Há sites a vender bilhetes a preços ilegais. Dá prisão

Bilhetes para o concerto de Adele que custavam 55 euros estão à venda na Internet por 380 euros. Quem os vende arrisca uma pena de prisão entre 6 meses e 3 anos de cadeia
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"Tenho para venda dois bilhetes eletrónicos (comprados via TicketLine) para o concerto da Adele, para a plateia em pé de dia 22 de maio de 2016." Esta é uma das 40 ofertas de bilhetes para o concerto da cantora britânica que se encontravam ontem disponíveis no site de vendas OLX. O vendedor pede 110 euros por um bilhete, o dobro do preço oficial fixado pela promotora do evento. Há quem venda um ingresso de 85 euros por 380 ou 500 euros. Esta é uma prática tão ilegal quanto ir para a porta do Meo Arena horas antes do início do espetáculo para vender as entradas a preços inflacionados. E quem o faz, diz a lei, arrisca-se ao pagamento de coimas ou a uma pena de prisão entre os 6 meses e os 3 anos.

Até 15 de dezembro, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), força liderada por Pedro Portugal Gaspar, instaurou 44 processos-crime e apreendeu 118 entradas. Foram noticiadas detenções no festival Nos Alive e na final da Taça de Portugal, por exemplo.

Vender bilhetes por um preço superior ao de compra é ilegal, como explica a ASAE ao DN, citando a lei (Decreto-Lei n.º 24/2014). "O crime de especulação verifica--se sempre que a venda de bilhetes seja efetuada por valor superior ao dele constante, traduzindo-se assim num lucro ilegítimo obtido por um terceiro que em nada contribuiu para a organização ou realização do evento e que, dessa forma, obtém um ganho destituído de qualquer causa."

Só em flagrante delito

As detenções só acontecem cara a cara. A ASAE, "no âmbito da fiscalização da matéria relativa à especulação de bilhetes, recolhe informação através de várias fontes, incluindo a internet, apenas podendo atuar em conformidade quando constata a sua prática em flagrante delito, procedendo ainda à detenção dos agentes do crime e apresentando-os perante as autoridades judiciárias competentes".

Um lápis vale dois bilhetes

Há também quem venda lápis e ofereça dois bilhetes para o concerto de Adele. O preço é 150 euros. Fixar um valor para outro produto que não os bilhetes é, no entanto, uma estratégia que não iliba o vendedor, segundo Andreia Guerreiro, da sociedade de advogados Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva e Associados (MLGTS), com experiência na área do regime geral dos espetáculos. "Cria-se um obstáculo à demonstração da prática do crime de especulação em tribunal", afirma. "Seria preciso dizer que este negócio é uma simulação e que a verdadeira intenção é vender os bilhetes."

Além do OLX, outras plataformas online vendem bilhetes para espetáculos a valores superiores aos listados pela entidade promotora do evento. A Ticketbis, cuja apresentação é semelhante à dos sites de venda oficial de entradas, garante na sua homepage que "uma equipa de 350 profissionais garante a autenticidade dos seus bilhetes", embora não faça parte da lista de empresas autorizadas a vender ingressos. Ou a startup Seatwish, sediada em Braga, finalista em 2015 do prémio Jovem Empreendedor da ANJE, que se descreve como um "mercado social", "gratuito", de venda, compra e troca de bilhetes.

Álvaro Covões, proprietário da Everything is New, promotora responsável pelos concertos de Adele nos dias 21 e 22 de maio, diz que "estas plataformas, algumas fantásticas, estão a validar a especulação de bilhetes".

Ministério Público notifica

Qual o papel das plataformas digitais na venda destes bilhetes? Uma fonte do setor que preferiu manter o anonimato criticou estes sites que "facilitam a especulação" ao validarem a venda de bilhetes a 200 euros. "Criam a expectativa de que o que estão a fazer é legal." Além de venderem bilhetes, permitem o uso de fotografias oficiais dos artistas sem que estes tenham sido consultados, alerta.

Domingos Antunes, inspetor chefe da ASAE, que lidera a investigação desta especulação em meio informático, sublinha a dificuldade em atribuir-lhes responsabilidades. "A internet é como um condomínio industrial, em que cada um faz o seu arrendamento, cada um usa a garagem como quer", compara.

Andreia Guerreiro fala na dificuldade em provar a culpa. "Em Direito Penal temos de demonstrar que o arguido agiu com consciência do dolo ou negligência."

O inspetor chefe da ASAE confirma que o Ministério Público tem notificado os sites de compra e venda de bilhetes, alertando para a presença de bens ilícitos. "Sempre que falamos com estas plataformas, eles retiram os anúncios", avança. Mas, acresce, algumas têm a sua sede em países onde o mercado secundário é legal, como o Reino Unido ou os EUA.

Mercado liberalizado

É um modelo liberalizado como o destes países que a Seatwish defende. "Achamos que Portugal devia ter leis semelhantes aos Estados Unidos ou restante Europa onde se deixa o mercado ditar os preços nos mercados secundários. Empresas com a Viagogo, TicketBis, StubHub, VividSeats, SeatGeek, Tiqiq, entre muitas outras, operam normalmente, incluindo em Portugal, e a própria Ticketmaster (a maior empresa de venda de bilhete primários do mundo com sede nos USA) também atua no mercado secundário", responde ao DN, por e-mail, Afonso Barbosa, CEO da empresa. OLX e Ticketbis não responderam ao contacto do DN.

"Os nossos utilizadores tentam comprar bilhetes porque os mesmos se encontram esgotados. Os nossos utilizadores tentam vender na SeatWish porque as bilheteiras primárias não têm uma política de reembolso e muitas vezes dizem ter esgotado os bilhetes apenas para aumentar o interesse para os eventos", critica, garantindo que está "disponível para trabalhar com os promotores de espetáculos".

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