"Há um cenário de confinamento muito rigoroso"

Candidato ao segundo mandato como Presidente da República, ​​​​​​​é a favor da alteração nos poderes do Ministério Público numa futura revisão da Constituição, mas não acredita que isso seja possível a tempo das eleições de dia 24. Defende a votação dos idosos sem saírem dos lares e está preocupado com o impacto no emprego de um confinamento rigoroso.
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Passando ao tema da transparência, haverá na Casa Civil alguma task force para acompanhar esta aplicação dos fundos da bazuca?

Uma das coisas que me preocuparam foi precisamente que a comissão independente prevista pela lei da Assembleia ser uma comissão que realmente tinha, desde logo, uma liderança muito governamental. Se a ideia é ser uma comissão que tenha liderança e um peso apreciável de quem não está a executar e se quem controla quem executa é essencialmente quem executa, inevitavelmente surge a tentação da autojustificação - eu executei bem porque executei bem. Eu é que sei. No dia a dia - mesmo em democracias muito maduras - as oposições não têm dados tão elaborados quanto os governos. Isso dá uma dificuldade no debate muito grande. Não há essa prática. Há de haver uma comissão que o parlamento irá acompanhar; há de haver ação do Tribunal de Contas, que é fundamental e que está vocacionado para esse acompanhamento. O PR estará atento àquilo que sejam dados recolhidos das várias instâncias de acompanhamento, para ir acompanhando também o que vier a ser feito com os fundos.

As moratórias têm vindo a ajudar as famílias e as empresas, mas podem vir a transformar-se num problema muito sério para os bancos. Está preocupado?

Eu dividiria isso em dois pontos. Um ponto, penso que não era mau pensar, refletir, num prolongamento das moratórias, não pensar em mais seis meses ou mais um ano, mas mais três ou quatro anos, pois se se diz que a economia portuguesa só voltará a estar na situação em que estava em 2019, entre 2023 e 2024, faz sentido que a economia das pessoas não esteja parecida com o que era em 2019 antes, não estará certamente em 2021 e 2022. Outra coisa, eu penso que o sistema bancário tem revelado uma precaução apreciável em termos de acompanhamento da crise pandémica, económica e social. Às vezes chegam ecos de confederações sindicais ou patronais que gostariam de mais, de outra intervenção do sistema bancário, mas penso que se está a caminhar sobretudo para estas medidas urgentíssimas para formas de intervenção direta do próprio Estado. Ou seja, o Estado ajudar diretamente as empresas e assim ajudar as pessoas diretamente e não recorrendo à solução bancária - que é sempre mais lenta, de arbitragem e julgamento mais sofisticado, mais complicado, e são situações como a do pequeno comércio, dos pequenos serviços, da pequena ou média restauração que precisam de soluções para ontem. Imagine-se que há um confinamento muito acentuado na semana que vem, é evidente, apesar da imaginação notável de tantos setores de micro, pequenas e médias empresas para se reajustarem, com take-away, com formas diversas de exercer a sua atividade, que há prejuízos muito significativos com um fechamento assim. Esses prejuízos têm obrigado, não apenas a linhas de crédito, mas em muitos casos, cada vez mais, a financiamento que depois tem de ser posto no terreno. Aquelas empresas para manterem emprego, os pequenos e médios empresários para sobreviverem precisam de ter condições de sobrevivência.

Só não percebi se está preocupado com o futuro da banca...

Se estou preocupado como estava em 2016 e em princípio de 2017, isso não estou. Naquela altura estava porque havia várias situações por definir.

Dividiu confederações patronais e sindicais. Concorda com o aumento do salário mínimo neste ano para os 665 euros por mês?

Acho que é o possível, e é um possível que para alguns setores económicos da atividade produtiva na ótica dos empresários é exigente, é desafiante. Já dei o exemplo da hotelaria, da pequena, da restauração. É evidente que na restauração, o salário mínimo obriga a compensações enquanto durar a pandemia e que irão acompanhar a evolução da crise. Essas compensações têm de existir da parte de quem? Do Estado, é evidente.

Tendo em conta o que temos observado nos últimos resultados eleitorais, como nas sondagens, onde é que a direita social a que diz pertencer, tem falhado?

A esquerda é que está no poder.

Exatamente.

Se me perguntasse como é que a esquerda tem cumprido, melhor ou pior, eu não responderia porque não seria a função do PR. Agora, pergunta-me onde é que a direita social tem falhado nas decisões que tem tomado... Não tem tomado decisões, a não ser a nível autárquico onde o centro-direita e a direita têm poder. A nível regional tem acertado, mais ou menos, mas é um elogio que eu devo fazer - muitas vezes fala-se apenas naquilo que tem sido a preocupação do PR com a estabilidade a nível nacional, mas ela existe também a nível regional e local. Tenho acompanhado com gratidão aquilo que a nível da governação regional, na Madeira e nos Açores - aqui com um novo Governo Regional, na Madeira com a renovação ou a continuação, de uma forma diversa, da experiência governativa anterior - e a nível das autarquias o que se tem feito. Quem está mais próximo do terreno tem sido heroico. Os autarcas foram heróis. Eu falei com todos, das 308 câmaras, e ouvi histórias indizíveis. Eu não publico memórias, mas o que eles tiveram de fazer quando havia por exemplo, em certos lares clandestinos que não eram conhecidos, situações que de repente foram descobertas... quando responsáveis de instituições de solidariedade social se viram quase bloqueados na resolução de problemas básicos - não havia testes, material de proteção sanitária, coisas básicas, e os autarcas fizeram coisas do outro mundo, como trazer esse material da China, de Espanha, apesar de as fronteiras estarem fechadas... Foram coisas espantosas.

O senhor é que há dias dividia a direita entre social, à qual diz pertencer, e do medo. Aparentemente a direita do medo é que está em crescimento e a social em perda.

Eu falei nessas duas, mas há outras.

Mas na direita social julga que fazem falta, na primeira linha, figuras como Pedro Passos Coelho ou Paulo Portas?

Isso é entrar naquilo em que o PR não deve entrar. É perguntar: Como é que resolvia a situação deste partido? Tenciona criar um partido? Não. Tenciona escolher líderes partidários? Não. Tenciona condicionar a escolha de líderes partidários? Não. Tenciona ter iniciativas políticas para canalizar a oposição num determinado sentido que lhe é mais agradável? Não. Não é a função do PR. Essa experiência já tive como líder partidário. Foi uma experiência fascinante, muito intensa, conheço essa experiência na oposição, conheci-a no poder como autarca. Conheci no poder, não como líder, como dirigente partidário integrando um governo. O PR está noutro plano. É interessante perguntar-lhe: Ora diga lá, o que é que lhe dava mais jeito em termos de membros do governo? Quem é que escolhia para ministros? Quantos partidos queria na oposição?

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