fratura dentro da Federação Alemã de Futebol: o anterior presidente, Theo Zwanziger, acusou Wolfgang Niersbach, antigo jornalista e atual presidente da federação, de várias coisas, entre elas de ganhar dinheiro a mais na DFB e de não ter peso político nas decisões na federação, na UEFA e na FIFA; Niersbach contra-atacou dizendo que ganha o mesmo que era pago a Zwanziger e a exigir deste que se demita do seu lugar no Comité Executivo da FIFA por já não representar os interesses do futebol alemão. Coisa que Zwanziger já disse que não faria, ou seja, o seu lugar estará em equação apenas no Congresso da FIFA em 28 de maio de 2015.

Nada disto é futebol jogado, é tudo contexto político, mas muitas vezes estas coisas têm influência.

E também há casos futebolísticos. Desde logo o facto de Joachim Löw ter chamado apenas um ponta-de-lança de raiz - Klose, 36 anos acabados de fazer. E quando o avançado Réus se lesionou, Löw chamou... mais um defesa - Shkodran Mustafi.

Tudo indica ainda que a defesa alemã seja formada por quatro defesas--centrais - de resto, "quatro Schwarzenbecks", como lhes chamou um jornal alemão, no sentido em que são altos e de jogar forte e feio como o antigo central e campeão mundial ao lado de Beckenbauer em 1974. Uma escolha que Löw, um homem conhecido pelo bom-gosto futebolístico, justifica como forma de não dar hipótese ao contra-ataque português ("dez dos seus últimos 12 golos foram de contra-ataque", disse o técnico alemão).

Löw está debaixo de alguma pressão. Esta é uma das melhores gerações do futebol alemão e ainda não ganhou nada nem chegou a finais depois de 2008 no Europeu (derrota com a Espanha). Já agora, o velho dito segundo o qual o futebol são onze contra onze e no fim ganha a Alemanha é ligeiramente exagerado: em Mundiais, ganhou três e perdeu mais quatro finais; em Europeus ganhou também três e perdeu outras três finais. A Alemanha reunificada só ganhou o Mundial 90, logo a seguir à queda do Muro de Berlim. Nos Europeus ganhou o de 1996 na Inglaterra. Desde 2008 chega sempre às meias-finais, mas isso é quase serviços mínimos para a seleção mais rica do mundo.

Há ainda mais: Löw disse há dias que "os suplentes serão muito importantes" no Mundial e que por isso não tinha um onze titular, mas "um 14 titular". Por causa do calor. Mas muitos acham que tem dúvidas no onze e que até Özil podia não ser titular porque, se a certa altura foi apresentado como exemplo da integração das comunidades imigrantes no país, tirando até fotografias com a chanceler Merkel, no balneário hoje o seu valor é discutido e discutível. Özil é hoje um estranho na sua casa da seleção alemã.

Este é o contexto conturbado em que se move hoje a seleção alemã, que pode contar com dois blocos fortes, do Bayern e do Dortmund, o que é uma vantagem. E que se aproxima do tiki--taka porque Guardiola está no Bayern e assim até se pode ver a Mannschaft a jogar sem ponta-de-lança fixo, o que é uma novidade absoluta.

*Jornalista

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